ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Adequação da demanda de crianças e adolescentes atendidos na Unidade de Emergência em Maceió, Alagoas, Brasil
Dione Alencar Simons 1 Isabella Lopes Monlleó 2 Sofia Alencar Simons 3 José Luiz Araújo Júnior 4
Meeting the demand for services of children and adolescents at the Emergency Unit in Maceió, in the Brazilian State of Alagoas
1-3
Núcleo de Saúde da Criança e do Adolescente. Faculdade de
Medicina. Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas –
UNCISAL.
Rua
D r.
J o rg e
de
Lima,
11 3 . Tr a p i c h e
da
Barra.
Maceió, AL, Brasil. CEP: 57.010-300. E-mail:
[email protected] 4
Departamento de Saúde Coletiva. Centro de Pesquisas Aggeu
Magalhães. Fundação Oswaldo Cruz. Recife, PE, Brasil.
Abstract
Resumo
Objective: to evaluate the extent to which the
Objetivos: avaliar a adequação da demanda de
d e m a n d f o r s e r v i c e s f ro m c h i l d re n a n d a d o l e s c e n t s
crianças
a re m e t b y t h e D o u t o r A r m a n d o L a g e s E m e rg e n c y
E m e rg ê n c i a
Unit in Maceió, in the Brazilian State of Alagoas.
Alagoas, Brasil.
M e t h o d s : a n o b s e r v a t i o n a l c ro s s - s e c t i o n s t u d y
e
adolescentes
atendidos
Doutor Armando
Métodos:
estudo
na
Lages
Unidade
em
de
Maceió
observacional-transversal
–
de
was carried out of 2,153 medical records of children
2153 registros de crianças e adolescentes atendidos
and
n a U n i d a d e d e E m e rg ê n c i a , e m 1 9 9 8 , 2 0 0 1 e 2 0 0 4 .
adolescents
attending
the
E m e rg e n c y
unit
in
1 9 9 8 , 2 0 0 1 a n d 2 0 0 4 . T h e v a r i a b l e s w e re s e x , a g e ,
Va r i á v e i s : s e x o , i d a d e , s e t o r e h o r á r i o d o a t e n d i -
sector and time attended, place of residence, hospita-
mento,
lization, type of injury and extent to which the demand
adequação da demanda, segundo critério de Furtado
w a s m e t , a c c o rd i n g t o t h e c r i t e r i o n e s t a b l i s h e d b y
et al. Para testar associações entre variáveis de inte-
Furtado et al. The chi-squared test was used to inves-
resse foi utilizado teste do Qui-quadrado, adotando-
tigate associations between the variables under study,
se nível de confiança de 95%.
with a confidence level of 95%.
p ro c e d ê n c i a ,
internação,
tipo
de
agravo
e
R e s u l t a d o s : e n t re o s 2 1 5 3 re g i s t ro s a n a l i s a d o s ,
R e s u l t s : o f t h e 2 , 1 5 3 m e d i c a l re c o rd s a n a l y z e d , 1 7 9 2 ( 8 3 . 2 % ) w e re c l a s s i f i e d a s i n a d e q u a t e . M o s t
1792
(83,2%)
adequados.
foram
classificados
P re d o m i n a r a m
usuários
como do
não sexo
patients were male (1252 – 58.2%), aged between 10
masculino (1252 – 58,2%), entre 10 e 18 anos (931 –
and 18 years (931 – 43.2%), resident in Maceió (1742
43,2%), residentes em Maceió (1742 – 81,1%), aten-
– 81.1%), attended in the afternoon (800 – 37.2%), at
didos à tarde (800 – 37,2%), no setor de pediatria e
the
com
Pediatrics
C e n t re
with
injuries
c o v e re d
by
agravos
do
Capítulo
XIX
da
Classificação
Chapter XIX of the International Classification of
Internacional de Doenças (1039 – 48,3%). A não
D i s e a s e s ( 1 0 3 9 – 4 8 . 3 % ) . T h e re w e re m o re i n a d e -
adequação da demanda foi maior no sexo feminino,
q u a t e m e d i c a l re c o rd s f o r f e m a l e s a g e d b e t w e e n 1 0
entre 10 e 18 anos, atendida no horário da manhã e
a n d 1 8 y e a r s , a t t e n d e d i n t h e m o r n i n g , re s i d i n g i n
residente próximo à Unidade de Emergência.
close proximity to the Emergency Unit.
Conclusões: verificou-se alto percentual de não
Conclusions: there was a high percentage of ina-
adequação da demanda de crianças e adolescentes à
d e q u a t e s e r v i c e p ro v i s i o n f o r c h i l d re n a n d a d o l e s -
Unidade de Emergência. Esse resultado sinaliza para
cents at the Emergency Unit. This result suggests the
o não atendimento às necessidades de saúde na rede
h e a l t h n e e d s o f t h i s g ro u p a re n o t b e i n g m e t b y t h e
básica do Sistema Único de Saúde em Alagoas.
basic National Health System in the State of Alagoas.
Key words
Child, Adolescent, Morbidity, Emergency
Palavras-chave
Criança, Adolescente, Morbidade,
Medicina de Emergência
medicine
Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (1): 59-67 jan. / mar., 2010
59
Simons DA et al.
mas não é iminente e, no caso dos problemas ‘de
Introdução
rotina’, esse risco é inexistente. A despeito dos avanços do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda são citadas dificuldades quanto à igual-
Com
base
nas
definições
de
urgência
e
emergência, foram elaborados protocolos de avali-
dade de acesso da população às ações e serviços de
ação da demanda, sendo definidos como casos não
saúde e à qualidade da atenção. 1 Uma das áreas que
adequados
expressa bem esses problemas é a dos serviços de
passíveis
urgência/emergência hospitalar. Esses serviços apre-
ria.2,10,12,15-16
sentam escassez de recursos humanos e materiais e inadequação
entre
oferta
e
demanda,
devido
à
Em
aqueles de
nosso
apropriados
emergenciais
emergência
poderiam
ser
atendidos
em
meio,
urgentes/emergentes, na
atenção
et
Furtado
al. 3
primá-
elaboraram,
testaram e validaram um protocolo para avaliar casos
absorção de uma grande quantidade de casos não que
não
resolução
para de
o
atendimento
média
e
alta
em
serviço
complexidade.
de
Esse
serviços da atenção básica ou especializada, ou em
protocolo é constituído de uma lista de agravos de
serviços
complexidade. 1
saúde, elencados por especialistas em emergência e
A demanda excessiva compromete a qualidade
trauma de um hospital geral, público e estadual, com
de
urgência
de
menor
da assistência prestada, tanto para os que realmente
nível de complexidade III no SUS, cuja missão insti-
necessitam
tucional é o atendimento de emergência, por meio de
de
atendimento
em
um
serviço
com
melhor capacidade tecnológica, como para aqueles
consultas ambulatoriais e internação.
que procuram o serviço com situações de saúde que,
O objetivo desta pesquisa é avaliar a adequação
na sua maioria, não exigem atendimento médico
da demanda de crianças e adolescentes atendidos na
emergencial. 2 Esse fato atinge todas as faixas de
Unidade de Emergência (UE), em Maceió, Alagoas,
idade
em
por meio da aplicação do protocolo de Furtado et al.3
desenvolvimento, como Chile4 e México,5 e também
A utilização desse protocolo se deveu às caracterís-
em
e
ocorre
países
no
Brasil, 3
desenvolvidos,
econômica
e
cultural
é
em
cuja
outros
países
realidade
distinta,
a
social,
exemplo
da
ticas semelhantes entre este serviço e aquele que serviu de base para sua elaboração.
Espanha,6 França,7 Canadá8 e Estados Unidos.9 Especificamente na faixa etária de crianças e
Métodos
adolescentes, estudo realizado em cinco serviços públicos de urgência/emergência da cidade do Recife
Trata-se de um estudo com desenho observacional-
revela que 63,5% dos usuários apresentavam pro-
transversal, utilizando registros médicos (fichas de
blemas de saúde que poderiam ser solucionados na
atendimento
rede básica.2
usuários da Unidade de Emergência, em Maceió,
Percentuais
de
não
adequação
variam
e
prontuários)
dos
entre
Alagoas, durante o período de 1 de janeiro a 31 de
diferentes estudos a depender do critério empre-
dezembro dos anos de 1998, 2001 e 2004. A escolha
gado. 10-12 Essa variação se deve à inexistência de
do ano de 1998 considerou o início do processo de
consenso em torno da definição de urgência, não
municipalização e do Programa Saúde da Família
urgência e emergência, assim como há controvérsias
(PSF)
quanto à definição de qual nível assistencial é mais
possíveis
adequado para cada tipo de situação. Além disso, a
adotado
percepção do que é urgente difere entre as pessoas
utilizados os anos de 2001 e 2004.
que buscam os serviços de urgência hospitalar e entre os profissionais de saúde que as atendem. Segundo
o
Conselho
Federal
de
no
Estado
de
mudanças critério
de
Alagoas. no
perfil
Para de
observação
análise
morbidade trienal,
das foi
sendo
Os dados foram coletados no Setor de Arquivo Médico, tendo-se obtido as informações referentes
Medicina, 13
aos seguintes campos: número do registro; data, hora
urgência “é a ocorrência imprevista de agravo à
e setor do atendimento; idade; sexo; procedência,
saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo
diagnóstico principal e tipo de assistência.
portador necessita de assistência médica imediata”.
O tamanho amostral foi estabelecido a partir dos
Emergência “é a constatação médica de condições
resultados do projeto piloto realizado com 3000
de agravo à saúde que impliquem em risco iminente
registros, referentes aos atendimentos nos anos de
de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto,
1998 e 2004. Foram identificados os seis grupos de
tratamento médico imediato”.
causas (capítulos) da Classificação Internacional de
Paim 14
60
ambulatorial
conceitua
urgência,
não
urgência
e
Doenças (CID 10) cujos quantitativos foram maiores
emergência de acordo com o risco de morte. No caso
do que 100 casos em pelo menos um dos anos estu-
de um atendimento de emergência, o risco de morte
dados.
é iminente, no caso de uma urgência, o risco existe,
(6,53%)
Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (1): 59-67 jan. / mar., 2010
O
grupo
com
menor
ocorreu
no
capítulo
proporção IX
–
de
casos
Doenças
do
Adequação da demanda a serviço de urgência/emergência hospitalar
Aparelho Circulatório – e a diferença entre os dois anos (1998 – 8,73% e 2004 – 6,53%) foi de 2,2%. Com
esse
um ano; de 1 a 4 anos; de 5 a 9 anos; e de 10 a 18
tamanho mínimo da amostra em 2368 registros por
anos. Os setores de atendimento foram agrupados em
ano.
clínicas cirúrgicas (cirurgia geral e cirurgia bucoseleção
dos
foi
possível
registros
se
calcular
A idade foi agrupada por faixas etárias: menor de
um
A
resultado,
cerebral.
deu
de
forma
sistemática. O total de atendimentos realizados em cada
ano
da
pesquisa
foi
dividido
pelo
maxilo-facial) médica,
e
clínicas
pediatria,
não
cirúrgicas
queimados,
(clínica
ortopedia/trauma-
número
tologia, otorrinolaringologia, oftalmologia, odon-
amostral e a partir deste se encontrou o intervalo da
tologia). O horário do atendimento foi agrupado por
seleção: em 1998, um a cada 61 registros (144982
períodos:
atendimentos/2368 = 61); em 2001 e 2004, um a
(06h00 às 11h59), tarde (12h00 às 17h59) e noite
cada 67 registros (159189 atendimentos/2368 = 67;
(18h00
159793 atendimentos/2368 = 67). Com base nesses
paciente foi categorizado por microrregiões de saúde
cálculos, foram sorteadas, entre os números 1 e 61 e
do Estado de Alagoas e por distritos sanitários da
madrugada
às
23h59).
(00h00
O
local
às
de
5h59),
manhã
procedência
do
entre 1 e 67, os registros para início da coleta dos
cidade de Maceió (Figura 1). O tipo de assistência
dados nos respectivos anos.
foi agrupado em ambulatorial (usuários liberados
Foram excluídos os registros com letra ilegível,
para o domicílio após o atendimento) e internação.
sem preenchimento dos campos selecionados e de
Para construir o perfil de morbidade, os agravos
vítimas que chegaram sem vida à unidade, por não
foram codificados e classificados segundo a lista
constar o diagnóstico. Os documentos excluídos
tabular de inclusões e subcategorias de quatro carac-
foram substituídos pelo seguinte à numeração.
teres da Classificação Internacional de Doenças 10ª
A amostra final totalizou 7104 registros. Para este estudo foram selecionados apenas os atendi-
revisão (CID 10). Realizou-se
a
análise
descritiva
dos
atendi-
mentos referentes aos usuários entre 0 e 18 anos de
mentos segundo as características estudadas. A asso-
idade, o que correspondeu a 2153 registros válidos
ciação entre adequação da demanda e as variáveis de
para análise. Foi
interesse
estudada,
como
variável
dependente,
a
foi
testada
utilizando
o
qui-quadrado.
Adotou-se nível de significância de 0,05. Os dados
adequação da demanda de acordo com protocolo de
obtidos foram analisados por meio do programa Epi
Furtado et al., 3 e, como variáveis independentes,
Info 2007, versão Windows 3.43.
sexo, idade, setor (clínicas cirúrgicas ou não cirúr-
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
gicas), horário do atendimento, procedência, tipo de
em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências
assistência (ambulatorial ou internação), e o tipo de
da Saúde de Alagoas, em 28 de fevereiro de 2005,
agravo conforme a CID.
protocolo nº 283.
Os casos foram classificados segundo o protocolo
de
et
Furtado
al., 3
que
estabelece
como
Resultados
demanda adequada os seguintes agravos, independente se o atendimento resultou em internação ou
O perfil e a adequação da demanda de crianças e
não: abdome agudo, abrasão de córnea, acidente
adolescentes atendidos na UE estão apresentados na
ofídico,
afogamento,
Tabela 1. Do total de atendimentos, 1792 (83,2%)
amputação traumática, aneurisma de aorta abdo-
acidentes
por
escorpião,
foram considerados não adequados a um serviço de
minal, acidente vascular cerebral, acidente vascular
urgência/emergência
cerebral hemorrágico, acidente vascular cerebral
complexidade (nível III). As diferenças nos valores
hospitalar
de
média
e
alta
isquêmico, avulsão de dentes traumático, celulite
de não adequação da demanda nos anos da pesquisa
peri orbitária, ceratite fotoelétrica, contusão torácica,
não foram estatisticamente significativas (p=0,827).
corpo estranho em orofaringe, corpo estranho no olho, crise convulsiva, epilepsia, evisceração de
Quanto
ao
sexo,
a
maior
proporção
foi
de
crianças e adolescentes do sexo masculino (1252
olho, fratura exposta, hematoma ocular, hematoma
–58,2%), porém os atendimentos de usuários do sexo
subdural crônico, hemorragia digestiva alta ou baixa,
feminino mostraram maior ‘não adequação’(769 –
hemorragia
85,3%). Houve diferenças estatisticamente significa-
ocular,
hemorragia
subaracnóidea,
hifema traumático, intoxicação exógena, isquemia
tivas entre o total de casos atendidos por sexo em
crítica,
relação à adequação da demanda (p=0,043).
laceração
de
córnea,
lesões
penetrantes,
linfangite necrotizante, pneumotórax, politrauma-
Com relação à faixa etária, a maior proporção de
tismos, queimaduras, trauma de crânio, trauma de
atendimentos recaiu sobre o grupo de adolescentes,
face, trauma ocular, trauma raquimedular, tumor
compreendido
entre
10
e
18
anos,
seguido
pelo
Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (1): 59-67 jan. / mar., 2010
61
Simons DA et al.
Figura 1 Cidade de Maceió. Distritos Sanitários.
DS VII
DS VI
DS I DS IV
DS V DS III
DS II
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Maceió-AL.
grupo de crianças de 1 a 4 anos, conforme se observa
relação à adequação da demanda (p