baseada no livro Mitologias de Roland Barthes (2009), pensa-se que é ... nos
materiais publicitários em questão, por uma construção mitológica que se ...
Marilyn Monroe em publicidades audiovisuais: abordagem mitológica 1 Caroline Welter Vargas2 Prof. Dr. Gabriel Sausen Feil3 Universidade Federal do Pampa RESUMO O presente artigo tem por objetivo (1) buscar argumentos, a partir da análise de vídeos publicitários, que tornem consistente a afirmação de que Marilyn Monroe é tomada, nesses vídeos publicitários, como um “sistema mitológico”. A partir de uma abordagem mitológica, baseada no livro Mitologias de Roland Barthes (2009), pensa-se que é possível argumentar favoravelmente a respeito do assunto; (2) mostrar que esse sistema é constituído, em especial nos materiais publicitários em questão, por uma construção mitológica que se conserva, mesmo após a morte da atriz. Essa abordagem é feita baseada em análises de duas categorias de anúncios publicitários audiovisuais: a primeira, constituída por vídeos da década de cinquenta, contam com a presença da verdadeira Marilyn Monroe; a segunda, constituída por vídeos produzidos após a morte da atriz, contam, portanto, com sósias desta. Uma vez mostrado que Marilyn Monroe é composta por elementos mitológicos, fica a suspeita de que o uso desses elementos, pela publicidade, compreende uma forma de comunicação; e também que, mesmo após a morte da atriz, essa forma segue produzindo efeitos de sentido. PALAVRAS-CHAVE: Sistema mitológico. Marilyn Monroe. Publicidade audiovisual. Roland Barthes. Considerações Iniciais A publicidade audiovisual apresenta uma série de elementos cada vez mais interessantes, visto a grandeza do impacto que produz. Traz em sua composição, além de inúmeros recursos, uma série de particularidades acerca de suas técnicas, na qual a persuasão ocupa um espaço maior do que em outros meios: numa mescla de cor, som, movimento, ação e luz, a publicidade audiovisual pode ser considerada a mais rica de todas as estratégias de comunicação, pois nenhuma outra conta com tantas possibilidades sensitivas. É comum a 1
Este artigo leva o mesmo título da pesquisa apresentada na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II (TCC II), em dezembro de 2010, no curso de Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda – da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). 2 Graduada em Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda – na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail:
[email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
[email protected] 1
utilização de pessoas famosas para dar testemunhos a respeito do produto ou serviço que se quer vender, o que acaba trazendo maior credibilidade do que se o testemunho fosse de uma pessoa ordinária. Figuras de mulheres bonitas constantemente são alvos do mercado publicitário, para engrandecer o valor dos produtos e serviços, pois uma imagem que agrada aos olhos do telespectador é imprescindível para que o sucesso seja alcançado. É por isso que, diariamente, deparamo-nos com atrizes, modelos, cantoras, nas mais variadas publicidades. Uma imagem muito utilizada nas propagandas audiovisuais, da década de cinquenta até hoje, é a da atriz de cinema Marilyn Monroe, que, na mesma década, foi ícone de beleza e sedução, e que continua sendo muito querida nos dias atuais. Seus filmes esbanjavam sensualidade e agradavam ao público. Logo após a sua estréia, nas telas do cinema, a atriz já passava a estrelar também em publicidades de diversos tipos de produtos, transformando-se, cada vez mais, numa figura carismática. Conceituada, Marilyn Monroe morreu no ano de 1962, e, mesmo assim, sua imagem continuou sendo muito utilizada através de sósias, sobretudo em publicidades, a qual passou a dar ênfase sempre nos seus detalhes e características mais fortes. Isso nos leva a suspeitar de que, o crucial, não está na pessoa da Marilyn em si, e sim nas características que a compõem; por isso, mesmo após a sua morte, a sua imagem continua produzindo efeitos de sentido, a partir de uma construção que, segundo iremos argumentar, é mitológica. Diante disso, o presente artigo tem por objetivo buscar argumentos, a partir da análise de vídeos publicitários, que tornem consistente a afirmação de que Marilyn Monroe é tomada, nesses vídeos publicitários, como um “sistema mitológico”, ao modo de Roland Barthes (2009); além disso, mostrar que esse mito é constituído, em especial nos materiais publicitários em questão, por uma construção mitológica que se conserva mesmo após a morte da atriz. Diante dessas duas propostas, deparamo-nos, de imediato, com dois problemas: 1) embora o mito o seja (ao menos em termos de efeito), o processo mitológico jamais é da ordem do claro, do óbvio; nesse sentido, torna-se necessário travar um empreendimento de desmistificação, o qual, em Barthes, trata-se justamente de mostrar a construção semiótica do mito em questão. Não se trata de um paradoxo: a desmistificação, em Barthes, passa pela expressão do processo mistificador; 2) um mito, nos termos barthesianos, nunca é da ordem da pessoalidade; ou seja, um mito não, simplesmente, é uma pessoa. Isso se torna importante,
2
neste trabalho, na medida em que é preciso mostrar que, mesmo sem os aspectos pessoais (mortais), ainda assim Marilyn Monroe segue produzindo efeitos mitológicos. Em termos formais, as hipóteses deste artigo podem ser expressas da seguinte maneira: 1) Marilyn Monroe, nas publicidades audiovisuais aqui selecionadas, é uma forma de comunicação, forma essa denominada “mitológica”; o empreendimento de desmistificação acaba por exibir essa construção. 2) A imagem de Marilyn produz efeito, mesmo após a sua morte, exatamente porque o que produz esse efeito, de fato, são os elementos mitológicos, e não a pessoa dela em si; e os elementos mitológicos se constituem nos detalhes. A morte, como poderia se pensar, não é, portanto, condição da mitificação, já que mesmo quando a atriz ainda estava viva, eram os detalhes que carregavam o aspecto mitológico. 3) O fato das suas principais características serem fortalecidas após a sua morte, mostra que Marilyn Monroe é usada, nesse contexto, mais como forma do que como pessoa. Para alicerçar o desenvolvimento deste trabalho, trouxemos como justificativa o fato de que o objeto em questão, Marilyn Monroe, jamais foi abordado a partir de uma discussão mitológica nos termos barthesianos. Podemos dizer também, que a semiótica barthesiana se torna importante para a formação de um publicitário, na medida em que tende para a exploração dos sentidos produzidos: a partir do momento em que conseguirmos mostrar que o uso de elementos constitutivos de celebridades é, de fato, possibilitado por um processo mitológico, a própria atividade publicitária pode se apropriar desse procedimento de maneira mais consciente. Tal argumento vale também quando ocupamos o lugar de telespectador; esse lugar que experimentamos mesmo sendo acadêmicos e profissionais da publicidade. Entender o processo mitológico nos permite conceber os sentidos apropriados (não apenas por vts, mas também pela própria realidade cotidiana), como sendo resultados de invenções e não de concepções prontas e necessárias. Se o sentido é inventado, é porque ele poderia ter sido diferente; o sentido perde a sua carga de obviedade, de necessidade e de essencialidade.
Marilyn Monroe nas publicidades Marilyn Monroe foi uma atriz de cinema muito conceituada da década de 50. Começou a sua carreira como modelo, e logo entrou para a escola de teatro, passando depois a estrelar no cinema americano. Nascida em Los Angeles, no dia 1º de junho de 1926, foi batizada pelo nome de Norma Jean Baker. Começou participando de pequenos filmes, mas o 3
seu lado comediante e a sua sensualidade levaram-na a conquistar papéis em filmes de grande sucesso. Querida por todos, chegou a ser considerada como o principal símbolo sexual dos anos 50, e, em 1962, foi considerada personalidade feminina favorita de todo o cinema mundial. Famosa pelo mundo inteiro, Marilyn Monroe estrelava também em comerciais de empresas renomadas, tais como a “Coca-Cola”. Morreu no dia 05 de agosto de 1962 (mesmo ano em que foi reconhecida como grande símbolo sexual dos anos 50); acredita-se que a sua morte foi decorrente de overdose. A imagem de Marilyn em publicidades trazia sempre em evidência a sua beleza, destacando os seus traços marcantes, tais como os lábios sempre pintados com batom vermelho, seu olhar insinuante e sedutor e seu pequeno sinal do lado esquerdo do rosto. Essas características favoreciam, sem dúvida, o uso da imagem da atriz em publicidades. Marilyn usava roupas decotadas e que deixavam as suas pernas à mostra. Não se preocupava com críticas e pudores, pois possuía um estilo próprio, o qual, não ocasionalmente, era imitado, embora nenhuma das demais atrizes da época conseguisse provocar o mesmo efeito. Após a sua morte, surgiram inúmeras “cópias” de Marilyn Monroe; podemos vê-las até hoje. Essas cópias têm em comum o fato de sempre recorrerem aos mesmos traços marcantes, já mencionados, que nos sugerem que possam ser elementos da ordem mitológica. Encontramos diversos comerciais que se utilizam de trechos de filmes e aparições de Marilyn, assim como deparamo-nos com outros em que temos presente somente a sua representação. O que destacamos aqui é que, por mais que esses comerciais não contam com a presença da verdadeira atriz, eles sempre trazem as mesmas feições e movimentos que foram protagonizados por ela. Isto sugere que o fundamental da presença da atriz, em comerciais, não é a pessoa da Marilyn em si, mas é o efeito mitológico produzido por tal aparição, presença que pode ser simulada pela aparição de simples traços constitutivos da atriz. Se tratando de publicidade, pode-se dizer que a mulher vem ocupando espaços que antes sequer fora cogitado. Podemos dizer que uma das características mais marcantes na presença de uma mulher nas publicidades é sempre o seu estereótipo; e o que entra em questão é, quase sempre, a sua beleza, que aparece associada ao consumo, à utilização do produto ou serviço, o que agrega grande valor a este, principalmente quando essa mulher é uma celebridade.
4
A exploração da imagem de Marilyn Monroe é, sem dúvida, um exemplo dessa estratégia recém mencionada. Apesar de Barzotto e Ghilardi (2002, p. 122) afirmarem que “de Marilyn Monroe a Gisele Bündchen, significativas transformações ocorreram”, o caso é que as peculiaridades de Marilyn são tão marcantes que ainda hoje são muito destacadas no mundo publicitário, seja com recortes de trechos de seus filmes e apresentações, seja com outras atrizes interpretando-a. Diante disto, pensamos que é possível afirmar que Marilyn Monroe é uma constante nas publicidades não em função de seus aspectos propriamente pessoais, visto que a sua conotação é explorada mesmo em sua ausência. Estando a verdadeira Marilyn Monroe presente ou estando apenas uma sósia ou, ainda, estando presentes apenas alguns traços relativos à atriz, os elementos ressaltados são sempre os mesmos. Apropriamonos desses elementos, durante este trabalho, como sendo da ordem mitológica.
O mito Diante dos mais variados conceitos e noções formados acerca do mito, deparamo-nos com o conceito de Roland Barthes (2006), que escolhemos para embasar a nossa análise. Barthes diz que o mito é uma fala, formada por um sistema semiológico segundo, que deriva de um primeiro que, por sua vez, é expresso, pelo próprio autor, nos termos de Saussure. Segundo esse sistema primeiro, um signo é formado por um significante e um significado; o significante sendo a imagem acústica e o significado o conceito (psíquico); os dois juntos formando o signo. Num sistema semiológico segundo, o signo se transforma novamente em significante, no sentido de que ele volta a promover a necessidade de se criar um novo conceito; ele torna a solicitar um novo significado. Essa nova união faz emergir um signo de segunda ordem, o qual é expresso, barthesianamente, pela palavra “mito”. O mito, então, diz respeito a uma construção sígnica que transcende a construção linguística; isto significa que o sistema mitológico implica, no mínimo, a passagem por dois sistemas semiológicos.
A intelecção do signo pode depender de certos níveis de cultura. Não apenas a cultura de um público autoriza o refinamento da mensagem, como também o signo segue a evolução dos públicos: alguns signos saem de moda, nascem outros, absorvidos com avidez pelos públicos jovens, cuja idade cria uma espécie de cultura particular (BARTHES, 2005, p. 36).
5
Assim, o signo pode apresentar diferentes significados quando tratamos de públicos com idades diferentes. Como exemplo, podemos dizer que o público da década de 50, que acompanhou o sucesso de Marilyn Monroe de perto, traz um conceito dela que talvez seja diferente do conceito que nós podemos mostrar. Talvez tenhamos até certas significações parecidas, mas o conceito em si pode variar bastante, e em diversos sentidos. Isto acontece também quando a analisamos baseada em algumas teorias, o que também pode acontecer, visto que a significação é um elemento pertinente a diversas áreas.
Ora, a mensagem, ou o signo, é uma realidade analítica que preocupa cada vez mais a pesquisa moderna; por motivos bem diferentes, disciplinas diversas se interessaram por ela: cibernética, logística, psicanálise, linguística e etnologia estruturais, todas essas ciências tendem sem dúvida a fundir-se numa ciência geral das comunicações, cuja nova unidade seria a significação (BARTHES, 2005, p. 34).
A significação não vem somente como a união de significante e significado, ela vem como o processo que designa o signo, que se apresenta com clareza para melhor absorção do espectador, para que este a identifique de imediato, de acordo com as suas vivências e conhecimentos. A invenção dos signos é feita dentro de limites precisos, que o autor não pode transgredir, para não correr o risco de ser ininteligível. (O mito, aliás, é uma garantia de inteligibilidade, garantia essa fundamental para a publicidade). O mito é composto pelo sentido e pela forma, e estes não existem individualmente e não se anulam, pois a forma possui uma espécie de dependência do sentido. Ela conserva o sentido para se ocupar de sua história, para manter-se viva. Por outro lado, se a forma se alimenta do sentido, o sentido também necessita da forma para ser expresso; e mesmo que a função da forma seja a de afastar (esvaziar) o sentido, na ausência de criações de sentidos inéditos, a forma sempre tem como reserva histórica a garantia de um sentido já relacionado a ela, de onde pode fazer consultas e se manter viva.
É necessário que a cada momento a forma possa reencontrar raízes no sentido e aí se alimentar; e, sobretudo, é necessário que ela possa se esconder nele. É esse interessante jogo de esconde-esconde entre sentido e forma que define o mito (BARTHES, 2006, p. 209).
6
Uma vez alimentada a forma (e o seu alimento é o sentido), temos o conceito. O conceito é o que traz, explicitamente, a descrição do mito; carrega as suas características marcantes, dá visibilidade à forma; o sentido não é eliminado, porém, é deformado. É no conceito que está contido a característica imprescindível do mito, característica que justifica, por exemplo, o interesse da publicidade: trata-se do valor mitológico. Surgido de um conceito histórico, o mito, para causar o efeito mitológico, precisa se desprender de sua intenção, de seu processo semiológico anterior. É nesse desprendimento que algo que era da ordem da construção sígnica passa a ser concebido como natural, óbvio, ordinário: esse é o princípio do mito. O mito fala das coisas purificando-as, inocentando-as, sempre fundamentadas em natureza e eternidade, e sendo assim ele se torna em algo desumanizado. Ele evacua o real, enche-se de história e naturaliza-a, para que esta conceda eternidade à vida mítica. O mito nada nega, nada esconde, nada ostenta, tudo atinge, tudo corrompe. Não é mentira, não é confissão: é uma inflexão. Traz a tona o seu conceito, as suas significações baseadas na história do seu sentido, caracterizado pela sua forma. Ele inclina-se para onde acha necessário, conta a sua história como algo grandioso, que o destaque, que o vanglorie; e jamais se importa com a sua morte, pois se trata de um momento que, para ele, nunca chegará. Cada vez que sentir o seu conceito ameaçado, pode recorrer à sua reserva histórica e encherse de novas atribuições, de novas qualidades, motivadas pela sua forma flexível.
A ciência dos signos A ciência dos signos, também chamada semiologia, explica como se dá o processo de formação de um objeto, de uma coisa. Ela diz que Língua e Fala estão constantemente relacionadas nesse processo de construção, visto que a Língua é o objeto da Fala; é através da Língua que a Fala se faz ouvir. Esse sistema semiológico inicia-se, então, pela linguística, onde, através dela, conseguimos entender melhor esse processo. Sendo assim, é impossível falarmos em linguística sem falarmos em Fala. A Fala só toma forma pela Língua. Língua e Fala, então, são instrumentos da linguística, que só funcionam juntas. Segundo Barthes: Língua e Fala estão, portanto, numa relação de compreensão recíproca; de um lado, a Língua é „o tesouro depositado pela prática da Fala nos indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade‟, e, por ser uma soma coletiva de marcas 7
individuais, ela só pode ser incompleta no nível de cada indivíduo isolado; a Língua existe perfeitamente apenas na „massa falante‟ (BARTHES, 2006, p. 19) [grifo do autor].
É através da Língua e da Fala, que conhecemos as diferentes significações das coisas. É a linguagem que se manifesta através delas que nos leva ao conhecimento maior, que torna as imagens em coisas tangíveis. Conforme Louis Hjelmslev (2006) (autor usado por Barthes na construção de seu sistema), a linguagem, a fala humana, é uma fonte inesgotável de múltiplos valores; é através dela que o homem modela seus pensamentos, sentimentos, emoções, esforços, vontades e atos. É, então, a nossa herança mais preciosa, pois é ela que traz em si a personalidade da nossa cultura, da nossa terra natal e da nação, sendo indispensável na vida do homem, e acaba sendo o meio pelo qual tomamos conhecimento das coisas. A linguagem vem a ser a ponte para o entendimento do sistema de signos. Um signo só pode ser descrito se compreendermos a Fala, que é expressa pela Língua, ou seja, não basta conhecer a sua imagem acústica, precisamos descobrir qual é a sua significação, e esta será expressa pela Língua e pela Fala, onde a linguagem nos auxiliará para que possamos descrever esse signo de maneira inteligível, compreensível, de uma maneira que seja de fácil reconhecimento quando relacionada ao seu objeto. Temos, então, que saber descrever determinado objeto, mesmo que ainda não tenhamos tido nenhum contato com este; devemos saber reconhecê-lo através da nossa cultura de linguagem, para que assim possamos reconhecer os signos e, diante deles, já remetermos à sua significação. O signo expressa a sua significação pela união do significante e do significado. Barthes (2006) diz que o significante constitui o plano de expressão, e o significado constitui o plano de conteúdo, ou seja, o significante sendo o objeto tal qual como é expresso, e o significado como sendo o seu conceito lingüístico. A chamada ciência dos signos traz, então, em sua combinação, um significante, que é o objeto em si, aquilo que vemos ou imaginamos, e um significado, que o conceitua linguisticamente. Os dois juntos formam uma significação, que é o próprio signo (eis aí a formação de um sistema semiológico primeiro). Para chegar ao sistema mitológico, é preciso ocupar esse último elemento do sistema primeiro, o signo, como matéria para o primeiro termo do segundo sistema; ou seja, é preciso transformar o signo num 8
novo significante, o qual, de imediato, solicita um novo significado e, por consequência, faz emergir um signo segundo: o mito. O mito, como já vimos, é o segundo sistema semiológico, o que se apropria do primeiro para que, assim, possa dar origem a um novo processo. Sendo formado pelo signo do sistema primeiro, o qual ele toma posse, e por um novo significado que emerge, ele traz os seus componentes como sendo o sentido e a forma, que se incorporam e formam o mito. Sendo este um segundo sistema, composto por três elementos, para que, por fim, chegue-se ao mito, é preciso travar um processo de desmistificação para que se possa mostrar tal existência, para que se possa melhor entender como esse processo funciona, quais os motivos que o levaram a mitificação, bem como os elementos que o constituem. Uma vez entendido esse processo, torna-se possível entender como ele atua dentro de publicidades.
Procedimentos metodológicos A estratégia metodológica deste trabalho começa com o estudo da referência bibliográfica, sobretudo dos livros Mitologias (2009) e Elementos de semiologia (2006), ambos de Barthes. Esse estudo é a base para a discussão conceitual, a qual envolve a noção barthesiana de mito, bem como a sua relação com o efeito provocado pela aparição de elementos constitutivos de Marilyn Monroe. A estratégia segue com a análise descritiva de duas categorias de comerciais envolvendo a atriz em questão: a primeira categoria diz respeito a comerciais protagonizados por Marilyn Monroe (a “verdadeira atriz”); a segunda envolve vídeos protagonizados por sósias da atriz ou, ainda, por traços ligados a ela. A seleção dos vídeos tem o seguinte critério de escolha: a incidência e a intensidade de elementos mitológicos. Ou seja, os vídeos selecionados são aqueles que apresentam elevado grau de incidência mitológica. (Isso significa que a questão conceitual age não apenas na problematização do objeto, mas também na própria metodologia). Após a seleção, é feita a decupagem dos comerciais, para que se torne possível a identificação de semelhanças envolvendo as duas categorias. Detalhamentos: são escolhidos seis anúncios audiovisuais que utilizam a imagem de Marilyn Monroe em suas composições. Três destes fazem parte da primeira categoria (trata-se de vídeos produzidos numa mesma época: todos são da década de cinquenta); três fazem parte da segunda categoria (são vídeos mais recentes, produzidos após a morte da atriz). 9
As análises são feitas, primeiramente, de maneira individual, evidenciando os elementos mitológicos percebidos em cada uma das publicidades. Posteriormente, é feita uma análise geral para que se possa estabelecer um paralelo de comparação entre as publicidades que contam com a presença da verdadeira Marilyn Monroe e com as que têm apenas as sósias da atriz.
Análise mitológica Entender o processo desmistificador e como ele funciona dentro das publicidades em que temos a presença de Marilyn Monroe é, aqui, a nossa tarefa principal. Porém, especificaremos também detalhes dos comerciais, bem como as suas possíveis significações e curiosidades que o comercial apresenta, considerando que cada detalhe percebido pode nos fornecer pormenores que contribuem no entendimento do processo de desmistificação, onde podem existir os mais variados signos e elementos de ordem mitológica. Não podemos esquecer que o mito reinventa-se, que ele é uma forma que pode ser preenchida por diversos sentidos. Ele esvazia a sua forma, enche-se de história naturalizando-a, para que isso lhe conceda a eternidade. E é exatamente por isto que não, necessariamente, teremos sempre a mesma conclusão a respeito das análises, porque uma mesma forma, que neste caso aqui é Marilyn Monroe, pode apresentar os mais variados sentidos e os mais diversos funcionamentos. Do refrigerante ao lubrificante de carros, do chocolate ao perfume, Marilyn Monroe possibilitou diferentes construções de apelo publicitário. Sendo o mito composto pelo sentido e pela forma, podemos dizer que a nossa forma nos mostrou os mais variados sentidos e, confirmando aquilo que Barthes dizia a respeito, afirmando que esta era flexível, que se encaixava em qualquer sentido que se achasse necessário e com isto teria em troca a eternidade. Além disso, podemos perceber que, apesar de nem sempre os comerciais serem protagonizados pela “verdadeira Marilyn Monroe”, sentidos eram produzidos a partir dos mesmos elementos. Dentre aqueles elementos que viemos chamando de “mitológicos”, o elemento sensualidade aparece nos seis comerciais analisados. Mesmo quando Marilyn deve passar um ar mais leve, mais inocente, ainda assim, acaba por expressar um ar sensual. No comercial dos lubrificantes “Tryton”, por exemplo, ela não usa roupas muito decotadas, nem uma 10
maquiagem tão forte, porém, a maneira como ela fala aos homens, como ela interage com eles, faz do momento um momento sensual. Indiscutivelmente, no primeiro comercial da “Coca Cola”, só o fato de ela aparecer em trajes de banho já sugere sensualidade; de qualquer maneira, o diálogo provocativo que ela estabelece com o ator deixa claro qualquer intenção. Tratando-se das publicidades das sósias de Marilyn, há também um grande destaque para a sensualidade. Na publicidade do chocolate “Hersheys”, a sensualidade é evidente do início ao fim, desde os movimentos que a atriz desempenha até a forma como ela morde e mastiga o chocolate. Nos anúncios da “Coca Cola” de 2004 e da “Caixa Econômica Federal”, a sensualidade se apresenta através da cena do vento por baixo da saia do vestido, a famosa cena do metrô desempenhada no filme O pecado mora ao lado. Mesmo que a cena dos comerciais não conseguisse por si só expressar tamanha sensualidade, o fato de o mote estar relacionado à cena do filme acaba por dar conta disso. Outra característica que aparece em todos os comerciais analisados é o requinte, a sofisticação. A sua expressão, a maquiagem, a voz, os movimentos, são características que acabam por dar aos comerciais um ar de sofisticação (talvez a exceção seja o anúncio da “Caixa Econômica Federal”; entretanto, tal ausência se justifica pela preocupação em relacionar a “requintada Marilyn” à vida interiorana de boa parcela da população brasileira). Com relação aos comerciais da primeira categoria, onde temos presente a “verdadeira Marilyn Monroe” (todos produzidos na década de cinquenta), podemos perceber que não é dada, explicitamente, ênfase aos elementos aqui chamados de mitológicos, porém, pelo fato de serem inconfundíveis, acabam se impondo e sendo facilmente percebíveis. Exceção feita ao comercial do perfume “Chanel”, o qual usa closes justamente nos elementos; porém, ainda assim, pensamos que o destaque não tenha sido proposital no sentido de apropriação de um sistema semiológico primeiro, mas sim no sentido de exploração das características que evidenciavam a beleza singular da atriz. Os comerciais da segunda categoria, os quais têm presente as sósias da atriz (todos produzidos após a morte de Marilyn Monroe), acabam por consagrar Marilyn como forma mitológica. A ênfase nos elementos mitológicos é constante, eles são destacados explicitamente. O que acontece é que sem a “verdadeira Marilyn Monroe”, é preciso evidenciar os seus traços, os seus movimentos e as suas características para que a sósia não passe de uma hospedeira; ou seja, para que a sósia não faça mais do que exprimir os 11
elementos eternizados por Marilyn. É o que acontece no comercial do chocolate “Hersheys”, onde a sósia traz todos os traços da atriz, desde o cabelo, boca com batom vermelho, sobrancelhas, olhos, maquiagem, tipo físico, até o vestido branco tão usado por Marilyn. Nos casos dos comerciais da “Coca Cola” de 2004 e da “Caixa Econômica Federal” de 2009, a questão é mais sutil: selecionam alguns elementos em especiais, alguns pormenores que acabam insinuando-se; por vezes, a partir de certo mistério, a partir de uma suspensão, principalmente o da “Caixa”, onde a atriz traz pouquíssimas das características mencionadas. No caso específico do comercial da “Coca Cola”, a sósia, apesar de vir vestida exatamente como a “verdadeira” na cena do filme, é morena. Esses elementos todos não passam de detalhes, de pormenores, de traços; porém, que, publicitariamente, funcionam. E se funcionaram e seguem funcionando, é porque não se tratam de características pessoais da atriz, e sim de elementos de ordem mitológica: signos potentes em matéria de esvaziamento de significados, sem deixar de conservar as suas cargas históricas. Devido aos diversos elementos mitológicos percebidos nos comerciais em questão, a estratégia Marilyn Monroe consegue transmitir sentimentos e sensações de diversas maneiras. No comercial da “Coca Cola” de 1951, por exemplo, ela consegue trazer os extremos, transmitindo sensualidade juntamente com doçura, tornando um local que parece conturbado em uma sensação totalmente agradável. Já no comercial do lubrificante ela vem para quebrar paradigmas: desempenha atividades masculinas, transforma hierarquias sociais e/ou sexistas. No anúncio do perfume “Chanel”, traz a transformação como sendo algo comum, normal, como se tal transformação acontecesse em qualquer hora, em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Na segunda categoria, o comercial da “Hersheys” traz Marilyn Monroe vestida e composta com os elementos “originais”, da cabeça aos pés. Ela desempenha os mesmos movimentos, veste a mesma roupa da “verdadeira Marilyn”. Já no comercial da “Coca Cola” de 2004, a cantora se mostra totalmente ao contrário da atriz do comercial de chocolates: não traz nenhuma característica de Marilyn que possa ser notada de imediato, com exceção do vestido. Porém, se começarmos analisar, podemos encontrar naquele novo estereótipo de Marilyn Monroe, morena, com menos maquiagem, muitas características da “verdadeira”, o que se torna extremamente interessante, visto o impacto que ela nos causa na primeira aparição. Por fim, o comercial da “Caixa Econômica Federal” apresenta uma produção 12
recheada de humor e alusões, onde de início também não compararíamos a atriz à Marilyn Monroe, porém, após o seu desempenho diante da cena do vento no vestido, nos convencemos da relação. Toda essa diversidade mostra o quanto “Marilyn Monroe, ao modo de um mito, esvazia-se e se renova conforme a sua necessidade. Por tudo isto, entendemos porque publicidades, ainda hoje, utilizam-se muito de Marilyn Monroe. Enquanto nos dedicamos ao presente trabalho, novos comerciais exploram essa forma. A grande questão não está apenas no uso da atriz para agregar valor ao produto, mas está no fato de alguns de seus traços falarem por si só, até mais do que a pessoa Marilyn poderia falar. Em função disto, a utilização de Marilyn em publicidades se intensificou após a sua morte. E em termos práticos, a força dos elementos, e as suas independências em relação à “verdadeira atriz”, facilitaram a tarefa de vídeos publicitários. Se tal uso é eterno ou não, evidentemente que não sabemos. Porém, a julgar pelo o que levantamos até aqui, o modo como Marilyn Monroe vem funcionando em propagandas audiovisuais, coincide com as descrições barthesianas de mito: o mito é eterno, porque ele esvazia a sua forma e a preenche com seus elementos conforme necessita, nunca deixando de causar sensações semelhantes. A publicidade analisada se apropria de Marilyn, esvazia-a e a preenche com os atributos que lhe convêm.
Considerações finais É possível que a presente pesquisa mais tenha levantado questões do que, propriamente, tê-las respondido. Ainda assim, pensamos ser possível afirmar que Marilyn Monroe é tomada, por publicidades audiovisuais, a partir de elementos mitológicos que se instalam em sua forma. Sendo assim, Marilyn pode ser percebida como um mito ao modo de Roland Barthes, pois possui uma forma flexível, a qual se adapta aos mais variados sentidos, os quais a possibilitam uma vida eterna, tendo como consequência a naturalização de sentidos: algo inventado sendo concebido como algo natural e, por vezes, óbvio. Marilyn Monroe aparece, nos vídeos analisados, das mais variadas maneiras. Por vezes ela é signo, por outras é resultado, por outras ainda é sentido. Ela aparece, portanto, em diferentes posições dentro do sistema mitológico. Tal constatação nos leva a ideia de que o mito não se resume a ultima função, mas diz respeito ao processo como um todo. No caso da 13
publicidade, podemos dizer que o mito tange uma estratégia comunicacional; um modo de construção sistemática de sentidos. Importante enfatizar que, apesar de a construção mitológica aparecer tanto na primeira (comerciais que contam com a “verdadeira Marilyn”), quanto na segunda categoria (que contam com sósias) de anúncios, há algumas diferenças importantes. Na segunda categoria, os elementos de ordem mitológica são mais fortemente enfatizados, o que nos leva a considerar que houve um fortalecimento do “sistema Marilyn Monroe” após a morte da atriz, no sentido que os elementos se tornaram mais potentes em detrimento dos aspectos pessoais. Isto é importante para o sistema mitológico, na medida em que ele adquire força, na “lógica barthesiana”, justamente quando transcende esses aspectos. Os vídeos que contam com a presença da “verdadeira Marilyn Monroe”, os da primeira categoria, também exibem os elementos mitológicos, porém, não são tão salientados. Nesse caso, devemos levar em conta dois pontos importantes: 1) os comerciais publicitários mais antigos eram produzidos de outra maneira, as técnicas eram diferentes das utilizadas hoje; 2) não era preciso fazer com que as pessoas reconhecessem a atriz no comercial, porque sabiam que se tratava da própria, e não era preciso convencê-las disto. Os elementos mitológicos, constitutivos do mito “Marilyn”, explorados nas publicidades audiovisuais analisadas são: a sensualidade, charme, beleza, ousadia e sedução; a leveza, doçura, meiguice, inocência, suavidade, serenidade e a sutileza; a voz suave e ao mesmo tempo sexy, o sorriso com o qual ela expressa os mais variados sentimentos; a independência feminina, a modernidade; o espanto, o prestígio e adoração que são demonstrados a ela por sempre ser lembrada como uma estrela, uma celebridade; o despertar de paixões, de tentações, de desejos e mistérios; o requinte, luxo e valor que ela agrega dentro das publicidades; as suas roupas decotadas que valorizam as curvas do corpo, o cabelo loiro levemente ondulado de corte chanel, a pele branca à mostra, os lábios sempre com batom vermelho, os olhos e sobrancelhas delineadas, o sinal do lado esquerdo do rosto, o famoso vestido branco muito usado por ela; e por fim, os movimentos desempenhados com o corpo, o olhar, com o sorriso, os mesmos desempenhados nos filmes. Em publicidades, então, Marilyn Monroe é uma forma, uma estratégia. E isto é fortemente percebido no momento em que analisamos os comerciais da segunda categoria, sendo estes os produzidos após a morte da atriz, contando somente com a presença de suas 14
sósias, onde se percebe uma mudança na imagem acústica, mas o resultado captado segue sendo o mesmo, as sensações percebidas seguem sendo as mesmas. Isto acontece não somente pelo fato de os elementos mitológicos serem os mesmos, mas sim porque a forma é a mesma. Uma forma flexível é verdade, capaz de dar o corpo que o anunciante deseja, justificando, assim, o interesse da publicidade.
REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. Inéditos, vol. 3: imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ______. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2006. ______. Mitologias. Rio de Janeiro: Difel, 2006. BARZOTTO, Valdir Heitor; GHILARDI, Maria Inês. Nas telas da mídia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2002. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2006. MARILYN MONROE.COM. Disponível em: Acesso em Junho e Julho de 2010. WIKIPÉDIA, A ENCICLOPÉDIA LIVRE. Disponível Acesso em Junho de 2010.
em:
YOU TUBE. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=a4GBbd1yRyY> Acesso em Junho de 2010. ______. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=anw0kKcJQp0> Acesso em Junho de 2010. ______. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=HQiSNuZb4m0> Acesso em Junho de 2010. ______. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=UQO-bryFAtI> Acesso em Junho de 2010. ______. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=bOhCESpZYdA> Acesso em Junho de 2010. ______. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=S2XQquQG1Wk> Acesso em Junho de 2010.
15