PRAGAS URBANAS (DIPTERA: CULICIDAE): IMPACTOS DAS ...

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PRAGAS URBANAS (DIPTERA: CULICIDAE): IMPACTOS DAS ATIVIDADES DE CONTROLE NA. SAÚDE PÚBLICA. Delsio Natal – Faculdade de Saúde ...
PRAGAS URBANAS (DIPTERA: CULICIDAE): IMPACTOS DAS ATIVIDADES DE CONTROLE NA SAÚDE PÚBLICA Delsio Natal – Faculdade de Saúde Pública da USP, Av. Dr. Arnaldo 715, CEP - 01246-904 São Paulo, SP. Email: [email protected] As cidades surgiram na história da humanidade em período subseqüente ao início do domínio da agricultura. À medida que o homem passou a domesticar e a produzir alimento excedente, já não era necessário que toda a população empregasse seu tempo ao trabalho rural. A parcela da população que vivia em pequenos aglomerados podia dedicar-se a outras atividades. Surgiam as primeiras cidades, como centros políticos, religiosos e comerciais . Até o final do século 19, a população do mundo crescia lentamente, quando a natalidade era alta, porém a mortalidade por doenças infecciosas e do trabalho era muito elevada, devido aos problemas sociais e ao desconhecimento de tecnologias de saneamento e de produção de medicamentos e vacinas (Ponting, 1992). No século 20, o mundo assistiu ao crescimento rápido da população, pois a natalidade continuou alta, mas a mortalidade sofreu queda, fenômeno que contribuiu para a distensão da expectativa de vida. O desenvolvimento da medicina profilático-medicamentosa e a valorização do saneamento muito teriam contribuído para esse novo quadro. Nas décadas finais do último século, devido ao aperfeiçoamento da agricultura mecanizada, em muitas regiões do planeta, parcela significativa da população migrou para as cidades. Esses núcleos multiplicaram-se, cresceram e se fundiram. Na atualidade, mais da metade da população mundial que é estimada além de seis bilhões de habitantes, reside no meio urbano. Há numerosas cidades de porte avantajado e grande número de metrópoles já superaram os cinco milhões de habitantes, enquanto surgem as megalópoles, como é o caso de Tóquio, do México e da Grande São Paulo, entre outras. O crescimento descontrolado vem provocando impactos sobre as doenças transmitidas por vetores e de modo mais abrangente, sobre toda a Saúde Pública (Easton, 1994; Mouchet e Carnavale, 1997). Sob o ponto de vista ecológico, o sistema urbano não sobrevive por si próprio, sendo considerado um ecossistema importador de matéria e energia e exportador de resíduos. Nesse sentido, a cidade leva à exaustão o seu entorno e de modo geral, as áreas de "transição" entre o urbano e o rural sofrem degradação. Exigindo agricultura produtiva e outros recursos para alimentar e construir esses centros, as cidades exercem pressão sobre o meio rural e também sobre os ambientes naturais (Branco, 1989; McIntyre, 2000). O homem é o grande modelador do ambiente urbano, porém nossa espécie não é absoluta nesse meio. A cidade, sob o ponto de vista ecológico, é um ambiente complexo, que serve de hábitat a um grande número de outras espécies. Intencionalmente são introduzidas, mantidas ou protegidas muitas espécies de plantas e animais. Jardins domésticos, ruas arborizadas, canteiros de avenidas, praças, parques, áreas verdes são exemplos de lugares detentores de elevada diversidade vegetal, que por sua vez, atraem insetos fitófagos, polinizadores e predadores, além de muitas aves. Animais domésticos podem atingir números expressivos nas áreas urbanas, sendo úteis para proteção ou satisfação humana (Frankie, 1978; McIntyre, 2000). Entre diversos problemas que emergem nas áreas urbanas e que podem interferir na saúde ou bem-estar da população humana, podem-se citar aqueles decorrentes de organismos "invasores" ou domiciliados. Pombos, ratos, baratas, cupins, abelhas, formigas, moscas e mosquitos estariam entre os principais. Esses grupos, ao contrário de serem protegidos, são combatidos, constituindo as tradicionais "pragas" urbanas (McIntyre 2000). Como princípio, as "pragas" habitam o meio urbano, explorando recursos que estão disponíveis, representados em síntese, por alimento e abrigo. Na sua quase totalidade, é o homem que oferece condições para esses organismos desenvolverem-se, em decorrência de suas próprias relações com o ambiente. Para muitas espécies que habitam o meio urbano, pode-se presumir que já passaram pelo processo seletivo e assim, estariam inseridas em biocenoses, cujas relações são de difícil ruptura (Frankie, 1978). No Brasil, dentre os mosquitos (Diptera: Culicidae), centro de discussão desse relato, é possível distinguir dois grupos com potencial de sobreviver em cidades: aqueles originários da fauna "autóctone" e espécies cosmopolitas, provenientes de outros países, que serão consideradas "alóctones". Em nosso país , várias espécies "autóctones" têm sido registradas tanto nas periferias como nas áreas centrais das cidades. Dentre essas, destacam-se: Culex chidesteri, Culex dolosus, Culex bidens, Culex coronator, Ochlerotatus fluviatilis, Limatus durhamii, Mansonia titillans, entre outras, as quais não têm sido incriminadas como vetoras, porém, algumas são provocadoras de incômodo (Forattini e col., 1973, Lopes e col., 1993). Três espécies exóticas estão disseminadas no Brasil, provocando problemas de Saúde Pública: Culex (Culex ) quinquefasciautus, Aedes aegypti e Aedes albopictus .

Culex quinquefasciatus encontra-se dispersa por todo o país, sempre associada às áreas urbanas. As fêmeas são endofílicas, endofágicas e de elevado grau de sinantropia provocam incômodo e podem transmitir patógenos como as filarias, aos animais e ao homem. O Aedes aegypti a partir dos anos 70, inicia definitiva ocupação do território, estando hoje, amplamente disseminado, na maioria dos Estados e Municípios (Schatzmayr, 2000). Nos anos 80, o interesse pelo Aedes aegypti voltou-se à dengue, devido à reemergência da doença, manifestando-se na forma epidêmica em Boa Vista, Roraima (Osanai e col., 1983). Na segunda metade da mesma década, ocorreram epidemias no Rio de Janeiro e a partir daí, a doença disseminou-se, interiorizando-se e avançando por todo o país até o período atual (Schatzmayr, 2000, Tauil, 2001). O Aedes albopictus, mosquito asiático, registrado no Rio de Janeiro, pela primeira vez, em 1986 (Forattini e col., 1986), iniciou processo de dispersão, atingindo atualmente ampla distribuição geográfica. Comparado com o Aedes aegypti, possui valência ecológica mais ampla, estando presente nos ambientes urbano, rural e silvestre. É considerado potencial vetor da dengue e de arboviroses diversas. Com base no exposto, pode-se concluir que a urbanização de vetores e a conseqüente transmissão de doenças ou produção de incômodo têm representado um grande desafio à Saúde Pública em nosso país. Os culicídeos "autóctones" associados às áreas urbanas, mesmo que ainda não envolvidos em problemas epidemiológicos, devem ser cada vez mais estudados em relação à evolução do comportamento sinantrópico e amplamente investigados quanto à competência e capacidade vetora. Deve -se considerar sempre o papel que podem desempenhar como produtores de incômodo, como vetores secundários ou até mesmo primários, e ainda como introdutores de infeções no ambiente urbano, pois não estão restritos a esse meio. Frente aos vetores "alóctones", que são os principais problemas, e diante da ampla distribuição que apresentam, os serviços de vigilância e controle devem estar estruturados para evitar situações de risco de transmissão de doenças e geração de incômodo à população. No combate aos vetores urbanos, somente uma visão moderna de manejo integrado e, levando-se em consideração as peculiaridades culturais da população, bem como seu envolvimento, permitirá a sustentabilidade dessas ações. Tal posicionamento justifica-se diante dos graves impactos provocados pelo tradicional controle químico, que assim, repercute na resistência e na contaminação ambiental. Estudos genéticos e ecológicos serão sempre úteis, pois fornecerão informações para fundamentar qualquer tipo de ação. Referências Branco SM. Ecossistêmica. Uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente . Ed. Edgard Blücher LTDA, 1989. Easton E. Urbanization and its effects on the ecology of mosquitoes in Macau, Southeast Asia. Journal of the American Mosquito Control Association, 10(4): 540-44, 1994. Forattini OP, Ishiata GK, Rabello EX, Cotrim MD. Observações sobre os mosquitos Culex da cidade de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde Pública. 7: 315-30, 1973. Forattini OP. Identification of Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse) in Brazil. Rev Saúde Pública, 20(3): 244-5, 1986. Frankie GW. Ecology of insects in urban environments. Ann Rev Entomol, 23: 367-87, 1978. Lopes J, Silva MAN, Borsato AM, Oliveira VDRB, Oliveira FJA. Aedes (Stegomyia) aegypti L e a culicidofauna associada em área urbana da região Sul, Brasil. Rev Saúde Pública. 27(5): 326-33, 1993. McIntyre N. Ecology of urban arthropds: A review and a call to action. Ann Entomol Soc Am. 93(4): 825-35, 2000. Mouchet J, Carnevale P. Impact of changes in the environment on vector-transmitted diseases. Sante, 7(4): 26369, 1997. Osanai CH, Travassos-da-Rosa AP, Tang AT, Amaral RS, Passos AD, Tauil PL, Dengue outbreak in Boa Vista, Roraima. Preliminary report. Rev Inst Med Trop. São Paulo, 25(1): 53-4, 1983. Ponting C. A green history of the world. Penguin Books, 1992 Schatzmayr HG. Dengue situation in Brazil by year 2000. Mem Inst Oswaldo Cruz. 95(Suppl 1): 179-81, 2000. Tauil P. Urbanização e ecologia da dengue. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(Suplemento): 99-102, 2001.