... laudos elaborados em um hospital psiquiátrico forense. Ver mais em: RAUTER
. Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
A Periculosidade Como Justificativa Para Aplicação de Medida de Segurança - Jennifer Cavalheiro de Oliveira1 RESUMO A presente monografia tem por finalidade o estudo da periculosidade quando esta é utilizada como justificativa para a aplicação de medida de segurança. Perpassando pela história da loucura e a forma de tratamento dada aos chamados loucos ao longo dos tempos, desde a Grécia antiga até os dias atuais, até se chegar ao surgimento do termo periculosidade e a sua aplicabilidade. A forma como é auferida a periculosidade e as conseqüências jurídicas do laudo médico que determina o grau desta, bem como, o surgimento da medida de segurança, sua justificativa, aplicabilidade, previsão legal e as conseqüências jurídicas de sua aplicação na vida do indivíduo. Este trabalho apresenta ainda alguns casos concretos de comparação entre casos do século XIX e início do século XX e casos atuais de pessoas consideradas “anormais” que foram condenadas a serem segregadas através de medida de segurança e outras que, embora também não tenham sido consideradas plenamente “normais” foram condenadas à pena de prisão e as conseqüências causadas nas vidas dessas pessoas em função da decisão jurídica aplicada a cada caso nessas diferentes épocas. Palavras-chave: Loucura – Periculosidade – Medida de Segurança – Direito Penal. 1 ANÁLISE HISTÓRICA DA LOUCURA Antes de entrarmos no tema da periculosidade é preciso entender a construção histórica da loucura, sabermos quem são os loucos e como estes se diferenciam dos “normais”. Iremos realizar uma breve análise sobre este tema a partir da Grécia Antiga, com a contribuição dos trágicos e dos filósofos da época, até os tempos modernos de Pinel e o início das internações compulsórias justificadas pela periculosidade, passando pela Inquisição e a visão demonista da loucura até chegarmos ao entendimento atual acerca de tal tema. 1.1 A LOUCURA NA GRÉCIA Para os gregos antigos, como Homero, Ésquilo e Eurípides, que viveram em torno do século V a.C., a loucura era tida como sendo a vontade dos deuses. Os deuses tornavam alguém louco por diversos motivos, seja por inveja, por vingança, etc. Nesse contexto a loucura não era considerada de forma negativa, mas sim como um infortúnio enviado pelos deuses e consistia na base para a tragédia grega em peças como Medéia2, Fedra3, Orestes4 e
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Acadêmica de Direito da PUCRS. Artigo elaborado com fulcro no Trabalho de Conclusão de Curso orientado pelo Professor Dr. Giovani Agostini Saavedra. 2 Obra escrita por Eurípides em torno de 431 a.C., conta à história de Medéia mulher de Jasão, que ao ser abandonada por este, o qual tinha o intuito de casar-se com a filha de Creonte, ensandecida
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As Bacantes5. Os personagens citados em tais peças são todos acometidos de loucura, alguns apenas por determinado período e outros que são levados até a morte, mas sempre por influência divina. Tanto na poesia da época como na tragédia se tem a idéia de que são as divindades que dispõem do poder de tornar alguém louco mesmo que de forma indireta a loucura era assim entendida. O conceito de loucura da poesia de Homero e de Hesíodo implica invariavelmente a intervenção direta e permanente dos deuses na vida dos homens. São os deuses e seus instrumentos, Atê, Erínias ou Moira, que roubam ou confundem a razão dos homens e os enlouquecem. ... a interferência da divindade cede gradualmente o papel de causa aos conflitos de paixões, ao entrechoque entre desejo e a norma ética. Ainda que no dizer fugaz de alguns personagens, sejam os deuses a plantar no coração dos homens o ódio e o desejo sexual, a inveja e a culpa. A loucura, nos textos trágicos, resulta de conflitos penosos, entre paixões, entre lealdades, ou deveres6.
Neste período não havia tratamento para a loucura, pois, esta não era considerada como sendo doença, por ser uma questão além do homem este quase nada poderia fazer para reverter o quadro. Aos pobres mortais caberia apenas rogar aos deuses, quando ainda restasse consciência para isso. A visão da sociedade para com o louco não era negativa, se aproximava a um sentimento de comiseração e ao mesmo tempo de temor dos deuses, que poderiam deixar a todos nesta situação, a qualquer momento, dependendo apenas de suas vontades. A sociedade se compadecia do louco e tentava de todas as formas aplacar seu sofrimento tentando lhe mostrar sua insanidade, dando conselhos e rogando aos deuses para libertá-lo de tal fardo.
mata seus filhos e a futura noiva fugindo logo em seguida e abandonando Jasão sem esposa e sem filhos. Ver mais em: EURÍPIDES. Medéia. São Paulo: Abril, 1982. 3 Obra escrita por Eurípides em torno de 428 a.C., conta à história de Fedra mulher de Teseu rei de Atenas, a qual se apaixona perdidamente por seu enteado Hipólito, o casto filho da Amazona. Após se deparar em uma paixão não correspondida se suicida e inventa uma pérfida calúnia contra seu amado que causa o ódio de seu pai e o leva a morte. Ver mais em: EURÍPIDES. Hipólito. 2.ed. Lisboa: Colibri, 1996. 4 Obra escrita por Èsquilo, em torno de 458 a.C. onde Orestes, filho de Agammenon, mata sua mãe Clistemnestra para vingar a morte de seu pai, mas, após isto, enlouquece com a perseguição das Erínias até ser julgado pelos deuses que o libertaram da loucura. Ver mais em: ÈSQUILO. Oréstia: agamêmmon, coéforas, eumênides. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. 5 Obra escrita por Eurípides em torno de 407 a.C. onde o deus Baco (ou Dionísio) ensandece Agave mãe do rei Penteu a qual acaba por esquartejar seu filho acreditando que este é uma fera em um ritual báquico. Ver mais em: EURÍPIDES. As bacantes. Lisboa: Editora 70, 1992. 6 PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994, p. 46.
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Mesmo nas obras de Eurípides, que dava certa consciência da loucura a seus personagens, estes não tinham forças para lutar contra o destino traçado pelos deuses, a explicação para tal continuava sendo a vontade dos céus. A forma como Eurípides abordava a loucura em suas peças, embora de forma sutil, foi um passo importante para uma nova visão da condição do louco: A obra de Eurípides representa o nascimento da psicologia enquanto concepção do homem como dotado de uma individualidade intelectual e afetiva. Uma individualidade que é a sua própria natureza, pessoal. A influência sofística e socrática é óbvia nesta altura. 7
No século IV a.C. nasce Hipócrates, considerado o pai da medicina, o criador da visão orgânica da loucura através dos humores (sangue, fleuma, bílis amarela e atrabílis ou bílis negra) que quando em desequilíbrio ou acumulados no cérebro ou em outros órgãos, seriam responsáveis pelas doenças como a melancolia, a epilepsia, a mania e a histeria. Hipócrates passará a entender a loucura como desarranjo da natureza orgânica, corporal, do homem. E os processos de perda da razão ou do controle emocional passam a constituir efeitos de tal desarranjo. São entendidos como resultantes de processos e condições orgânicas, cujo dinamismo é descrito até em pormenores. Um dinamismo fundado numa anatomofisiologia ingênua e, em grande parte, hipotética.8
A partir desta classificação orgânica da loucura, esta passara a ser tratada como doença tendo prescritos tratamentos através de uma alimentação adequada e mudança de hábitos, para equilibrar os humores que poderiam ser estimulados ou diminuídos através destes cuidados. Estes tipos de tratamentos, também eram indicados por magos, mas neste caso a cura era atribuída aos deuses. Uma das grandes dificuldades encontradas por Hipócrates foi a de desmistificar esses tratamentos trazendo-os exclusivamente para a área da medicina, pois, estes eram aplicados como ritos sacros. Platão, também, deixou sua contribuição sobre o entendimento da loucura que surge com base na disfunção dos humores e trazendo novas classificações dando versões de disfunções conhecidas hoje como histeria e depressão em obras como Timeu9, A República10
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PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994. p. 46. PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994. p. 47. 9 Ver mais em: PLATÃO. Timeu. Belém: UFPA. 3 ed, 2001. 10 Ver mais em: PLATÃO. A República, Parte II. São Paulo: Escala. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. 8
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e Fedro11. No Timeu Platão divide a alma em três, a superior que é o Logus, residente no encéfalo, e as inferiores residentes no coração e nas vísceras, reforçando a teoria organicista dos humores de Hipócrates, já na República essas três almas são consideradas partes da psyche A primeira parte é aquela com a qual o homem aprende. A segunda, aquela pela qual prova emoções. Para a terceira, em vista da multiplicidade de suas formas, é impossível conferirlhe um nome único e específico, mas com aquele que é o mais importante e eficaz, a chamamos de parte concupiscível, por causa da violência dos desejos que se relacionam com o comer, o beber, o amor e outros a eles correlatos. E a consideramos também ávida, porque esses desejos, no mais das vezes, se realizam graças ao dinheiro 12.
No Fedro, Platão explica que existem diferentes delírios para cada alma, podendo ser de origem celestial, poética, estática, erótica e a loucura, sendo a loucura decorrente de alterações humorais. Os humores seriam os responsáveis tanto pelas alterações comportamentais quanto pelas alterações de espírito e de alma, ocasionando tais distúrbios. Aristóteles entende que a alma se divide em duas sendo uma parte racional e a outra irracional. A parte racional seria responsável pelas ações lógicas e a irracional seria responsável pelos impulsos. Aristóteles entendia, porém, que ambas se encontram no coração, mas é seu discípulo Teofrasto quem desenvolve melhor esta idéia. Com esta breve análise podemos notar que a loucura teve diversos entendimentos ao longo do tempo na Grécia, passando de uma visão mitológica e até certo ponto ingênua para uma visão mais elaborada, científica que vai dar suporte para se ter uma compreensão mais aprofundada sobre o tema no futuro. 1.2 A LOUCURA EM ROMA Em Roma, cabe salientar a obra de Celsus, grande defensor da versão hipocrática da loucura. Destaca-se também Areteu da Capadócia que viveu entre os séculos II e III d.C. Areteu adotava uma visão orgânica, mas, com maior amplitude compreendendo também uma análise comportamental, sendo considerado por muitos como o verdadeiro pai da medicina mental13.
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Ver mais em: PLATÃO. Fedro. Lisboa: Guimarães. 4 ed, 1989. PLATÃO. A República, Parte II. São Paulo: Escala. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. p. 262. 13 Ver mais em: PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994. p. 61 à 68. 12
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Porém, Cláudio Galeno, contemporâneo de Areteu, foi quem mais se destacou por ter realizado uma distinção mais precisa entre a loucura e o delírio decorrente de outras doenças, apresentando uma visão pneumática, embora não descarte totalmente a visão humoral. Galeno apresenta, também, uma visão dualista do ser humano em alma ou mente e corpo14. Não houve grande produção de estudos sobre a loucura em Roma. Os médicos romanos apresentaram maiores estudos sobre anatomia e outras áreas da medicina, devido a racionalidade romana e seus extensos períodos de guerra, estudos sobre o psicológico acabavam sendo deixados de lado ao contrário do que se tinha na Grécia, apesar das inúmeras batalhas em que esteve envolvida, a cultura grega estimulava a produção de estudos por estar mais voltada para as coisas da alma e do espírito abordando tal tema, também, fortemente na literatura, principalmente nas obras trágicas conforme analisado no capítulo anterior. Com esses autores acima citados podemos notar que a visão romana da loucura é de caráter mais científico, partindo de premissas mais sólidas e não místicas como era concebida a loucura na Grécia. A obra de Galeno vai perdurar por muitos séculos quase que inalterada permeando o entendimento da loucura até a idade clássica. 1.3 A LOUCURA DO PERÍODO MEDIEVAL À IDADE CLÁSSICA A loucura, a partir do século II d.C., passou a ser entendida como possessão demoníaca sendo tratada não mais por médicos, mas sim por exorcistas que tinham por missão salvar a alma do possesso. Tivemos, neste período, uma grande regressão no tratamento da loucura, agora ela deixa de ser doença e não é mais vista positivamente, como a vontade de um deus, é o mal, algo negativo que deve ser punido. Primeiro, esse modelo de pensamento reedita e corrompe o modelo mitológico da Grécia antiga. Reedita, porque após a visão organicista popularizada pelo galenismo, a loucura (na maioria dos casos) passa a ser, de novo, efeito de maquinações de entidades extra-naturais. Corrompe, porque agora a loucura é apenas negativa, patológica, estigma de imperfeição e de culpa. Os deuses causavam a loucura mas a cancelavam. Agora o louco é um campo de batalha entre forças do mal e forças do bem. A loucura era uma questão de relação do homem, na sua autoconsciência, com um ou mais deuses. Agora a relação que se estabelece exclui ou desqualifica a autoconsciência. O homem é passivo. Passivo frente ao demônio, passivo diante do poder salvador do exorcista.15
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Ver mais em: PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994. p. 69 à 77. 15 PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed, 1994. p. 100.
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Os estudos científicos a cerca da demência, também, ficaram prejudicados, pois os estudiosos eram freqüentemente declarados possuídos, o que acabou por desencorajar a realização de novos estudos desta ordem. Não havia diferenciação, por exemplo, entre um epilético e um libertino, um maníaco era facilmente confundido com um herege, um melancólico com um feiticeiro e todos eram incluídos no estigma de possessos. Os inadequados socialmente sejam eles loucos, hereges, alquimistas, feiticeiras, bruxas ou libertinos, estão postos no mesmo patamar e tinham o mesmo destino: o martírio, a forca, a fogueira ou o internamento. Por muitos séculos perdurou este entendimento, tendo se acentuado durante a inquisição até a queda do catolicismo, com a reforma, a contra reforma e o surgimento de novas teorias, como o iluminismo e o humanismo que passou a entender o ser humano de outras formas, dando maior racionalidade ao homem e desmistificando a relação do homem com os deuses, tendo o ser humano maior autonomia. A partir do século XV a loucura passa a ser mais freqüente na sociedade, a nau dos loucos16 vaga pela Europa transportando uma tripulação funesta, contendo toda escória da sociedade, levando os moradores indesejados das cidades para uma longa viajem, aprisionando-os nos mares. Aprisionar os insensatos era prática difusa já na Idade Média e no Renascimento, assumindo, entretanto, maior amplitude no século XVII. Tratava-se, anteriormente, de uma prática cujo significado se ligava mais a uma exclusão genérica do que a uma segregação institucionalizada. A exclusão dos loucos estava vinculada a uma situação de precariedade comum a outras formas de miséria, de pobreza e de dificuldade econômica. 17
A literatura, desta época, volta a retratar com maior ênfase a questão da loucura em obras como Dom Quixote de La Mancha18 e Macbeth19 que abordam a loucura de seus
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Ver mais em: FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva. 7 ed, 2004. 17
BARROS, Denise Dias. Jardins de Abel Desconstrução do Manicômio de Trieste. São Paulo: Edusp, 1994. p. 29. 18 Obra com sua primeira edição publicada em 1605, escrita por Cervantes, traz a história de um fidalgo que perdeu a razão e acreditava ser um grande cavaleiro andante que, acompanhado de seu fiel servo Sancho Pança e seu cavalo Rocinante, desafiava os inimigos imaginários pelas estradas sempre exaltar sua amada Dulcinéia. Ver mais em: CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2 ed, 1954. 19 Obra escrita por Shakespeare entre 1603 e 1606, traz a história de Macbeth um general do exército da Escócia que, juntamente com sua esposa, assassina o rei escocês e comete uma série de outros assassinatos para subir ao trono, mas, acaba sendo atormentado pelos fantasmas de suas vítimas o
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personagens e serviram de grande influência para a sociedade da época. No Brasil, a literatura passa a abordar o tema da loucura com maior ênfase no século XIX em obras como O Seminarista20 e Memórias póstumas de Brás Cubas21 que trazem este tema como sendo o desfecho de seus personagens. No século XVII o entendimento quanto ao tratamento destinado aos loucos muda radicalmente, começa o período das internações compulsórias em larga escala de toda aquela população que antes viajava na nau. A nau abarca nas cidades e seus ocupantes são enviados para os chamados Hospitais Gerais, muitos deles são antigos leprosários que foram desocupados no século XIII com a descoberta da cura para a lepra. Por um curto período esses leprosários serviram também para abrigar pessoas com doenças venéreas, mas logo estas foram submetidas a tratamento médico e descoberta a cura também os abandonaram. Muitas vezes essas novas casas de internamento são estabelecidas dentro dos próprios muros dos antigos leprosários; herdam bens, seja em decorrência de decisões eclesiásticas, seja por força de decretos reais baixados no fim do século. Mas também são mantidas pelas finanças públicas: doações do Rei, quotas-partes retiradas das multas que o Tesouro recebe. Nessas instituições também vê-se misturar, muitas vezes, não sem conflitos, os velhos privilégios da Igreja na assistência aos pobres e nos ritos da hospitalidade, e a preocupação burguesa de pôr em ordem o mundo da miséria; o desejo de ajudar e a necessidade de reprimir; o dever de caridade e a vontade de punir; toda uma prática equívoca cujo o sentido é necessário isolar, sentido simbolizado sem dúvida por esses leprosários, vazios desde a Renascença mas repentinamente reativados no século XVII e que foram rearmados com obscuros poderes. O Classicismo inventou o internamento, um pouco como a Idade Média a segregação dos leprosos; o vazio deixado por estes foi ocupado por novas personagens no mundo europeu: são os “internos”. O leprosário tinha sentido apenas médico; muitas outras funções representaram seu papel nesse gesto de banimento que abria espaços malditos. O gesto que aprisiona não é mais simples: também ele tem significações políticas, sociais, religiosas, econômicas, morais. E que dizem respeito provavelmente a
que leva sua esposa ao suicídio. Ver mais em: SHAKESPEARE, Macbeth. Rio de Janeiro : Lacerda, 2004. 20 Obra escrita por Bernardo Guimarães publicada em1872, traz a história de Eugênio e Margarida, dois jovens que cresceram juntos e cultivaram um amor proibido pela família de Eugênio que o envia para um seminário onde este ordena-se padre e acaba por enlouquecer ao final após a morte de sua amada Margarida. Ver mais em: GUIMARÃES, Bernardo. O seminarista. São Paulo : Ática, 18. ed, 1991. 21 Obra escrita por Machado de Assis, publicada em 1881, traz a história de Quincas Borba, um filosofo que criou o humanismo, mas que acaba por enlouquecer perdendo completamente a lucidez. Ver mais em: ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro : Ediouro, 1997.
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certas estruturas essenciais do mundo clássico em seu conjunto22.
Mas os loucos não eram os únicos ocupantes destes hospitais, ainda eram companheiros dos pobres, dos criminosos, dos libertinos, dos mendigos, enfim de todos aqueles rejeitados socialmente, continuavam todos no mesmo patamar de estigmatização. A internação era feita por ordem do rei. A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde o início, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era praticada na Idade Média. Como medida econômica e precaução social, ela tem valor de invenção. Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo: o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas significações atribuídas à pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores éticos a ele ligados determinam a experiência que se faz da loucura e modificam-lhe o sentido. Nasceu uma sensibilidade, que traçou uma linha, determinou um limiar, e que procede a uma escolha, a fim de banir. O espaço concreto da sociedade clássica reserva uma região de neutralidade, uma página em branco onde a vida real da cidade se vê em suspenso: nela, a ordem não mais enfrenta livremente a desordem, a razão não mais tenta abrir por si só seu caminho por entre tudo aquilo que pode evitá-la ou que lhe é antecipadamente preparado sobre um desatino desenfreado. Com isso a loucura é arrancada a essa liberdade imaginária que a fazia florescer ainda nos céus da Renascença. Não há muito tempo, ela se debatia em plena luz do dia: é o Rei Lear, era Dom Quixote. Mas em menos de meio século ela se viu reclusa e, na fortaleza do internamento, ligada à Razão, às regras da moral e as suas noites monótonas.23
Durante dois séculos (XVII e XVIII) assim foram tratados os alienados na Europa, com o surgimento das Instituições totais eles foram trancafiados e esquecidos juntamente com outros rejeitados, a loucura perdeu o brilho que outrora possuía, de ser obra de um deus ou do demônio, passou a ser simplesmente um estigma que passa a acompanhar aqueles que viveram a experiência de serem internados e nunca mais recuperarão a plena autonomia, mesmo conseguindo sair do hospital. Serão os apontados pelas ruas como sendo incapazes e mal vistos pela sociedade que os excluiu.
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FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva. 7 ed, 2004. p. 52 e 53. 23 FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Perspectiva, São Paulo: 7 ed, 2004. pág 78.
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1.4 A LOUCURA APARTIR DO SÉCULO XIX No início do século XIX a loucura passa a ser vista com outros olhos, pelo menos na teoria, com a publicação do Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental, o Traité de Pinel em 1801, a Psiquiatria entra para a categoria de especialidade médica. O tratado de Pinel classifica a loucura de uma forma genérica e confusa dando ênfase a aspectos comportamentais, o que não foi muito aceito pelos psiquiatras que o seguiram. Apesar de suas óbvias imprecisões, o Tratado, de Pinel, marca uma atitude científica nova, na evolução da psicopatologia. E é como instituidor de uma atitude nova que ele produzirá conseqüências importantes para a psicopatologia. ... a contribuição teórica mais importante é a definição da loucura...24
Na prática, o tratamento dos insanos, não mudou substancialmente. A grande contribuição de Pinel, neste aspecto, foi a de “esvaziar” as casas de internação dos ocupantes não doentes, mas, quanto aos loucos manteve-os enclausurados no mesmo lugar onde se encontravam, sem um tratamento adequado e com poucas perspectivas de cura. A loucura passou a ser competência da medicina, mas, a medicina não sabia ao certo o que fazer com ela. Por esse motivo passou apenas a analisá-la e para isso era importante mantê-la sob seus olhos justificando assim a continuação do internamento. È entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; é lá – não nos esqueçamos – que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem por teremnos “libertado”.25
Após Pinel, surge um grande número alienistas, estudiosos da loucura e do comportamento humano os quais mantinham seus “objetos de observação” trancafiados em asilos para serem analisados e classificados de acordo com as novas descobertas, conforme bem retrata Machado de Assis em seu célebre conto O Alienista26. Os alienistas mantinham instituições onde os loucos pudessem ser observados e tratados moralmente, em um regime disciplinar que visava reeducar os insanos. Os meios de tratamento utilizados eram apenas de contenção, dos mais agressivos e agitados, como o uso do eletro choque e da contenção física através de correntes e camisas de força, até chegar-se ao uso dos modernos psicofármacos, já no século XX. 24
PESSOTTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: 34. 2 ed. 1994. p 169.
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FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva. 7 ed, 2004. p. 48. 26
Ver mais em: ASSIS, Machado de. O Alienista. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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Neste último século chegou-se ao entendimento de que os problemas mentais não podem ser considerados como sendo doenças, mas sim transtornos, pois, a ciência ainda não conseguiu identificar precisamente as causas que os desencadeiam, o que dificulta a prevenção e o diagnóstico precoce27. Freud, também, trouxe grandes contribuições para o entendimento de certas patologias, quebrando com a idéia de que os transtornos mentais eram estritamente biológicos. Com o advento da psicanálise passou-se a compreender melhor as influências das questões sociais, psicológicas e dos traumas para o desenvolvimento de transtornos e distúrbios mentais nos indivíduos. Os seguidores de Freud, como Melanie Klein28, deram segmento a seus estudos sobre as impressões deixadas em nosso inconsciente durante a infância em suas diversas fases (oral, anal, fálica, latência e genital), e as vinculações de eventuais traumas causados durante tais fases com comportamentos praticados na vida adulta, inclusive vinculando atos criminosos praticados por indivíduos adultos que tem sua explicação em transtornos desenvolvidos na infância. Outra importante consideração, a ser levada em conta, é o entendimento atual de que a segregação do indivíduo não é o tratamento mais adequado, com a reforma manicomial, busca-se a integração das pessoas acometidas por transtornos mentais com a sociedade, evitando assim o isolamento destes indivíduos, promovendo a integração social. 2 PERICULOSIDADE A periculosidade, no início chamada de temibilidade, surgiu, no direito penal na escola positivista do século XIX, que passou a cuidar não mais do crime, mas sim do indivíduo criminoso. Lombroso29, nesta época, lançou a idéia de que todo o criminoso sofre de algum problema biológico devendo ser tratado, sendo que, em alguns casos, não haveria tratamento capaz de “curar” o criminoso e, nesses casos, a única solução seria a segregação deste por tempo indeterminado. Portanto, não havia distinção entre um crime praticado por um doente 27
Esclarecimento dado pelo professor doutor Gabriel Chittó Gauer em conversa informal no dia 20/04/2010. 28
Psicoterapeuta francesa, pós-freudiana, que aprofundou os estudos iniciados por Freud sobre a formação do psicológico na infância fazendo ligação com o comportamento do indivíduo na vida adulta. Ver mais em: KLEIN, Melanie. Inveja e gratidão: um estudo das fontes inconscientes. Rio de Janeiro: Imago, 1984. 29
Cesare Lombroso, médico Italiano nascido em 1858, na cidade de Verona, criador da teoria do criminoso nato, o atavismo, é considerado por muitos como o pai da criminologia, um dos maiores nomes do positivismo do século XIX. Ver mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso, último acesso em 08/05/2010.
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mental, pois, de qualquer modo, o simples fato do cometimento de um crime já indicava uma questão biológica, podendo apenas, o fato de um crime ser cometido por um doente mental, ser considerado motivo para abrandamento da pena30. Com o passar do tempo, no século XX, este entendimento foi modificado passado a ser aplicada medida de segurança apenas para os casos onde o agente criminoso fosse considerado inimputável ou parcialmente inimputável, ficando a periculosidade como fundamento para aplicação da medida de segurança. O conceito de periculosidade, porém, não é muito claro, abrindo margem para interpretações subjetivas. O artigo 97, § 1º, do Código penal, estabelece que a medida de segurança perdurará até que se constate a cessação da periculosidade, mas, não explica o que seja a periculosidade. Considerando a prática forense quanto à medida de segurança, entendemos que quem melhor conceitua periculosidade é Frederico Abraão de Oliveira: Entende-se periculosidade como possibilidade de que o indivíduo torne a praticar delitos. Trata-se de um estado permanente de desajuste comportamental (sob o ponto de vista social) que determina a certeza de que o indivíduo virá a delinqüir, tão logo posto em liberdade31.
A periculosidade é uma espécie de patologia existente no criminoso que justifica a aplicação da medida segurança. A periculosidade é subjetiva e pressupõe-se que toda a pessoa que apresente alguma espécie de doença mental, que lhe turve os entendimento, e cometa algum crime seja considerada perigosa. Os considerados perigosos perdem totalmente a autonomia, a liberdade de se gerirem e ficam estigmatizados para o resto de suas vidas. E, para que não sejam considerados piores, devem concordar com tal diagnóstico. O sentimento dos assim considerados foram bem definidos por GOFFMAN No entanto, a apologia do paciente é exigida num ambiente único, pois poucos ambientes podem ser tão destrutivos das histórias sobre o eu, com a exceção, evidentemente, das já construídas de acordo com esquemas psiquiátricos. E essa destrutividade se apóia em mais do que a folha oficial de papel que afirma que o paciente tem uma mente doentia, é perigoso para si mesmo e para os outros – um atestado que, diga-se de passagem, parece atingir profundamente o orgulho do paciente, bem como possibilidade de que possa sentir qualquer orgulho 32. 30
Ver mais em: TABORDA, Miguel Chalub. Psiquiatria Forense. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 22 – 24. 31
OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Penas, Medidas de Segurança e Sursis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 50 32
GOFFMAN, Irving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 131.
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Portanto a periculosidade é algo presumido e não concreto o que dificulta em muito a compreensão mais aprofundada deste termo, acarretando em uma análise superficial e até mesmo o questionamento da validade e da existência de tal instituto. 2.1 PERICULOSIDADE NO BRASIL No Brasil, no início do século XX, o grau de periculosidade passou ser critério para avaliação da possibilidade de progressão da pena, mas, principalmente para justificar a aplicação da medida de segurança, esse entendimento ainda vigora nos dias atuais. A periculosidade é auferida por laudos médicos que devem indicar se o paciente é ou não perigoso para a sociedade ou para si mesmo, e tentar identificar o grau dessa periculosidade. Porém existem algumas dificuldades na realização de tal avaliação, sendo este um ato de prever o que pode acontecer no caso concreto, cabendo ao psiquiatra ou psicólogo a responsabilidade de tal previsão, dificultando assim o grau de “certeza” quanto à existência ou não da periculosidade em determinado individuo. Embora existam critérios objetivos para essa análise, mesmo a objetividade desde procedimento é influenciada por aspectos subjetivos e da relação de transferência que existe entre periciando e periciado, conforme podemos verificar nas palavras de Sordi: Os critérios objetivos, todavia, não devem ser considerados exageradamente, pois, no início da década de oitenta, uma pesquisa da OMS em escala mundial, coordenada em nosso meio pelo Dr. Roberto Pinto Ribeiro, a respeito de avaliação de periculosidade, revelou que não existem critérios uniformes para tal procedimento, variando inclusive de médico para médico com a mesma orientação teórica, dentro de um mesmo hospital e para um mesmo paciente. É possível que esta variabilidade se deva, entre outras coisas, mas com peso importante, a interação emocional única que se estabelece entre um determinado perito e um determinado periciando, da mesma forma que nas avaliações de Responsabilidade Penal33.
Outro ponto que interfere em tal procedimento é o temor, por parte de psicólogos e psiquiatras, de realizarem um laudo que indique a cessação da periculosidade de determinado indivíduo que ganhe alta, com base nesse laudo, e volte a delinqüir, trazendo assim responsabilidade, mesmo que seja apenas moral, para o profissional que elaborou tal laudo. Partindo dessa premissa, a periculosidade seria mais um conceito abstrato do que um fundamento jurídico válido, capaz de determinar a segregação de um individuou ou sua
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SORDI, Rudyard. – O Direito e a Psiquiatria - In ZIMMERMAN, David e COLTRO, Antônio Carlos Mathias. Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2 ed, 2008. p. 301.
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liberdade, porém, é este conceito abstrato que tem sido utilizado por nossos juízes para embasar uma decisão pontual, qual seja a liberdade de um determinado ser humano. Outra questão a ser abordada é como se avalia a periculosidade nas pessoas que se encontram nas linhas limítrofes entre a razão e delírio. Aqueles transtornos que não tolhem o discernimento e nem comprometem a vontade do indivíduo, como é o caso dos chamados transtornos anti-sociais. O julgamento quanto à possibilidade da responsabilização de pessoas acometidas por esses transtornos fica no arbítrio do juiz, o qual pode entender tanto que deve se aplicar a medida de segurança quanto julgar a capacidade plena, determinando a prisão em penitenciária. Por outro lado toda e qualquer rebeldia pode ser considerada uma atitude antisocial e ser julgada como caso de inimputabilidade. É justamente uma existência atribulada que leva à sociopatia, derivada da pobreza, do desequilíbrio familiar, da devassidão. Os filhos de prostitutas, os órfãos, os produtos de lares desfeitos possivelmente serão sociopatas, segundo esta corrente psiquiátrica. Este tipo de pessoa adquirirá uma atitude perigosa de rebeldia frente à sociedade, não aceitando suas leis. Com uma categoria tão ampla que vai da excentricidade à criminalidade, passando pelos “extremistas e delinqüentes”, a psiquiatria, como dispositivo de controle social, não se restringe mais apenas aos que recusam estabelecer o contrato social por um erro da razão, mas também, e cada vez mais, a todo tipo de rebeldes que, “embora sejam capazes de perfeitas racionalizações verbais” acerca da justeza de seus atos, estão, ainda assim, “doentes”34.
Há, também, o caso dos psicopatas, para os quais a ciência ainda não descobriu a cura, mas atribui alto grau de periculosidade aos acometidos por tal transtorno. A avaliação médica nesse caso fica muito dificultada devido à grande capacidade de persuasão desses indivíduos, que são capazes de se tornarem extremamente dóceis e gentis para obter vantagens manipulando muitas vezes os próprios médicos responsáveis pelo tratamento35. Outra questão pontual são os laudos elaborados de forma errônea, atribuindo a um mesmo indivíduo um diagnostico de sociopatia vinculado a um transtorno afetivo bipolar ou esquizofrenia paranoide, o que, do ponto de vista médico, não é possível tendo em vista que a sociopatia exclui outros transtornos que não sejam da ordem dos transtornos anti-sociais. Vivemos em um estado Constitucional de Direito, avaliações com base em conceitos abstratos trazem uma insegurança jurídica imensurável, incompatível com a Democracia e 34
RAUTER. Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 117. A autora faz uma abordagem abrangente sobre o assunto no artigo: Os carreiristas da indisciplina, apresentando inclusive laudos elaborados em um hospital psiquiátrico forense. Ver mais em: RAUTER. Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. 35
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com os princípios constitucionais trazidos pela Constituição de 1988, como a ampla defesa, pois, não se pode contestar um laudo médico, que é algo científico, mesmo que este esteja imbuído dos problemas anteriormente mencionados, a possibilidade de se conseguir invalidar uma perícia que aufere periculosidade é muito remota, pois, nem mesmo os profissionais das ciências “psis” tem a noção concreta do que seja a periculosidade, muito menos os magistrados, que não tem esta obrigação de conhecer assuntos inerentes a área médica, terão bases suficientes para discutir tal laudo. 3 MEDIDA DE SEGURANÇA A medida de segurança surge pela influência da criminologia no direito penal, a qual abrange outras áreas do conhecimento como a psiquiatria, a psicologia e a sociologia. Da união dessas áreas surgem novos conceitos que são trazidos ao direito penal. A medida de segurança é uma construção jurídica surgida neste contexto a partir da junção de diferentes escolas criminológicas, quais sejam a escola positiva e a escola clássica, apresentando traços de ambas na construção de sua definição36. Do positivismo foi influenciada pelo caráter de prevenção e defesa social que assumiu e do classicismo o caráter, em certo ponto, curativo sem ser sancionador, ao menos formalmente. Melhor ligação entre estas escolas nos traz Jacobina: A medida de segurança parece ser o ponto de equilíbrio entre as escolas penais clássica e positiva, uma conciliação entre as escolas pragmáticas que não consegue lançar raízes profundas em nenhuma das duas escolas. De fato, ressaem dos conceitos filosóficos da escola clássica que um homem nunca poderia ser julgado por um crime que ele não quis ou não tinha condição de compreender, nem ser submetido a qualquer tipo de resposta penal em razão de fatos sobre os quais não teve responsabilidade, do ponto de vista subjetivo. Todo o fundamento do direito de punir, para os defensores dessa escola, estava arraigado na questão da responsabilidade subjetiva, sendo o livre-arbítrio o fundamento de tal responsabilidade. A pena seria a retribuição para aquele que, livremente, optou por descumprir a lei. Aquele que não tem liberdade para fazer essa opção está fora do direito penal, não se submetendo nem à sua jurisdição, nem às sanções por ele prescritas. Para os cultores da escola positiva de direito penal, estamos todos submetidos às forças determinantes da natureza, portanto, nenhum de nós goza de verdadeira – senão aparente – liberdade. Assim, o fundamento do direito de punir está na defesa social, ameaça ao conjunto dos integrantes da sociedade que não estão submetidos às mesmas forças deterministas criminógenas. Haveria, portanto, essencialmente, identidade 36
Ver mais em: RAUTER. Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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entre pena e medida de segurança, pois toda pena é, no fundo, uma medida de segurança37.
Historicamente existiram formas primitivas de medida de segurança, desde o império romano, porém, a medida de segurança, como a temos hoje, com intuito de tratamento, surgiu no século XIX, sendo fruto de uma junção de idéias do positivismo e do classicismo, como referido anteriormente, tendo sua primeira referência no Código Penal norueguês, e desde então foi implantada no sistema jurídico de todos os países ocidentais, a princípio, como forma complementar, sendo aplicada, no sistema dualista, tanto a pessoas imputáveis como aos chamados inimputáveis, servindo de forma a complementar a pena de prisão imposta38. Ocorreram diversos conflitos entre médicos e juristas ao longo da história para que fosse aceita essa “intervenção” da medicina no âmbito do judiciário. Sendo o caso de Pierre Rivièri39
um dos primeiros a causar tais conflitos de competência, onde os médicos
reivindicavam para si a
capacidade de tratar indivíduos desajustados que cometessem
crimes40. Atualmente a medida de segurança é aplicada de forma exclusiva, ou seja, unicamente ao indivíduo que é considerado inimputável, para os criminosos considerados “normais” aplicam-se as demais formas de sanção penal (pena privativa de liberdade, pena de multa, prestação de serviço, pena restritiva de direito, etc.). 3.1 MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL O grande marco da internação do louco criminoso, que deveria receber um tratamento diferenciado daquele dado a um louco não criminoso, no Brasil, foi a criação dos Manicômios Judiciários, sendo o primeiro deles inaugurado no Rio de Janeiro em 30 de abril de 1921. Com a criação de tais manicômios passou a se tornar possível internar cada vez mais pessoas, pois, os espaços que eram destinados aos loucos criminosos, em manicômios sem vinculação com a justiça, foram desocupados e passou a ocorrer, então, muitas vezes, a internação de pessoas que não apresentavam um quadro clínico tão grave, contribuindo assim para retirar das ruas todos os “indesejáveis” como era prática corrente na Europa do século XIII, conforme analisado anteriormente.
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JACOBINA. Paulo Vasconcelos. Direito Penal da Loucura. Brasília: ESMPU, 2008. p. 129 e 130. Ver mais em: ANTUNES. Maria João, Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica. Coimbra: Coimbra. 2002. p. 66 – 73. 39 Este caso será abordado posteriormente com maiores esclarecimentos. 40 Ver mais em: FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 6 ed, 2000. p. 229 a 238. 38
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Tratava-se, então, de estabelecer uma cidade limpa e racional, purificando-a de todos os elementos que destoassem dessa racionalidade. A diferença estabelecida pela loucura, como a diferença estabelecida pelos vícios, pela miséria, pela deficiência, pelo desajuste de forma geral, seria resolvida – como ainda é – pela exclusão41.
Um dos principais defensores de tal instituto, no Brasil, foi Heitor Carrilho. Apesar de se ter poucas informações quanto a sua vida pessoal, temos muitas referências quanto a sua carreira profissional. Heitor Carrilho foi um importante defensor do positivismo em nosso país, iniciou sua carreira no Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, foi o primeiro diretor do Manicômio Judicial do Rio de Janeiro, cargo que assumiu aos 28 anos, em 1921 e desempenhou até sua morte em 1954. Além de ter sido diretor do Manicômio Judicial foi também professor da Faculdade Fluminense de Medicina e presidente geral da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, tendo sido também diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais e membro do Conselho Penitenciário. As idéias de Carrilho, como a construção de manicômios judiciais e a consolidação da aplicação de medida de segurança, influenciaram grandemente o direito penal brasileiro tendo sido incorporadas no Código Penal de 1940. Carrilho tinha idéias mais ousadas as quais, até hoje, não foram incorporadas, como a ficha psicológica de toda a população com o intuito de prevenir o cometimento de crimes42. A legislação brasileira dispõe que a medida de segurança não é uma sanção vinculada ao crime cometido, mas sim ao agente que cometeu tal crime. Um dispositivo como a medida de segurança é o resultado prático de cerca de quatro décadas de discussões nos meios jurídicos brasileiros, é a adoção de um novo critério de julgamento, baseado não no ato criminoso, mas na personalidade do delinqüente. Além disso, corresponde a uma transformação na concepção de pena e de sua ação sobre a personalidade considerada anormal: nasce a idéia de uma pena de tratamento43.
No Brasil a medida de segurança era aplicada a todo e qualquer preso considerado perigoso e poderia ser cumulada com pena de prisão. Este sistema dualista, na forma de aplicação de tal medida, se justificava no ponto de que, muitas vezes, o agente que praticante 41 42
JACOBINA. Paulo Vasconcelos. Direito Penal da Loucura. Brasília: ESMPU, 2008. p. 66.
FRY, Peter. - Direito positivo versus direito clássico: a psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho - In FIGUEIRA, Sérvulo A. Cultura da Psicanálise. Brasília: Brasiliense, 1985. 43 Ver mais em: RAUTER. Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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de determinado crime teria uma certa consciência do ato cometido, mas, seria portador de uma periculosidade acentuada, no sentido literal da palavra, justificando desta forma a aplicação da medida de segurança, após o cumprimento na pena aplicada, como uma tentativa de se tentar prevenir a reincidência de tal individuo. Esta visão estava muito ligada ao entendimento positivista inicial de Lombroso, o qual acreditava em uma determinação biológica do individuo para o cometimento de determinados atos. No código penal de 1947 a medida de segurança passou a ser aplicada exclusivamente a inimputáveis, sendo fator preponderante para isso o grau de periculosidade do indivíduo, embora alguns magistrados julguem segundo o crime praticado, conforme julgado recente EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA DECLARADA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. RÉU INIMPUTÁVEL. APELO DEFENSIVO COM FUNDAMENTO NA ALÍNEA “C” DO INCISO III DO ART. 593 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DA MODALIDADE DE MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA, DE INTERNAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL. IMPOSSIBILIDADE. ROGO ALTERNATIVO DE DIMINUIÇÃO DO PRAZO MÍNIMO DE INTERNAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. Dispõe o art. 97 do Código Penal: “Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”. Assim, como os crimes pelos quais o imputado restou absolvido impropriamente prevêem pena reclusiva (triplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver), legalmente e proporcionalmente, como se verá adiante adequada a determinação de sua internação. De fato, o laudo psiquiátrico, o qual diagnosticou que o apelante é portador de Transtorno Esquizoafetivo, assim sugeriu: “Em tese, beneficia-se o examinando com a modalidade da Medida de Segurança e conseqüente internamento em hospital de custódia e tratamento, como o IPFMC. No entanto, no momento está o examinando em tratamento psicoterapêutico e psicofarmacológico, assintomático e imerso em um programa de recuperação, com reaproximação familiar, relacionamento afetivo adequado e saudável, desenvolvendo atividades escolares razoavelmente, o que nos leva a pensar na possibilidade de o examinando receber o benefício de Medida de Segurança ambulatorial e apresentando-se com regularidade ao judiciário, se assim for do entendimento do Douto Magistrado. Tal sugestão leva em conta a necessidade de acelerar o processo de recuperação de vida do periciando, lançando mão de seus aspectos sadios, já estabelecidos em seu projeto de vida”. Logo, como facilmente se percebe, a aplicação da modalidade de medida de segurança pleiteada pela defesa tratamento ambulatorial trata-se de mera sugestão dos experts, com a qual, contudo, não concordo, máxime em função da gravidade dos delitos praticados, cuja sociedade deve ser protegida. Enfim, tal proposta poderia ser acolhida, a meu
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juízo, caso os crimes pelos quais o denunciado houvesse sido absolvido impropriamente fossem de menor gravidade. Por outro lado, quanto à irresignação relativa ao tempo da internação, avalio ser possível seu acolhimento, a fim de reduzir o período mínimo de internação para um ano, tendo em vista que independentemente do prazo mínimo estipulado, a internação perdurará enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade, consoante o § 1º do art. 97 do Estatuto Repressivo. Apelo parcialmente provido44.
Pode a medida de segurança ser aplicada de duas formas: por internação compulsória em hospital de tratamento e custódia ou tratamento ambulatorial. A internação em hospital de custódia pode ser substituída por tratamento ambulatorial, desde que o crime praticado seja punível com detenção, o que também foge a regra de ser a periculosidade o ponto fundamental para aplicação de medida de segurança, sendo esta aplicada de acordo com o crime cometido. Com o advento do Novo Código, parte geral, tanto o inimputável como o semi-imputável podem ficar em tratamento ambulatorial, desde que a pena prevista para o fato cometido seja de detenção (art. 97, CP)45.
A medida de segurança não é considerada pena, tendo por finalidade o tratamento do doente, conforme o disposto no artigo 99 do Código Penal: “O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. Este dispositivo demonstra ainda mais o caráter punitivo da medida de segurança, em detrimento do tratamento adequado ao qual deveria ser submetido o agente. Este impasse, quanto à definição da medida de segurança como sendo pena ou não,
leva
a
decisões
arbitrárias como a do acórdão citado anteriormente. Quanto ao prazo da medida de segurança o Código Penal estipula em seu artigo 97 § 1º do que “A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos”. No entanto, o Supremo Tribunal Federal entende que com o advento da Constituição Federal de 1988, houve veto a prisão perpetua e estipula o prazo máximo de pena privativa de liberdade em 30 anos, esse tempo de “cumprimento de pena” se aplica também a medidas de segurança. Já, o Superior 44
Acórdão 70030568935 julgado pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS em 25/11/2009. 45 TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença Criminal Prática de Aplicação de Pena e Medida de Segurança. Belo Horizonte: Del Rey, 4 ed. 1999. p. 235.
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Tribunal de Justiça entende que o doente deverá ter alta progressiva assim que ocorrer à diminuição de sua periculosidade mesmo antes dos 30 anos, devendo o doente ser transferido para hospital psiquiátrico adequado saindo da tutela do sistema penitenciário 2. Conquanto o Supremo Tribunal Federal entenda que a medida de segurança deva ser cumprida pelo prazo máximo de trinta anos, este Superior Tribunal de Justiça se posicionou pela duração da medida de segurança enquanto persistir a periculosidade do agente. 3. Apresentando o paciente melhora progressiva em seu quadro psiquiátrico, embora ainda precise de tratamento contínuo, poderá ser colocado em desinternação progressiva, em regime de semi-internação até que alcance a desinternação condicional46.
Essas questões, quanto ao prazo da medida de segurança, ainda geram muitas divergências. Muitos doutrinadores entendem que deveria ser considerada a prescrição da media de segurança no prazo máximo da pena aplicável ao delito cometido, conforme o disposto no artigo 109 do Código Penal, mas, os entendimentos, tanto do STF quanto do STJ não reconhecem essa prescrição argumentando que a medida de segurança não uma espécie de pena, não comportando, neste caso, as teorias aplicadas ao Processo Penal quanto a forma de aplicação, pois, não há sentença nem um processo de execução penal, ocorre apenas a absolvição sumária e a submissão do agente praticante do delito a tal instituto sendo este uma medida alternativa a via judicial, não cabendo comparação analógica com a pena aplicada ao criminoso normal, o qual é submetido a um processo judicial, tendo uma sentença condenatória proferida contra si. Partindo desta premissa, para os casos de criminosos acometidos por transtornos mentais, não caberia nem mesmo a prescrição intercorrente mas esta é reconhecida pelos Tribunais Superiores, o que novamente demonstra a contradição de tal entendimento. Questiona-se, também a eficácia da medida de segurança em nossos dias, pois, a medicina psiquiátrica atual trabalha sobre outra perspectiva, qual seja, utilizar a internação hospitalar apenas em última instância, buscando sempre manter o indivíduo doente no convívio em sociedade, o que contraria a lógica da medida de segurança. Quando do surgimento de tal instituto, este se justificava por ser uma medida curativa, para tratamento do indivíduo e na época em que se implantou tal sistema a medicina psiquiátrica adotava a internação como principal medida. Com a promulgação da lei 10.216 (chamada lei antimanicomial) em 6 de 46
Habeas Corpus Nº 113.459 - RS (2008/0179719-1), julgado em 28/10/2008 pelo STJ.
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abril de 2001, o Brasil adotou outra forma de ver e de tratar os insanos, a qual não condiz com o instituto da medida de segurança. 4 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS Para melhor ilustrar as questões abordadas anteriormente iremos fazer a seguir uma análise crítica de quatro casos concretos, situados em épocas distintas, de pessoas que apresentavam alguma alteração mental e cometeram delitos, e do destino dado a estas pessoas em conseqüência desses crimes praticados, fazendo, posteriormente, a comparação entre as conseqüências causadas nas vidas das pessoas as quais analisaremos. Questionaremos, também, a eficácia das soluções dadas a tais casos e as eventuais mudanças na forma de aplicação de tais medidas. 4.1 O CASO DE PIERRE RIVIÈRE Pierre Rivière um jovem de 20 anos que em 1835, na França, assassinou brutalmente sua mãe, que estava grávida de 6 meses e meio, sua irmã de 18 anos e seu irmão de 8 anos. O jovem Rivière foi condenado pelo júri à pena capital em primeira instância, porém, as discussões geradas pela sociedade francesa da época levaram parte dos jurados a apresentarem um recurso perante o rei que o levou a conceder indulto comutando a pena capital para pena de prisão perpétua, o que não foi adequado para evitar que Rivière se suicidasse 4 anos mais tarde, ao ficar isolado em uma cela na prisão por ter ameaçado matar outros detentos que se recusavam a matá-lo, como ele desejava alegando que na verdade já estava morto devendo apenas seu corpo padecer definitivamente. O caso de Rivière até os dias de hoje chama muita atenção, pela forma como foi realizado seu julgamento e a mobilização que este julgamento histórico trouxe, com a ruptura das formas de interpretação para casos limítrofes entre a razão e a loucura, nas chamadas loucuras sem delírio, na época recém classificadas por Esquirol47, um de seus defensores quanto a solicitação encaminhada ao rei alegando que Rivière sofria de graves problemas mentais. Talvez o mais intrigante para a sociedade da época tenha sido a forma fria e calculista do crime praticado por Rivière, que arquitetou um plano minucioso cerca de um mês antes de praticar o ato, conforme narrou em seu memorial, e esse tipo de frieza nos crimes não era muito comum no século XIX, ainda mais quando cometido conscientemente contra a própria família, sendo que os parricidas tinham a mesma pena do regicidas. A discussão suscitada nos debates do júri foi o argumento de que ninguém que estivesse gozando plenamente de suas 47
Discípulo de Pinel fez a descoberta de que é possível haver loucura sem delírio. Ver mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-%C3%89tienne_Esquirol, último acesso em 22/04/2010.
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capacidades mentais seria capaz de cometer tal ato, tão repugnante aos olhos de todos. Principalmente na justificativa que Rivière encontra para ter assassinado também seu irmão, acreditando que assim provocaria a ira de seu pai e este não lamentaria sua morte. Ao mesmo tempo em que Rivière almejava a gloria por morrer para salvar seu pai queria ser odiado por ele, pelo mesmo ato. Conforme referido nos depoimentos das testemunhas do caso, muitos dos quais conheciam Rivière desde a infância, e por conclusões que podem ser retiradas do memorial escrito por ele, seu comportamento sempre apresentou alterações. Segundo os relatos das testemunhas, Rivière era uma criança que se isolava da companhia das demais crianças de sua idade, e tinha brincadeiras estranhas como cortar cabeças de repolhos com uma foice. Na adolescência seus atos passaram a ser mais cruéis, pois, crucificava pássaros e perseguia crianças ameaçando jogá-las no poço ou dizendo que ia matá-las. Sua fuga da presença das mulheres, principalmente as da família, que ele justificou como sendo um temor insuportável pela possibilidade de praticar incesto, uma repulsa que ele alega ter adquirido com a leitura do evangelho. Suas atitudes demonstravam no mínimo algum tipo de transtorno anti-social, alguma esquizofrenia ou uma neurose. Existe, também, neste caso, uma forte influência do meio nas atitudes de Rivière, devido às brigas constantes entre seus pais além da questão biológica, pois, no curso do processo foi apresentado casos de loucura em sua família materna, sendo que sua própria mãe apresentava um gênio difícil com traços de neurose e uma atitude excessivamente possessiva. Ao menos essa foi à conclusão da maioria dos jurados que apelaram ao rei pedindo abrandamento da pena a ser aplicada a Rivière. Mas o que demais tem no comportamento de Rivière para ele ser julgado louco? Por ele não fazer o que todos fazem? Por ele não seguir as regras e nem o padrão da sociedade? Basta agir diferente das demais pessoas para ser considerado louco? Ou isso pode ser apenas uma recusa a aceitar viver sobre o julgo imposto pela sociedade? Vejamos o que pensam Jean Pierre Peter e Jeanne Favret48 Mas a este jogo de etiquetas cada um vem se prender, cada um dos que julgavam possível o impossível que seu assassinato veio acusar: a regra enganadora dos contratos. Sobretudo os que viviam à sua volta, tão prontos a declará-lo louco. Há muitos, dizem, seu silêncio e seu aspecto selvagem assustam; estes rústicos, que médicos e juízes chamavam de bestas, sempre viram nele um ultra-besta: o besta do Rivière; que isto seja ou não efeito de um pecado original sobre este filho de 48
Membros do grupo organizado por Michel Foucault para a elaboração do dossiê que apresentou em detalhes o processo e a vida de Pierre Rivière.
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homem, ele foi proscrito da sociedade, encerrado numa animalidade impossível. Mas como se isso não bastasse, como se duas proscrições fossem sempre preferíveis que uma para um ser desta espécie, chamam-no louco ou idiota. Porque se cala quando está em sociedade e fala quando está sozinho, mas sobretudo porque ri sem parar, com um riso terrível, se lhe perguntam a razão de suas excentricidades. Depois de sua prisão, seus semelhantes falam de seu riso como do insuportável acompanhamento de sintomas mórbidos. Destes, apenas o cura pensa em minimizá-los. Não se pensaria mais nisso não fossem os assassinatos que cometeu, diz ele. Estas crueldades contra crianças e animais, estes arremedos de combate com repolhos e inimigos imaginários, que pequeno camponês não se recorda de ter tido prazer com isto? Mas, porque Pierre Rivière matou, todas as suas brincadeiras passadas passam a ser sinais de loucura. Por seu lado, ele, que se acreditava perseguido pelos efeitos de um ridículo original, nota somente – e quão freqüentemente! – o riso dos outros, a cada vez que ele aparece. Nisto consiste para eles o intolerável: que ele venha redobrar com seu próprio riso a clausura onde o prendia o riso dos outros49.
Com o suicídio de Rivière, 4 anos após sua prisão, Jean Pierre Peter e Jeanne Favret, que auxiliaram na elaboração do dossiê coordenado por Foucault sobre o caso de Rivière, utilizaram o suicídio para demonstrar a plena consciência de Rivière. O suicídio vem precisamente frustrar esses raciocínios paternalistas. Essa morte que Pierre Rivière se dá voluntariamente, quando nada mais a impõe, obriga tarde demais o leitor a atribuir toda a sua importância a um texto que está evidenciado não ser nem de um louco nem de um selvagem. Se bem que escrito em estilo muito grosseiro, por um homem que não domina as regras de ortografia e pontuação, encontra um tom, um ritmo, uma respiração – tranqüilos – para falar da sufocação. Fazendo isto, manifesta sua virtude principal, que é a de pegar no contrapé toda ideologia dominante, por sua obliqüidade, quebra as imagens em que sempre todos tentaram captar Pierre Rivière, e em que ele mesmo às vezes aceitava ser preso. Esse texto, enunciado por um ser que brincava nas margens – mas não se sabe bem se aí se mantinha ou se aí era mantido –, aparece como o mais bem-sucedido dos instrumentos novíssimos que ele gostava de inventar, como um poderoso instrumento para afastar-se finalmente das margens e fazer a cada um, aí incluindo seus juízes, a pergunta principal que sempre se esquiva: Onde fica uma lei que estará além da lei?50
Acreditamos não ser esse o melhor entendimento. A nosso ver, pelo que se pode extrair do dossiê apresentado por Foucault, Rivière tinha algum tipo de transtorno, podendo também ser 49
FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 6 ed, 2000. p. 206. 50 FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal. 6 ed, 2000. p. 208 e 209.
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um amoral e não conseguir discernir corretamente os fatos à sua volta. Embora nem todas as pessoas que resolvam agir de forma oposta à esperada pela sociedade deva ser considerada como sendo acometida por algum transtorno mental, como é o caso dos Hippies e dos monges, por exemplo. A importância maior do caso Rivière foi a de ter aberto uma grande discussão a cerca de qual o destino a ser dado a uma pessoa que cometeu determinado crime sendo acometida de algum transtorno ou deficiência mental. Discussão essa ainda válida para os casos dos psicopatas, para os quais a ciência ainda não encontrou alternativas além de segregá-los seja em manicômios ou na prisão. 4.2 O CASO DE FEBRÔNIO ÍNDIO DO BRASIL Febrônio Índio do Brasil, jovem de 21 anos, foi o paciente número 1 do primeiro manicômio judicial do Brasil, localizado na cidade do Rio de Janeiro em 1927, por ter estrangulado um menor e abandonado seu corpo em um matagal na Ilha do Ribeiro, no Rio de Janeiro. Febrônio tinha diversas passagens pela policial por fraudes, exercício ilegal de medicina, além de lhe ser lhe imputado outros crimes de ordem sexual e assassinatos. O Príncipe da Luz, como se auto intitulava Febrônio, chegou a escrever um evangelho no qual pregava uma doutrina que, segundo afirmava ele, lhe foi revelado em sonho por uma misteriosa mulher a qual lhe ordenou que escrevesse tal evangelho e que tatuasse uma misteriosa sigla em seu peito (D.C.X.V.I), a qual ele traduzia por Deus Vivo ou Imana Viva, sigla essa que o próprio Febrônio chegou a tatuar em algumas de suas vítimas. As Revelações do Príncipe do Fogo, evangelho escrito por Febrônio, foi considerado por importantes nomes da literatura brasileira como Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, como uma obra surrealista muito bem elaborada51. Durante seu julgamento Febrônio, que em um primeiro momento havia confessado seu crime, diz ser inocente e alegou ter confessado por ter sido torturado na 4ª delegacia, onde foi interrogado. Apesar de tal argumento Febrônio foi julgado culpado pela morte do jovem Alamiro José Ribeiro. A defesa de Febrônio foi realizada por Letácio Jansen, um jovem advogado de 20 anos recém formado. A principal tese da defesa foi comprovar a loucura de Febrônio e, portanto, a sua irresponsabilidade perante o crime cometido. A tese da defesa foi amplamente embasada
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Ver mais em: FRY, Peter. - Direito positivo versus direito clássico: a psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho - In FIGUEIRA, Sérvulo A. Cultura da Psicanálise. Brasília: Brasiliense, 1985.
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pela perícia realizada por Heitor Carrillho, o qual acompanhou Febrônio durante seu primeiro ano de internação no manicômio judiciário, do qual era diretor. Heitor Carilho realizou um minucioso laudo onde relatou a vida pregressa de Febrônio desde a sua infância, destacando a sua homossexualidade e demonstrando as suas causas. Neste laudo foram destacadas, também as questões místicas que acompanhavam as idéias de Febrônio. “As idéias mysticas que nelle (o livro) revelam e as próprias tatuagens em que é useiro, são satisfações substitutivas dessas perversões, senão uma tentativa de libertação. Neste particular, vale relembrar o conceito de FREUD, na sua Introduction à la psychanalyse (traducção francesa), que acredita que a própria paranóia „resulta rigorosamente da tentativa de defesa contra impulsões homo-sexuais muito violentas‟ (p. 33). O seu livro é todo uma revelação neste sentido. (...) A figura violenta do pae – o Theodorão – alcoolista impulsivo que espancava a esposa e os filhos, alguns dos quaes fugiram do lar paterno e a figura soffredora de sua mãe, victima das violências maritaes, para a qual o paciente parece ter exaggeradas manifestações affectivas, ficaram gravadas no seu sub-consciente, mais tarde afluindo nas manifestações neuróticas de sua psychodegeneração, pela repulsa ao primeiro e fixação à segunda”. (Carrilho, 1930f, 89, 90)52
Outra, discussão trazida pelo processo de Febrônio, foi a questão legal de se aplicar medida de segurança neste caso tendo em vista que o laudo pericial foi incisivo em determinar que a patologia da qual sofria o acusado não tinha cura. A promotoria, por sua vez, refutou a loucura de Febrônio e discordando, também, de submetê-lo perpetuamente a medida de segurança argumentando que o direito brasileiro não previa tal medida, tendo em vista que, neste caso, a patologia apresentada por Febrônio não teria cura. Mas, apesar de todas essas discussões, Febrônio foi absolvido, devido a sua doença, e submetido a medida de segurança ad vitam e, durante mais de 50 anos, esteve internado no Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro até sua morte em 1984. Esses mais de 50 anos que Febrônio esteve internado não foram suficientes para curá-lo, pelo contrário, ao morrer Febrônio encontrava-se completamente senil, não tendo a medida de segurança cumprido com seu papel, de ser uma medida curativa que proporcione um tratamento adequado para os considerados doentes.
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FRY, Peter. - Direito positivo versus direito clássico: a psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho - In FIGUEIRA, Sérvulo A. Cultura da Psicanálise. Brasília: Brasiliense, 1985. p. 136. Apud Heitor Carrilho.
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4.3 O CASO DE CARLOS EDUARDO COSTA LEITE Carlos Eduardo Costa Leite, na época do fato com 29 anos, portador de esquizofrenia paranóide e transtorno afetivo bipolar, segundo os laudos médicos acostados ao processo judicial, respondeu por dupla tentativa de homicídio pelo fato de no dia 13/03/2009 ter esfaqueado um enfermeiro e um policial militar, quando estes foram até sua residência para tentar levá-lo ao hospital. No caso citado, Carlos apenas se recusava a tomar o medicamento anti-psicótico receitado por sua médica, motivo pelo qual seus pais resolveram chamar uma ambulância particular para levá-lo ao Hospital Pinel. Os enfermeiros ao chegarem em sua residência foram ameaçados, pois, Carlos se recusava a sair de seu quarto, segundo seu próprio depoimento dado em juízo, pois não queria ser internado novamente. Os enfermeiros tentaram invadir seu quarto, momento em que Carlos pegou uma faca, que mantinha em seu quarto sem o conhecimento de seus pais, e esfaqueou um dos enfermeiros. Os pais, sem saber que atitude tomar, resolveram chamar a Polícia Militar, a qual não é preparada para lidar com tal situação, e os policiais militares ao chegarem na residência de Carlos acabaram por entrar a força em seu quarto, o que causou nova reação de Carlos que acabou por esfaquear um dos policiais. Após tal fato os policiais algemaram Carlos e lhe deram voz de prisão tendo-o levado para a delegacia solicitando ao juiz prisão preventiva, seus advogados solicitaram sua transferência para uma clínica particular, o que não foi acolhido, tendo Carlos sido transferido para o IPF ainda antes do oferecimento da denúncia pelo MP. Após a denúncia ter sido aceita pelo magistrado Carlos foi absolvido sumariamente pelo Juíz da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre que o submeteu à medida de segurança devido a seu alto grau periculosidade constatado na perícia judicial realizada 53. Carlos esteve internado por menos seis meses no IPF tendo sido lhe concedida a liberdade pelo juiz da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre após constatar que a periculosidade apresentada por Carlos havia sido amenizada o que possibilitaria a sua desinternação para tratamento ambulatorial. 4.4 O CASO DE ADEMAR DE JESUS SILVA Outro caso a ser analisado é de Ademar de Jesus Silva, de 40 anos que, recentemente, confessou ter assassinado brutalmente 6 jovens entre 13 e 19 anos na cidade de Luziania no estado de Goiás além de ter cumprido pena anteriormente por pedofilia em virtude de ter estuprado dois meninos de 8 e 12 anos. 53
Ver mais: processo 001/2.09.0014890-0 sentença proferida em 06/10/2009.
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Ademar foi condenado há 14 anos de prisão por ter cometido abuso sexual contra menores tendo cumprido menos de 5 anos de pena teve decretada a progressão de seu regime o que culminou com sua soltura em dezembro de 2009. Sete dias após a sua reinserção na sociedade Ademar cometeu o primeiro assassinato seguido de mais 5, em menos de 2 meses, contra 6 jovens, em sua maioria menores de 18 anos com a exceção do último. Em seu depoimento perante a CPI da pedofilia Ademar afirmou que fora vítima de abuso sexual quando criança e alegou, também, ouvir vozes sendo que estas lhe ordenaram que matasse os meninos54. Em outra versão, apresentada a polícia, porém, Ademar alude que foi contratado por uma das vítimas, Márcio de 19 anos o último a ser assassinado, para que matasse as demais em virtude de uma dívida decorrente do tráfico de drogas que tinha com os outros assassinados, alegando ter matado Márcio por este não ter lhe pago o valor que lhe havia prometido55. As contradições apresentadas nos depoimentos prestados por Ademar dificilmente serão esclarecidas, tendo em vista que o referido mandante do crime esta morto bem como Ademar, que se enforcou em menos de 2 semanas após sua prisão na Delegacia do DENARC do estado de Goiás onde se encontrava recluso em cela isolada. Após a morte de Ademar a polícia levantou a hipótese de homicídio, porém, segundo laudos periciais foi constatado que o caso foi de suicídio. Os demais reclusos na delegacia informaram que durante dois dias seguidos viram Ademar rasgar o tecido do colchão e lhe perguntaram por que estava fazendo tal ao que este respondeu que o tecido estava grande demais. Os outros detentos informaram, também, que Ademar nunca havia comentado em suicidar-se e passava os dias relatando aos companheiros de reclusão a forma como havia praticado cada um de seus crimes, sem demonstrar o menor ressentimento ou arrependimento detalhando cada ato cometido. 4.5 LIGAÇÕES ENTRE OS CASOS ABORDADOS O caso de Carlos se assemelha ao de Febrônio, pois, após cometerem crimes foram submetidos a uma violência institucional, justificada como sendo um tratamento, denominada medida de segurança. Os efeitos dessa agressão estatal, no entanto, foram diversos, pois, 54
Ver mais em: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1573232-15605,00.html. Ultimo acesso em 23/04/2010. 55 Ver mais em: http://www.policiacivil.goias.gov.br/search/publicacao.php?publicacao=58923. Ultimo acesso em 23/04/2010.
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Febrônio esteve internado por mais de 50 anos até sua morte em 1984 em estado de completa senilidade, enquanto que Carlos já se encontra no seio de sua família, graças aos esforços de alguns juízes que entendem que a medida de segurança não se trata de uma prisão perpétua e oportunizam aos internados manterem seus laços familiares e sociais de forma que esta convivência possa ser auxiliar no tratamento conforme o entendimento atual da medicina psiquiátrica. O caso de Ademar pode ser comparado ao de Pierre Rivière, podemos notar que passados quase 200 anos entre ambos as conseqüências foram semelhantes. Tanto Rivière quanto Ademar foram considerados anormais até certo ponto mas não o suficiente para serem considerados inimputáveis o que acabou por levá-los para a prisão comum, onde estes foram segregados e acabaram por suicidarem-se sem que o Estado tivesse preservado suas vidas por estarem em sua tutela, demonstrando, com isso, a total incapacidade estatal para se responsabilizar por tais indivíduos. A questão que resta de tais análises é a demonstrada incapacidade estatal para solucionar tais casos. A institucionalização de indivíduos por parte do Estado tem sido suficiente apenas para afastar os indivíduos da sociedade, servindo como resposta social para situações que não estão sendo resolvidas, mas sim, apenas reprimidas. È preciso repensar o instituto da medida de segurança como forma medida curativa, pois, esta pretensão tem se mostrado falha em seu intuito. Por outro lado a segregação de indivíduos considerados acometidos de algum desajuste mental, porém, não o suficiente para serem submetidos a medida de segurança, o que, conseqüentemente, acaba por enviá-los a prisão comum, também, não tem se mostrado uma medida eficaz, pois, tais indivíduos acabam ou por retornar a sociedade e praticar os mesmos atos, ou por suicidarem-se dentro da instituição que deveria regenerá-los. CONCLUSÃO O presente estudo objetivou mostrar, através de revisão bibliográfica sobre o tema e análise de casos concretos, a complexidade que envolve a decretação de alguém como sendo inimputável e, conseqüentemente, a submissão deste indivíduo à medida de segurança com base na periculosidade, tema esse, muitas vezes, apresentado de forma reducionista em sala de aula, quando do estudo das formas de sansão e prevenção do Direito Penal e no estudo Criminológico. Pudemos observar através deste estudo que a periculosidade é um instituto ambíguo, sem uma definição concreta e um tanto quanto incerto, indeterminado, não podendo ser
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utilizado exclusivamente como base para uma decisão judicial que define a liberdade ou a segregação de um indivíduo. A forma como é elaborado o laudo que aufere a periculosidade e os critérios que são utilizados para a sua elaboração são falhos e subjetivos, não se prestando para analisar de forma objetiva o grau de discernimento e compreensão dos atos de determinado indivíduo, além de ser realizado, muitas vezes, após longo tempo do cometimento do delito o que inviabiliza saber com exatidão a capacidade do agente à época do crime. Analisamos também, no decorrer deste trabalho, o conceito de loucura ao longo do tempo, desde a Grécia antiga até os tempos atuais, passando pelas diferentes formas de abordar tal tema em diferentes épocas e podemos chegar á conclusão de que a loucura trata-se de um termo demasiado amplo e incerto, de difícil compreensão dada à complexidade que envolve e ao juízo de valor subjetivo que é empregado ao tentarmos taxar alguém de louco, pois, o louco é aquele que não é normal e o normal vai depender do contexto em que se analisa sendo a normalidade, também, subjetiva de acordo com os padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Estudamos o instituto da medida e segurança onde pode-se observar que embora esta não seja considerara uma medida punitiva, sancionadora, na prática se comporta como tal. E que, talvez a medida de segurança seja uma pena mais dura e mais violenta, pois, os condenados a tal medida não sabem ao certo o tempo que ficarão submetidos a esta segregação. Conforme a norma legal o tempo a ser cumprido em medida de segurança é indeterminado limitado a 30 anos, mas não se sabe se o sujeito poderá ser submetido a uma “pena” tanto de 3 quanto de 30 anos dependendo apenas do entendimento dos médicos e dos juizes. Através do estudo de casos concretos que se passaram em diferentes épocas podemos concluir que passado quase 200 anos continuamos vivenciando as mesmas falhas e que talvez seja preciso repensar o modelo curativo no qual se baseia a medida de segurança por esta não estar cumprindo com sua função, qual seja, a de curar os submetidos a este sistema, que embora não seja considerado pena tem a mesma função desta, a de privar de liberdade um indivíduo que cometeu determinado crime. Verificamos, também, que atualmente existe outro entendimento quanto a forma de tratamento que deve ser aplicada aos acometidos por transtornos mentais o qual é incompatível com a medida de segurança em sua forma de internação em manicômios
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judiciais, o que leva a se pensar em novas formas que devem ser encontradas para solucionar tal situação. Loucura é um termo amplo e indefinido, periculosidade é um termo que tenta justificar e quantificar o grau da “loucura” que determinado indivíduo possui ao cometer ato ilícito. Portanto periculosidade e loucura são construções subjetivas, mas aceitas e justificadas no ordenamento jurídico que tem conseqüências nefastas na vida daqueles enquadrados nesses termos os quais perdem a liberdade e a dignidade de pessoa humana. REFERÊNCIAS Acórdão 70030352546 da 2ª Câmara Criminal de Porto alegre, julgado em 13/08/2009. ANTUNES. Maria João, Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em Razão de Anomalia Psíquica. Coimbra: Coimbra, 2002. BASAGLIA, Franco. A instituição Negada. Rio de Janeiro: Graal, 3 ed, 2001. CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2 ed, 1954. ÈSQUILO. Oréstia: agamêmmon, coéforas, eumênides. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. EURÍPIDES. As bacantes. Lisboa: 70, 1992. EURÍPIDES. Hipólito. Lisboa: Colibri, 2 ed, 1996. EURÍPIDES. Medéia. São Paulo: Abril, 1982. FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 6 ed, 2000. FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 7 ed, 2004. FRY, Peter. - Direito positivo versus direito clássico: a psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho - In FIGUEIRA, Sérvulo A. Cultura da Psicanálise. Brasília: Brasiliense, 1985. GAUER, Gabriel Chittó (coord.). A Fenomenologia da Violência. Curitiba: Juruá, 6 ed, 2007. GAUER, Gabriel Chittó (coord.). Agressividade - Uma Leitura Biopsicosocial. Curitiba: Juruá, 2001. GOFFMAN, Irving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. GUIMARÃES, Bernardo. O seminarista. São Paulo : Ática, 18. ed, 1991. http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1573232-15605,00.html. Ultimo acesso em 23/04/2010.
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