Acho que é uma. dessas coisas da vida que a gente nunca presta atenção. A. verdade é que a gente nunca quer se envol
Querido Holden, Permitome chamálo de "querido", porque você já é de casa. Talvez você ainda não me conheça, mas ouvi falarem muito de você, até que entendi quem você era. E, no duro, você tem um bocado de mim, tá sabendo? Acho que é uma dessas coisas da vida que a gente nunca presta atenção. A verdade é que a gente nunca quer se envolver, porque isso significa sofrimento. E, por isso, eu entendo você. Sei o quanto você se afasta das pessoas gosto de ter meu canto, também, de viver na solidão. É engraçado, mas você é a primeira pessoa que me entendeu, assim como eu o entendi. Sei como é ser massacrado todos os dias, e você tenta repelir isso. Sei que aqueles que acham que te entendem e aqueles que apenas ouviram falar de você dizem que você é um garoto problemático marginalizado. Não se preocupe, eles não o conhecem como eu eles não saberiam se sentir como nós, querido. Você disse que mesmo que pudesse explicar o que queria dizer, não tinha certeza se sentia daquele jeito. É a constante bagunça dentro da gente, né? Você tem convicções bastante fortes, mas é tão confuso quanto eu. Temos uma visão de mundo parecida, Holden, e é por isso que ainda não tirei você da cabeça. Já faz alguns meses. Sempre acabo me perguntando se agiríamos da mesma forma, caso você estivesse aqui, e a cada dia me convenço de que você é a minha parte gêmea que se perdeu a partir das palavras. Você é todo feito de palavras e, mesmo assim, não sabe quem é, ou como se expressar. É isso que nos faz almasgêmeas. Não sabemos lidar com o mundo exterior. Acho que, afinal, deve ser por isso que sou escritora. Preciso dar sempre um jeito de me comunicar com quem tá do outro lado do muro e que não pode ver a bagunça que sou por dentro... Acabei nem falando por que estou escrevendo justamente para você, né? A verdade é que eu pensei em outros destinatários antes de você, mas percebi que ninguém nunca vai conseguir substituir a conexão sinto quando penso na sua história. Tô escrevendo, Holden, pra gente não ficar sozinho. Eu sei que você não gosta de gente enchendo o seu saco e que, pra você, essa gente é um bando de filhos da mãe, mas dê uma chance, tá legal? Poxa, você não pode sair por aí achando que tudo é horrível. Meu caro, a vida não é assim. Não se abandona a vida desse modo. Já percebeu que você é um dos garotinhos na beirada daquele precipício maluco? E ninguém vai salválo, como você mesmo disse que faria pelas outras pessoas. Ninguém se importa com a gente, Holden. Não como nos filmes e nos livros. Porque a vida é
uma linha reta, sabe? E a gente tem que fazer a nossa jornada sozinhos. Você tá aí vagando pelas ruas, pra quê? Vai melhorar em quê, amigo? A gente, que é igual, tem que se ajudar, e é por isso que estou te escrevendo. Pra dizer que você não tá sozinho. Eu entendo você, como eu disse. Guardo tudo o que você também guarda. Tenho raiva de algumas pessoas e gostaria que a nossa sociedade não superestimasse as aparências. Mas, Holden, você vê? E daí que tudo é errado, quando você tem uma convicção? Você não quer se entregar ao sistema, e está certo. Você tem o direito de ser você de pensar e de agir como você mesmo, a partir das suas próprias ideias. É bom caminhar em marcharé, de vez em quando; isso nos faz perceber que não estamos tão loucos assim. Mas você não precisa ser louco de verdade o tempo inteiro. Dê uma trégua à vida, amigo. Volte pra casa para ser amado mesmo que, talvez, não seja tão amado quanto gostaria. Mas não importa, você tem a Phoebe e a memória do Allie. É isso que importa. O que importa é o que a gente carrega por dentro, e ambos sabemos que você tem muita coisa aí. Transborde um pouco, Holden. Tô aprendendo que a vida bate nas pessoas como nós, e isso acaba sendo muito ruim. Às vezes, eu sofro com isso. Não quero que você continue a sofrer, também. Vamos combinar que iremos nos ajudar, tá bom? Tô sempre precisada de uma conversa amiga, e aposto que você também. Não se acanhe, porque somos iguais, tá? Você e eu, pra sempre. Despeçome escrevendo que você está certo: não dá pra contar tudo a todos, porque a gente mal acaba de contar e já fica com saudade. Já estou com saudade, Holden. Vê se não desaparece pelas ruas de Nova York, viu? Diga um "olá" de vez em quando. E, no duro, pare de achar que todo mundo é filho da mãe. Eu não sou, tá vendo? Volte pra casa e me escreva, certo? Com amor infinito, Nina Spim.