Proposta de modelo conceitual representativo do ...

6 downloads 1260 Views 3MB Size Report
Mar 2, 2016 - training will facilitate improvements in the skill set of the local labor force (4678). Na verdade ...... skilled personnel, repair and maintenance costs on imported ..... the piston engine generators is estimated to be US$0.008 per ...
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Proposta de modelo conceitual representativo do sistema de barreiras ao desenvolvimento de projetos de gestão de resíduos

André Luiz Bufoni 2016

PROPOSTA DE MODELO CONCEITUAL REPRESENTATIVO DO SISTEMA DE BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS DE GESTÃO DE RESÍDUOS

André Luiz Bufoni

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação

em

Planejamento

Energético,

COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Planejamento Energético.

Orientadores: Luiz Pinguelli Rosa Luciano Basto Oliveira

Rio de Janeiro Maio de 2016

PROPOSTA DE MODELO CONCEITUAL REPRESENTATIVO DO SISTEMA DE BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS DE GESTÃO DE RESÍDUOS

André Luiz Bufoni

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM PLANEJAMENTO ENERGÉTICO.

Examinada por: ________________________________________________ Prof. Luiz Pinguelli Rosa, D.Sc.

________________________________________________ Dr. Luciano Basto Oliveira, D.Sc.

________________________________________________ Profª Alessandra Magrini, D.Sc

________________________________________________ Prof. Marcos Sebastião de Paula Gomes, D.Sc

________________________________________________ Drª. Suzana Kahn Ribeiro, D.Sc

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL MAIO DE 2016

Bufoni, André Luiz Proposta de modelo conceitual representativo do sistema de barreiras ao desenvolvimento de projetos de gestão de resíduos/ André Luiz Bufoni. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2016. VII, 227 p.: il.; 29,7 cm. Orientadores: Luiz Pinguelli Rosa Luciano Basto Oliveira Tese (doutorado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de Planejamento Energético, 2016. Referências Bibliográficas: p. 123. 1. Modelo conceitual. 2. Resíduos. I. Rosa, Luiz Pinguelli et al. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Planejamento Energético. III. Título.

iii

Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)

PROPOSTA DE MODELO CONCEITUAL REPRESENTATIVO DO SISTEMA DE BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS DE GESTÃO DE RESÍDUOS André Luiz Bufoni Maio/2016 Orientadores: Luiz Pinguelli Rosa Luciano Basto Oliveira

Programa:

Planejamento Energético

O objetivo deste trabalho foi elaborar uma proposta de modelo conceitual representativo do sistema de barreiras ao desenvolvimento de projetos de gestão de resíduos, apoiado na literatura e corroborado pelos dados encontrados nos documentos de planejamento de 432 projetos de gestão de resíduos registrados como mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) durante o período de 2004 a 2014. Esta tese utilizou como metodologia a análise qualitativa de conteúdo assistida por computador (CAQCA), com a utilização do software de análise de dados qualitativa NVivo®, para análise dos 890 fragmentos selecionados que dão suporte às nossas conclusões. Os resultados sugerem a classificação das barreiras em cinco tipos: sociopolítica, tecnológica, regulatória, financeira e de recursos humanos. E mostram que, além das barreiras inerentes à própria indústria, as iniciativas de recuperação de energia de resíduos ainda enfrenta as barreiras do mercado de energias renováveis, estando em nítida desvantagem. O modelo traz alguma luz sobre a interatividade e a dinâmica do funcionamento do sistema de barreiras, descrevendo a relação entre elas. Concluímos ainda que o modelo é mais adequado a países em desenvolvimento do que modelos de decisão baseados exclusivamente em desempenho (performance).

iv

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)

A CONCEPTUAL MODEL PROPOSAL REPRESENTING THE BARRIER SYSTEM TO WASTE MANAGEMENT PROJECTS DEVELOPMENT

André Luiz Bufoni May/2016 Advisors:

Luiz Pinguelli Rosa Luciano Basto Oliveira

Department: Energy Planning Program

The aim of this study is to propose a waste management barriers system conceptual model, supported by literature and corroborated by the declared barriers at 432 projects design documents of large waste management registered as CDM, during the period 2004-2014.

This thesis uses the computer assisted qualitative content

analysis (CAQCA) methodology with the qualitative data analysis (QDA) software NVivo®, by 890 fragments, to investigate the motives to support our conclusions. Results suggest the main barriers classification in five types: sociopolitical, technological, regulatory, financial, and human resources constraints. Results also suggest that beyond the waste management industry, projects have disadvantages added related to the same barriers inherent to others renewable energies initiatives. The model sheds some light on the interactivity and dynamics related to the primary constraints of the industry, describing the mutual influences and relationships among each one. We conclude that the barriers model presented here is more verisimilar to developing countries reality then exclusive performance decision models.

v

SUMÁRIO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................................................... 8 2 OBJETIVOS DO ESTUDO .............................................................................................. 12 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 12 2.2 OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS ...................................................................... 12 2.3 LIMITE DO CICLO DE RESÍDUOS .................................................................. 14 2.4 ESCOPO NAS INDÚSTRIAS DE GESTÃO DE RESÍDUOS ........................... 16 2.5 ABRANGÊNCIA GEOGRÁFICA ...................................................................... 18 2.6 PROTOCOLO DE QUIOTO ............................................................................... 20 3 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO ........................................................................................ 24 3.1 ESTUDOS ANTERIORES .................................................................................. 24 3.2 STAKEHOLDERS-ALVO .................................................................................... 28 4 METODOLOGIA.............................................................................................................. 30 4.1 PESQUISA QUALITATIVA ............................................................................... 30 4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO ASSISTIDA .......................................................... 32 4.3 AMOSTRA........................................................................................................... 34 4.3.1 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA ..................................................................... 36 4.4 PROCEDIMENTOS ............................................................................................. 40 4.5 LIMITAÇÕES DO ESTUDO .............................................................................. 41 5 REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................... 42 5.1 MODELAGEM DO SISTEMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS ......................... 42 5.2 MODELOS DE AVALIAÇÃO DE BARREIRAS .............................................. 46 5.3 BARREIRAS ........................................................................................................ 54 5.3.1 AMBIENTE SOCIOPOLÍTICO ................................................................... 56 5.3.2 BARREIRAS REGULATÓRIAS ................................................................. 63 5.3.3 BARREIRAS TECNOLÓGICAS ................................................................. 70 5.3.4 BARREIRAS FINANCEIRAS ..................................................................... 79

vi

5.3.5 BARREIRAS DE RECURSOS HUMANOS ............................................... 91 6 MODELO PROPOSTO..................................................................................................... 94 6.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS ........................................................................ 96 6.1.1 INTER-RELAÇÃO DE BARREIRAS ......................................................... 97 6.1.2 DINÂMICA DE BARREIRAS ................................................................... 100 6.2 DESCRIÇÃO DO MODELO ............................................................................. 102 6.3 MENSURAÇÃO E SIMULAÇÃO .................................................................... 105 6.4 LIMITAÇÕES DE APLICAÇÃO ESPERADAS .............................................. 107 7 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 107 7.1 VEROSSIMILHANÇA COM O SISTEMA ...................................................... 115 7.2 USOS ESPERADOS DO MODELO ................................................................. 118 8 PESQUISAS FUTURAS................................................................................................. 120 9 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 123 ANEXO I – LISTA DE PROJETOS CONSULTADOS ................................................... 140 ANEXO II – FRAGMENTOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE .............................. 160

vii

1 CONTEXTUALIZAÇÃO O resíduo sólido urbano (MSW, de municipal solid waste) produzido nos países em desenvolvimento vem lentamente mudando de composição, apresentando diminuição da sua fração orgânica (OFMSW, de organic fraction of the municipal solid waste). Contudo, a diminuição da fração orgânica não se deve a diminuição desse tipo de resíduo, mas ao aumento da fração não orgânica, a exemplo do que acontece nos países desenvolvidos, cujos padrões de consumo tentamos copiar. Segundo o Banco Mundial, em uma pesquisa sobre manejo de resíduos em países em desenvolvimento, o volume per capita nesses países também vem aumentando constantemente desde longa data, e já ultrapassa 1kg por pessoa ao dia, saindo de uma média de 0,68 kg dez anos atrás (Hoornweg & Bhada-Tata, 2012). No Brasil, por exemplo, na mesma época, o relatório anual do Sistema Nacional de Informações Sanitárias sobre manejo de resíduos urbanos feito pelo Ministério das Cidades mostrou que essa produção já passava, em média, de 1kg por pessoa ao ano (SNIS, 2015). Se, por um lado, a cada dia nosso lixo se parece mais com os resíduos produzidos pelos países desenvolvidos, a maneira como é tratado, a atenção da população ao problema e o planejamento do sistema que o gerencia, mesmo antes de ser produzido, ainda são bem diferentes (UNEP, 2015). Enquanto os direcionadores de políticas nos países desenvolvidos apontam para todas as maneiras possíveis de reduzir o volume enviado para aterros (Corselli-Nordblad, 2014), incluindo a eficiência energética e do ciclo de materiais na produção, e para a alteração nos padrões de consumo (Andersen, Larsen, Skovgaard, Moll, & Isoard, 2007; European Comission, 2008; OECD, 2007; USEPA, 2014b), estudos indicam que os países em desenvolvimento encontram muita dificuldade para conseguir sair da fase (anos 1970!) em que o principal objetivo do sistema de gestão de resíduos é uma adequada disposição final com vistas a manutenção e proteção da saúde pública (Bleck & Wettberg, 2012; Bufoni, Carvalho, Oliveira, & Rosa, 2014; Ricardo Diaz & Otoma, 2013; Marshall & Farahbakhsh, 2013; UNEP, 2015). Tomemos como exemplo o caso brasileiro. O projeto de lei para a instituição de uma política nacional de resíduos sólidos (PNRS), que data de 1991, foi publicado em 3 de agosto de 2010, ou seja, quase 20 anos depois (Brasil, 2010). Mesmo tendo sido estabelecido um prazo relativamente longo até final de 2014 para adequação da disposição final dos resíduos pelos Municípios, esse prazo teve de ser prorrogado para 8

2018 a 2021, dependendo do município (Brasil, 2015). Da proposta inicial, podemos chegar a 30 anos! Considerando que em 2013 quase metade do lixo sólido urbano ainda era enviada para lixões e para aterros controlados, podemos concluir que esses novos prazos podem também não ser cumpridos (SNIS, 2015). A situação descrita está longe de ser um caso isolado ou um privilégio do Brasil. Estudos mostram que a morosidade e os atrasos nos processos regulatórios são problemas crônicos em países em desenvolvimento (Massarutto, 2007; Simões & Marques, 2012). Mostram ainda que, além do problema dos longos prazos para término desse processo, sua implementação é outro grande desafio, por causa de aspectos sociais, culturais, financeiros e de infraestrutura (Guerrero, Maas, & Hogland, 2013). Tudo isso sem levar em consideração se a regulação foi bem desenhada, se não apresenta problemas conceituais, sistemáticos, se é setorialmente adequada, e se dispõe de um sistema de informação que permita a avaliação de seu desempenho (Inanc, Idris, Terazono, & Sakai, 2004; Yoon & Sim, 2015) – defeitos comuns que obrigam a sociedade a reiniciar o processo, em seu todo ou em parte, causando transtornos na cadeia do setor com o descompasso pela espera de uma regulamentação adequada para uma demanda industrial e social eivada de incertezas, em um efeito conhecido como bullwhip, ou efeito chicote (Costas, Ponte, de la Fuente, Pino, & Puche, 2015; Xun Wang & Disney, 2015). Assim, talvez devido ao estágio atual de desenvolvimento da questão e à complexidade do ambiente em que se desenvolve, há gestores que preferem tecnologias mais antigas, baratas e, por isso, mais confiáveis (Khalid, Arshad, Anjum, Mahmood, & Dawson, 2011). Iniciativas com tecnologias pioneiras esbarram na dificuldade de encontrar recursos humanos ou no custo da transferência do conhecimento necessário para sua adequada operação, e o insucesso dos primeiros projetos que as utilizaram criou uma percepção negativa a seu respeito, fator muito importante para a sua não disseminação (Adenle, Azadi, & Arbiol, 2015; Kardooni, Yusoff, & Kari, 2016; Oh & Matsuoka, 2015). Evidências encontradas durante a realização desta pesquisa mostraram que o ambiente regulatório e as ‘tecnologias preferidas’ às vezes não são coerentes com a recomendação técnico-científica para tratamento dos resíduos. Durante, por exemplo, o estudo de familiarização (versão qualitativa do estudo-piloto) publicado, na análise da amostra de 431 projetos registrados como MDL e classificados no setor de resíduos (UNFCCC, 2015b), observou-se um predomínio (72%) dos 9

projetos que tinham como objetivo a queima e o aproveitamento do gás de aterro (LFG) (Bufoni, Oliveira, & Rosa, 2015). A literatura, no entanto, recomenda como a melhor tecnologia para tratamento da fração orgânica a digestão anaeróbica, por questões de redução do volume e em vista da eficiência na coleta do gás (Barton, Issaias, & Stentiford, 2008; Rogger, Beaurain, & Schmidt, 2011). Soluções registradas de tecnologias em funcionamento e que utilizam combustão só foram encontradas na China (37), Índia (3) e no Sri Lanka (1), de um total de 55 países. A análise também aponta para uma incoerente e atrasada linha de base regulatória com relação às tecnologias existentes, fazendo com que os gestores não encontrem obstáculos à manutenção do status quo vigente como práticas aceitáveis pela legislação da maioria dos países em desenvolvimento, como é o caso das lagoas descobertas para resíduos da agropecuária e também da simples ventilação forçada do gás de aterro. Alguns estudos realizados chegam a afirmar que a coleta de gás de aterro é a tecnologia mais adequada para esses países (Bufoni et al., 2014; Loureiro, Rovere, & Mahler, 2013). Surge, em suma, a seguinte indagação: por que, uma vez que se dispõe de uma plêiade de soluções tecnológicas para cada tipo de resíduo existente, sólido ou efluente, continua-se a destiná-los a uma tumba seca (dry tomb)? Nesse ponto, prolongar a exposição enumerando todos os problemas, restrições, barreiras, dificuldades e incertezas que os países em desenvolvimento enfrentam para conseguir a implementação de um sistema mais eficiente e eficaz na gestão de seus resíduos parece tarefa improfícua e interminável, e fora do propósito de uma introdução. Paradoxalmente, porém, a revisão de literatura sobre o tema mostrou que os estudos que abordam o setor de resíduos do ponto de vista das restrições a serem vencidas são escassos, quase inexistentes (Allesch & Brunner, 2014), e que, quando o fazem, geralmente apresentam o assunto de maneira a sugerir serem todas essas barreiras independentes, e que seu estado não é dinâmico (Guerrero et al., 2013; Yoon & Sim, 2015), ou, o mais comum, no contexto do estudo de caso que apresentam. Em sua revisão, Singh et al. (2014) não só reconhecem como confirmam isso, quando afirmam, em suas conclusões, que um dos desafios futuros dos sistemas de gestão de resíduos é realizar mais estudos que ataquem a raiz dos problemas.

10

Os modelos de tomada de decisão existentes, tanto propostos como em utilização, não ajudam muito, mostrando bem este fato. Os modelos de gestão de resíduos encontrados nos principais periódicos da área são sempre de ordem prescritiva, ou seja, modelos de decisão baseados em resultados e no desempenho, como se não houvesse restrições (Christensen et al., 2007; R Diaz & Warith, 2006; Eriksson & Bisaillon, 2011; Gentil et al., 2010; Karmperis, Aravossis, Tatsiopoulos, & Sotirchos, 2013). Modelos assim podem ser mais adequados a países desenvolvidos, onde as restrições da aplicação de tecnologias modernas não são tão severas, mas, como vimos, com certeza não é o caso dos países em desenvolvimento. Esses modelos pressupõem a existência de um sistema de informações sofisticado, que permita uma avaliação trabalhosa, comparativa, completa e complexa em diversos sentidos, tais como o fluxo de materiais, as dimensões ambiental, financeira e operacional, um ambiente econômico estável, uma condição social e política atenta (awareness), e uma mão de obra altamente qualificada – condições que raramente são encontradas em países em desenvolvimento (Bufoni et al., 2014, 2015; Inanc et al., 2004; UNEP, 2015). Segundo a UNEP (2015, p. 32), a qualidade e disponibilidade dos dados são dois problemas cruciais que dificultam a adoção dos modelos vigentes, principalmente devido à falta de padrões de classificação, de medidas representativas, e de apresentação de relatórios sobre os resíduos. Veja-se, por exemplo, o modelo de emissões de 2006 do IPCC (UNFCCC, 2006), que admite as dificuldades de obtenção de informações de países em desenvolvimento e estabelece três níveis de simplificação para cálculo do fator de correção de carbono (CF). Outro ótimo exemplo é o modelo de análise de ciclo de vida (LCA) que foi recomendado como base de políticas de avaliação na Inglaterra, França e Alemanha, e que já conta com mais de 200 operacionalizações em países do Continente Europeu, mas cuja aplicação em países em desenvolvimento é quase nula (Eriksson & Bisaillon, 2011; Karmperis et al., 2013). Este trabalho apresenta, pois, a proposta inovadora de abordar o tema da eficiência e da eficácia do sistema de gestão de resíduos não como fazem os modelos vigentes nos países desenvolvidos – pelo lado da administração dos indicadores e coeficientes de desempenho, baseados no clássico modelo de gestão ‘plan-do-check-review-revise’ (ISO, 2015; OECD, 2015b; Rashidi, 2014; USEPA, 2014b). Defendemos a tese de que, tendo em vista que os modelos atuais não foram capazes de viabilizar tecnologias mais 11

avançadas no Terceiro Mundo (Wilson & Velis, 2015), é indispensável (ou pelo menos bastante relevante), no caso dos países em desenvolvimento, tratar o assunto pelo seu problema dual – pelo lado das restrições ao desempenho, raciocínio igual ao de programação matemática, como em um problema de pesquisa operacional (Bronson & Naadimuthu, 1997; Carpio, 2006). A ideia de atacar as restrições como uma maneira de aumentar o desempenho de um sistema é bem fundamentada em mais de 30 anos de estudos da Teoria das Restrições (TOC) de Goldratt, segundo a qual a corrente tem a força de seu elo mais fraco (Colwyn Jones & Dugdale, 1998; Costas et al., 2015; Goldratt & Cox, 1984; Şimşit, Günay, & Vayvay, 2014). A teoria é procedural e cíclica, e o primeiro passo consiste justamente em identificar os gargalos e suas relações, para então tentar suspendê-los ou eliminá-los, repetindo a identificação da barreira mais relevante e atacando-a. A proposta de aplicar a TOC aos sistemas de gestão de resíduos é também uma ideia inovadora, já que não encontramos trabalhos na área que a citem. Acreditamos no primeiro passo de identificar os gargalos e suas relações como o início de um processo de melhorar continuamente o desempenho de um sistema de gestão de resíduos. Talvez esse passo resuma bem o tema deste trabalho, cujos objetivos passamos a expor. 2 OBJETIVOS DO ESTUDO 2.1 OBJETIVO GERAL Os motivos anteriormente expostos levam naturalmente à pergunta de pesquisa, que é: Quais são e como se relacionam as barreiras que obstam a realização e/ou o desempenho ótimo dos projetos de gestão de resíduos? Logo, o objetivo principal deste estudo é: Propor um modelo conceitual que melhor represente o sistema de barreiras que obstam a execução e o desempenho ótimo de projetos de gestão de resíduos. 2.2 OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS Para a elaboração desta proposta, foram seguidas as etapas metodológicas recomendadas pela literatura sobre pesquisa qualitativa (Cho, 2006; Creswell, 2013; Krippendorff, 2004) e aquela que se refere a modelagem de sistemas complexos 12

(Eriksson & Bisaillon, 2011; Golroudbary & Zahraee, 2015; Hartmann, 2005). Nessas fases também foram estabelecidos os seguintes objetivos intermediários: 1. Revisão dos manuais de procedimentos e guias para implementação de projetos de organismos internacionais (Banco Mundial, UNFCCC, OCDE etc). 2. Revisão abrangente que inclui a literatura de modelagem, gestão de resíduos (Waste Management e Waste Management & Research), políticas de energias renováveis (Renewable Energy Policies – RES) e produção mais limpa (Journal of Cleaner Production), para identificar as referências sobre o assunto (as barreiras). 3. Concepção do modelo conceitual com base nesses referenciais. 4. Verificação da validade e ajuste do modelo utilizando os 432 grandes projetos de gestão de resíduos registrados como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, disponíveis no site da United Nations Framework Convention on Climate Change (2015b). 5. Reformulação do modelo. 6. Caso haja incongruências, retorno ao passo 1. Esses passos foram seguidos e repetidos inúmeras vezes e estão aqui expostos na parte referente à metodologia. Os resultados encontrados foram destacados de maneira que se possa identificar em que fase as evidências foram encontradas, principalmente quanto às fases 1, 2 e 4. Quando foi encontrada durante a fase de revisão de literatura, a evidência foi automaticamente montada pelo aplicativo Mendeley (Mendeley, 2015), no formato da 6ª edição da APA (APA, 2014). Quando encontrada na fase de análise dos documentos de planejamento de projeto, apresentados como parte das exigências para seu registro como MDL, a citação foi feita utilizando-se os quatro ou cinco dígitos que representam seu número de registro no banco de dados da UNFCCC (2015b), conforme se vê a seguir: ¶248: • Technological barriers: The existence of a technological barrier for flare and energy generation technology (LFG1 and E1) is confirmed by showing evidence that the use of this technology in the considered sector is marginal (e.g. below 10%) (8360).

Este é um dos 890 trechos selecionados para análise. O número 8360 refere-se ao projeto de captura, queima ou utilização de gás no aterro sanitário Cadereyta Landfill 13

Gas Project, registrado em fevereiro de 2013 e implantado no México, que pretende reduzir em 57.032 toneladas a emissão de dióxido de carbono equivalente (CO2eq). A lista completa dos projetos utilizados encontra-se no ANEXO I – LISTA DE PROJETOS CONSULTADOS, e todos os trechos selecionados e ordenados por tipo de barreira podem ser encontrados no ANEXO II – FRAGMENTOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE. As fases restantes (3, 5 e 6), que contêm grande parte da originalidade desta tese, foram sempre executadas com apoio e assistência dos orientadores (2), com a contribuição de grupos focais com especialistas (1), com o acréscimo de contribuições durante a apresentação em seminários de tese (2), e verificadas durante o exame de qualificação (1) e por meio de publicações internacionais (3) (Bufoni, A. L.; Oliveira, L. B.; Rosa, 2016; Bufoni et al., 2014, 2015), seguindo-se as orientações quanto à necessidade de triangulação entre várias evidências para fortalecer a validade interna do estudo (Cho, 2006; Yin, 2013). 2.3 LIMITE DO CICLO DE RESÍDUOS Esta parte define o escopo com que se aplica a palavra resíduos no modelo proposto, restringindo e limitando o contexto em que o modelo foi desenvolvido e verificado (Figura 1).

3Rs (FORA)

•Eficiência •Redução •Reuso •Reciclagem

Métodos Alternativos (DENTRO)

•Incineração •Digestão anaeróbica •Compostagem •Efluentes •Resíduos animais

Disposição Final (DENTRO)

•Aterros sanitários •Aterros controlados •Lixões •Gás de aterro

Figura 1. Escopo Considerado do Ciclo de Resíduos Há na literatura uma discussão sobre a que se refere (alcance ou abrangência) a expressão “gestão de resíduos” (waste management). Dependendo do enfoque do estudo, a expressão pode incorporar as fases de produção, redução e reaproveitamento (reuso e reciclagem), em um processo conhecido como 3Rs (Kirkeby et al., 2006; OECD, 2015b; Singh et al., 2014), ou apenas todo o processo restante até (inclusive) sua destinação final – adequada, em aterros sanitários, ou inadequada, em aterros controlados ou lixões a céu aberto, com ou sem o reaproveitamento de energia (Rojo, Glaus, Hausler, Laforest, & Bourgeois, 2013). Estas soluções são conhecidas como ‘end 14

of pipe’ (Marshall & Farahbakhsh, 2013; Massarutto, 2015; Meyers, McLeod, & Anbarci, 2006). A OCDE, por exemplo, utiliza o ponto de vista de materiais, produtividade e meio ambiente, construído sobre os princípios dos 3Rs (OECD, 2015b). Dela fazem parte os EUA, os membros da União Europeia e outros países desenvolvidos, cujo enfoque é também a Gestão Sustentável Avançada de Materiais (Advancing Sustainable Materials Management) (European Comission, 2008; Knopf, Nahmmacher, & Schmid, 2015; USEPA, 2014b). Nos países em desenvolvimento, por outro lado, as taxas de redução, reuso e reciclagem são ainda pequenas, e a atenção pública (awareness), bem como o orçamento destinado à conscientização da população, ainda é muito modesta (Bartl, 2011, 2014; Godfrey, Scott, & Trois, 2013). Uma possível fonte de resolução de conflitos na definição dessa abrangência neste estudo é a classificação do escopo setorial (sectoral scope) intitulado SS13: Manejo e Disposição de Resíduos, utilizada pela UNFCCC (2014b, p. 49 SS13) nos padrões para certificação dos projetos de MDL, já que a mesma fonte foi utilizada na fase da verificação das barreiras declaradas nos projetos para consubstanciar o modelo proposto (Figura 1. Escopo Considerado do Ciclo de Resíduos A norma estabelece como grupo típico de atividades deste setor (UNFCCC, 2014b): 

Disposição final em aterros



Métodos alternativos para gestão de resíduos, tais como: gaseificação, digestão anaeróbica, incineração e produção de rejeitos de derivados de combustíveis (RDF)



Sistemas de tratamento de efluentes



Sistemas de gestão de resíduos animais



Correspondente gestão de biogás decorrente.

Não obstante estar clara a exclusão da redução, reuso e reciclagem de produtos, materiais e de matéria-prima, a norma não é exaustiva em enumerar os “métodos alternativos para gestão de resíduos”, o que necessariamente nos leva a esclarecer o assunto no próximo item. Temos então que, apesar de concordarmos em que o estudo dos padrões de consumo, a eficiência da produção, o ciclo de vida estendido, a redução, reutilização e reciclagem 15

de resíduos são aspectos muito importantes e, por isto, caracterizam-se como os principais objetivos da regulação nos países desenvolvidos e devem ser levados em conta (Ali, 2010; OECD, 2015b; Rudden, 2007; Troschinetz & Mihelcic, 2009; USEPA, 2014b) nas análises sobre o tema, não nos é possível afirmar – ou sequer foi verificada – a aplicabilidade (transposição) deste modelo à gestão de resíduos que antecede a fase do ciclo definida como entrada do sistema de gestão. Isso, entretanto, não significa que o modelo aqui proposto não seja válido nos países desenvolvidos. A metodologia e os resultados encontrados na sua aplicação sugerem que suas conclusões têm grande potencial para serem válidas externamente. Ou seja, sujeito a mais testes, existe a possibilidade de o modelo servir não só à fase relativa aos 3Rs, mas também nos países industrializados, assim como no setor de energias renováveis. Este e outros usos serão abordados mais adiante, no item 7.2 USOS ESPERADOS DO MODELO. 2.4 ESCOPO NAS INDÚSTRIAS DE GESTÃO DE RESÍDUOS O termo indústria designa cada ramo do setor de gestão de resíduos. Temos, por exemplo, inúmeras instâncias de aterros que formam a indústria de aterros sanitários, enquanto os incineradores formam a indústria de incineração. Em linha com o que foi dito anteriormente, cada metodologia para gestão de resíduos (alternativa ou não) é, neste trabalho, tratada e nomeada como indústria. Note-se que uma indústria pode utilizar diversas tecnologias. Os Sistemas de Gestão de Resíduos Animais (AWMS), segundo o guia da UNFCCC (2006), englobam 14 possíveis cenários diferentes, cada qual com seu conjunto de tecnologias. É preciso considerar então que, no mesmo caso do escopo, este trabalho não verificou a totalidade das indústrias de gestão de resíduos sólidos, efluentes e agrícolas, e os resultados não devem, sem uma confirmação empírica, ser indiscriminadamente transpostos além dos limites sociopolíticos e da indústria em que foram testados. A maioria das barreiras tecnológicas, por exemplo, é inerente a cada tipo de tecnologia. Cada uma dessas tecnologias tem uma relação entre risco e retorno financeiro que, dependendo do país, pode ser mais, ou menos, atraente (Bufoni et al., 2015). Nesta pesquisa, as indústrias em que este modelo foi testado – classificação declarada retirada do banco de dados da UNFCCC (2015b) – foram as seguintes: aterros, resíduos animais, efluentes, compostagem, RDF, incineração e gaseificação. Os critérios de 16

escolha estão no item sobre metodologia, no qual será amplamente descrita a amostra analisada, cujos resultados serão apresentados logo em seguida. Será então possível desenvolver um modelo estável, que possa ser utilizado para representar o sistema de barreiras de todo o setor de resíduos? A atratividade financeira, os custos, as receitas e o benchmarking podem ser inerentes a cada indústria, mas serão sempre assim denominados por serem conceitos difundidos e consagrados em finanças e recomendados para análises financeiras de projetos, e por isso farão parte das análises das barreiras financeiras. O mesmo ocorre com a barreira regulatória, em que cada indústria tem seus padrões, seu ambiente, suas políticas e instrumentos regulatórios, mas sempre serão assim chamados e comporão as análises das barreiras regulatórias. O que pode variar é a escolha dos instrumentos de avaliação. Um estudo anterior, por exemplo, realizado com a amostra de projetos selecionada neste trabalho sobre a avaliação financeira, mostrou que uma indústria utiliza os mesmos indicadores de atratividade: taxa interna de retorno ou valor presente líquido. Os projetos que apresentam informações financeiras o fazem segundo uma metodologia difundida (CAPEX e OPEX), o que possibilitou uma comparação no citado estudo (Bufoni et al., 2015). É possível, inclusive, comparar sistemas diferentes e resultados diversos (Eriksson & Bisaillon, 2011; Laurent, Bakas, et al., 2014). Além disso, essas ferramentas foram incorporadas ao modelo de avaliação do sistema de barreiras da UNFCCC (2012). O objetivo deste trabalho é contribuir para aperfeiçoar a sua representação. Uma vez difundido, o modelo vai favorecer a uniformidade na apresentação das informações sobre as restrições e obstáculos, e contribuir para diminuição das restrições. Sobre a questão acerca da estabilidade do modelo e sua capacidade de representar as barreiras de todo o setor de resíduos, então, a resposta é afirmativa, já que as barreiras podem variar, a depender da indústria e do país, mas receberam a mesma classificação. Essa classificação mostrou-se bastante estável. A solidez da classificação é uma premissa importante. Em primeiro lugar, porque dá estabilidade suficiente ao modelo para que possa ter sua aplicação generalizada no setor de “manejo e disposição de resíduos” (validade interna) e, dependendo de estudos 17

futuros, transposta para outros setores, como o de energias renováveis (validade externa). Em segundo, porque permite que se estabeleça um referencial fixo (entidades do modelo) no qual algumas condições (variáveis-chave) possam ser comparadas com base em uma mesma métrica, possibilitando a simulação e enriquecendo o valor preditivo do modelo (Golroudbary & Zahraee, 2015; Hartmann, 2005; Karmperis et al., 2013). E, em terceiro lugar, porque distingue, por exclusão, uma barreira tecnológica de qualquer outra. Essa barreira tecnológica, como veremos, é equivocadamente classificada e mal compreendida. A métrica e a simulação (Golroudbary & Zahraee, 2015), entretanto, não são os objetivos deste estudo, mas uma sugestão para pesquisas futuras. Há ainda que considerarmos casos específicos de aplicação em circunstâncias em que as condições das unidades da amostra são muito homogêneas, nas quais o modelo é utilizado para análise de uma única indústria em um país-anfitrião (host country). Esse é o caso, por exemplo, de uma análise, por meio do modelo, das barreiras da indústria de tratamento de efluentes urbanos (esgoto) no Brasil. Análises comparativas poderiam ser replicadas em diversas cidades de diferentes países – outra oportunidade para pesquisas futuras e para avaliação de políticas por entidades reguladoras. Passamos, pois, a tratar da abrangência geográfica. 2.5 ABRANGÊNCIA GEOGRÁFICA O referencial teórico tem abrangência internacional porque foi retirado da revisão de literatura realizada em livros e periódicos internacionais. Os modelos e as principais classificações que embasaram o início do trabalho de desenvolvimento do modelo que é objeto deste estudo foram concebidos e publicados por organismos internacionais (Hoornweg & Bhada-Tata, 2012; UNFCCC, 2009). A amostra de projetos de MDL em que foram verificadas as barreiras existentes, entretanto, corresponde a 55 países em desenvolvimento, constantes no Anexo II do Protocolo de Quioto (UN, 1998 Artigo 12), que, apesar de terem parceiros definidos entre os países desenvolvidos, se referem somente as barreiras encontradas no país em que são realizadas as atividades (Tabela 1). Tabela 1. Países da amostra Número de projetos Países-anfitriões

Total geral

Anos (2000 e...) 4

5

6

7

8

18

9

10

11

12

13

14

Número de projetos Países-anfitriões

4

China Brasil

Total geral

Anos (2000 e...)

1

México

5

6

7

8

9

10

11

12

13

1

2

7

7

9

7

13

40

8

3

27

6

7

1

4

12

8

2

20

4

3

4

3

2

8

4

51

1

1

8

1

2

8

2

23

1

2

1

3

2

5

7

21

3

3

1

4

1

3

20

1

3

4

4

2

1

4

19

2

3

2

1

5

2

1

1

7

1

4

1

1

Tailândia Indonésia Chile

5

Malásia Colômbia Vietnã Índia

1

1

Israel

1

1

1

4

1

1

África do Sul

1

1

Filipinas

1

Equador

3

Argentina

1

1 2

República da Coreia

2

1

2

1

1

1

11

1

9 1

7 6

1

5 3 2 2

1

2

1 1

2

2

2 2

1

Guatemala

1

2

1

1

2

1

Arábia Saudita

2

Marrocos

1

República Árabe da Síria

2

Emirados Árabes Unidos

1

Tunísia

12 11

1

Azerbaidjão

Costa Rica

1

2

1 1

70

14

1

1

1

Armênia

4

1

Camarões Egito

1

1

1 1

1

1

Costa do Marfim Bangladesh

94

4

1

1

Peru

14

2 1

2 2 2

1

2

2

Nigéria

1

1

2

Paquistão

1

1

2

Nicarágua

1

Jordânia

1

Países c/ menos de 2 projetos Total

1

2

1

2

1

1

1

2

2

2

3

1

6

2

1

21

16

71

38

31

50

33

36

124

27

5

432

Fonte: UNFCCC, 2015b Sendo assim, não é possível afirmar que o modelo seja universal, pelo menos até que se tenha testado a sua adequação a mercados mais sofisticados, em amostras de projetos que declarem as dificuldades encontradas para sua implementação. À época do depósito desta tese, não era de nosso conhecimento a existência de um banco de dados que, como 19

o banco de dados de MDL, pudesse fornecer tais informações relativas aos países do Anexo I do Protocolo de Quioto, tendo sido consultados a Comissão da União Europeia, EUROSTAT, OECD, Banco Mundial, USEPA e a ONU. Com relação ao programa de Implementação Conjunta (JI), instrumento também submetido ao compromisso do Protocolo de Quioto, o relatório anual de 2015 mostrou que nos últimos três anos não houve qualquer movimentação no programa, tanto para registro quanto para pedido para emissões certificadas. Durante o período de 2008 a 2012, foram emitidos 872 milhões de toneladas de CO2eq. Dos 37 países envolvidos no programa, mais de 90% das reduções foram provenientes da União Soviética, Ucrânia, Lituânia e Romênia (385 projetos) (UNFCCC, 2015a). Como grande parte desses projetos não é relativa a resíduos, e em vista da retirada da União Soviética do Protocolo de Quioto, entendemos que acrescentar essa amostra à amostra de MDL neste trabalho seria improdutivo, tendencioso e não significativo. Recomendamos, entretanto, o estudo das barreiras desses países em pesquisas futuras, pois os compromissos assumidos na COP 21, em dezembro de 2015, remetem à grande possibilidade de os demais países terem obrigação de reduzir suas emissões (metas de mitigação), inviabilizando o MDL enquanto torna totalmente atraente a JI. Foi efetuada uma busca abrangente na regulação dos EUA e de países da União Europeia com vistas a diminuir as incertezas de sua aplicação nesses mercados (Mazur, 2010; OECD, 2007), mas, ainda assim, somente um teste empírico poderia confirmar a sua efetiva validade. Os resultados encontrados sugerem que o modelo é aplicável nos países desenvolvidos, nos quais predominam os modelos baseados em desempenho. Apenas a sua utilização talvez não se dê como nos países em desenvolvimento, mas como um modelo de apoio à tomada de decisão, assistente do modelo principal. Fica esta tarefa para pesquisas futuras. Resolvemos, então, elaborar um artigo e publicálo em uma revista internacional indexada na base ScienceDirect com o maior fator de impacto da área: BUFONI, André Luiz; OLIVEIRA, LUCIANO BASTO; ROSA, LUIZ PINGUELLI. The Declared Barriers of the Large Developing Countries Waste Management Projects: The STAR Model. Waste Management (Elmsford), no prelo, março de 2016.

2.6 PROTOCOLO DE QUIOTO Apesar de as aplicações futuras do modelo STAR, proposto nesta tese, serem independentes da continuidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo 20

de Quioto (MDL), a utilização do seu banco de dados para validar o modelo exige uma apresentação formal desse instrumento de política climática internacional. O Protocolo de Quioto é um acordo internacional adotado em 11 de dezembro de 1997 e implementado em 16 fevereiro de 2005 pelos países signatários (parties), que se comprometem a limitar ou reduzir em 5% a emissão média de gases de efeito estufa (GHG) registrada nesses países em 1990, os quais originalmente somavam 42 países industrializados, descritos no Anexo I desse Protocolo, com a obrigação de reduzir. Os detalhes e o funcionamento desse sistema foram definidos em 2001 (Marrakesh Accords) e passaram a vigorar para o período de 2008 a 2012, conhecido como CP1 (first commitment period). Em um segundo período (CP2), que compreende os anos de 2013 a 2020, os países signatários se comprometeram a reduzir em 10% suas emissões, com base nos valores de 1990 (UNFCCC, 2015d). Para facilitar o alcance dessa meta, a UNFCCC desenvolveu três mecanismos de mercado: um sistema de negociação de emissões (ETS), o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) e a implementação conjunta (IJ), sendo o MDL o mecanismo mais utilizado e mais abrangente dos países em desenvolvimento (UNFCCC, 2015c). Os países signatários do Protocolo de Quioto que não fazem parte do Anexo I (154) e que tenham implementado projetos que reduzam suas emissões de GHG podem negociar o abatimento das emissões com os países industrializados. Durante a vigência do Protocolo de Quioto, foram registrados 1.002 projetos de gestão de resíduos com potencial de redução de 87 milhões de toneladas de CO2eq em países em desenvolvimento, de um total de 7.685 projetos e 1,042 bilhão de toneladas de CO2eq (Figura 2. Distribuição dos projetos de MDL por escopo), que utilizaram os incentivos dos certificados de redução de emissões (CERs)(UNFCCC, 2015b). O setor de projetos de resíduos (13) é o segundo maior setor de Quioto em número de projetos registrados. Os CERs, um dos principais produtos das iniciativas de redução de carbono, “podem ser negociados, trocados e utilizadas pelos países industrializados para atingir parte de suas metas de redução de GHG” (UNFCCC, 2015c). Os créditos podem ser usados paritariamente (1:1) com o sistema de controle de emissões europeu (AAU), representando metade da meta do total de 1,6 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa do bloco (European Commission, 2015a). 21

Projetos de MDL por Escopo [2] Distribuição de Energia

8

[9] Produção de Metal

13

[11] Emissões Fugitivas Halon SF6

29

[7] Transporte

30

[14] Reflorestamento

57

[8] Mineração

84

[5] Ind. Quimica

116

[3] Demanda Energia

128

[10] Emissões Fugitivas Óleo e gás

159

[15] Agricultura

203

[4] Ind. Manufatura

372

[13] Resíduos

923

[1] Energia Ren. e Ñ Ren.

6428 ,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

Qtde 31 dez 2015

Figura 2. Distribuição dos projetos de MDL por escopo Em muitos casos, os CERs não são só o foco principal desses projetos, mas representam a única receita (Bufoni et al., 2015). Os projetistas são unânimes em declarar que, se não fossem os ‘créditos de carbono’, os “projetos jamais seriam implementados”. Temse, então, que, apesar das potenciais vantagens das atividades de redução, a falta de suporte técnico e a carência de suporte financeiro continuam sendo as maiores barreiras à implementação das iniciativas na maioria dos países em desenvolvimento (Barton et al., 2008; UNFCCC, 2008). As expectativas para o segundo período do protocolo são bastante diferentes (CP2, 2013-2020). Em 2012, os preços dos certificados entraram em colapso, e cerca do final de 2013 o número de transações propostas e o preço dos créditos alcançaram os menores valores registrados até então (UNFCCC, 2013), o mesmo acontecendo com o registro dos projetos como MDL (Figura 3. Grandes projetos de resíduos registrados como MDL). Em 2015, houve apenas um registro de MDL grande na área de resíduos, da indústria de compostagem. Participantes do mercado no final do CP1 em 2012 consideravam que os principais fatores que contribuíram para tal situação foram: (a) a crise de 2008, que restringiu a atividade econômica abaixo do previsto e fez com que a quantidade de emissões fosse superestimada em 12Gt; (b) foi permitido que as emissões da União Europeia (AAUs) 22

referentes ao CP1, já superestimadas, fossem transferidas para o CP2; e (c) países importantes como Rússia, Canadá e Austrália não se juntaram ao CP2 e se deligaram do programa (Point Carbon, 2012) (Figura 3. Grandes projetos de resíduos registrados como MDL). Desde 2012, a União Europeia tenta equalizar a oferta em seu sistema de comércio de permissões de emissões, estabelecendo até 2030 cortes de 43% com relação a 2005, o que, junto com várias outras mudanças, está renovando o interesse no mercado de créditos de carbono mundial (European Commission, 2015a). Mesmo assim, crescem as incertezas quanto ao registro futuro de projetos de MDL e mesmo quanto à implementação de aperfeiçoamentos nos projetos, mas também cresce a importância do estudo das barreiras existentes (Bufoni et al., 2015).

Grandes Projetos de MDL em Resíduos 140 120 100 80 60 40 20 0 2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Figura 3. Grandes projetos de resíduos registrados como MDL Fonte: UNFCCC, 2015b. Como esse estado de coisas tem impacto sobre os objetivos e o desenvolvimento deste estudo? Como veremos, as fases que envolvem o desenvolvimento de um modelo conceitual podem ser: o entendimento do sistema, formulação do problema, concepção, e formulação do modelo. Uma vez formulado o modelo, este deve ser testado, e o ‘redesenvolvimento’ tem início se houver incongruências com o entendimento do sistema (Batchelor, 1994; Golroudbary & Zahraee, 2015). Os 432 grandes projetos de resíduos registrados para obtenção dos CERs são o meio pelo qual testamos a adequação das premissas do modelo conceitual como simplificada “metáfora da realidade” (Hartmann, 2005), ainda mais em países nos quais os bancos de 23

dados a respeito são muito escassos (Inanc et al., 2004). Os problemas e restrições relativos a cada indústria e a cada barreira podem mudar. Sua existência, não. Por isso, seguindo uma metodologia qualitativa exaustivamente aplicada, de recursivamente repetir esse processo (Cho, 2006; Döös & Wilhelmson, 2012; Krippendorff, 2004), acreditamos que o modelo é suficientemente estável com ou sem a existência dos projetos de créditos de carbono (validade interna e confiabilidade). Sendo assim, após a reiterada reformulação do modelo, a situação dos mecanismos do Protocolo de Quioto foi muito importante, mas tem importância bastante reduzida para os objetivos deste estudo. 3 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO Quanto à importância do assunto, tendo em vista que os padrões de consumo são ainda insustentáveis, os ciclos de vida de produtos estão se tornando cada vez mais curtos (especialmente de equipamentos eletrônicos), a reciclagem tem limites (Asif, Rashid, Bianchi, & Nicolescu, 2015) e as políticas de redução, reciclagem e reuso têm taxas bastante modestas, a gestão de resíduos sólidos será, ainda por longo tempo, um assunto preocupante, global e continuamente retomado (Bartl, 2011, 2014). Nos países em desenvolvimento, em particular, os projetos de gestão de resíduos encontram inúmeros obstáculos, sejam eles públicos e privados. O contexto próximo, como a condição financeira ou particularidades do local, e o contexto distante, como fatores culturais e de infraestrutura, são considerados relevantes para moldar a intenção de comportamento de quem é responsável pela implementação de um bom sistema de gestão de resíduos. Como esta tarefa cabe, na maioria das vezes, ao setor público desses países, este detém a percepção das barreiras e das oportunidades de agir (Godfrey et al., 2013). 3.1 ESTUDOS ANTERIORES Nos últimos anos foram realizadas duas pesquisas abrangentes de revisão da literatura existente sobre o tema de gestão de resíduos (Allesch & Brunner, 2014; Singh et al., 2014). O trabalho de Allesch e Brunner (2014) objetivou investigar, categorizar e resumir os métodos de avaliação das ferramentas que deram suporte às decisões em diversos níveis na gestão de resíduos. Em 151 estudos revisados, foram levados em conta os objetivos, as metodologias, sistemas e resultados dos trabalhos. Segundo o estudo, um terço dos 24

trabalhos tem como objeto de investigação todo o sistema de gestão de resíduos em nível municipal, regional ou nacional, porque geralmente coincidem com os limites administrativos dos sistemas investigados. Apesar disso, as palavras barreira e restrição não são citadas uma única vez em todo o documento. Singh et al. (2014), por outro lado, defendem uma abordagem mais ampla do sistema de gestão de resíduos, e afirmam que as barreiras à implementação e ao desempenho das iniciativas estão entre os futuros desafios dos sistemas de gestão de resíduos. É especialmente consonante com os objetivos deste trabalho a afirmativa de que “a gestão de resíduos precisa de uma abordagem mais sistêmica que ataque as raízes dos problemas” (Singh et al., 2014). Nossa revisão da literatura pertinente mostra esse paradoxo. Não encontramos trabalhos cujos objetivos sejam as restrições, barreiras ou obstáculos à implementação de projetos de gestão de resíduos. Quando são abordados os problemas, estão em um contexto específico referente à implementação de um estudo de caso simples, e sua abordagem é ‘en passant’ (p. ex., Wagner & Raymond, 2015). Modelos conceituais não são novidade na área de resíduos (Schoot Uiterkamp, Azadi, & Ho, 2011). Esses modelos foram desenvolvidos com o objetivo de “apoiar decisores que têm de lidar com ambientes complexos para manejar com o lixo de [...] maneira mais eficiente” (Eriksson & Bisaillon, 2011). Ou seja, os modelos sempre envolvem a melhor gestão dos recursos, mas não encontramos em nossa pesquisa nenhum modelo que represente ou tenha como foco as restrições, gargalos, barreiras nem os problemas exógenos encontrados pelos gestores, ou reguladores, para melhorar a eficiência do projeto ou do sistema como um todo (Colwyn Jones & Dugdale, 1998; Goldratt & Cox, 1984; Şimşit et al., 2014). Este fato é um dos componentes de originalidade desta tese. Recentemente, um trabalho bastante abrangente, de 346 páginas, sobre resíduos foi publicado pela UNEP em parceria com a International Solid Waste Association (ISWA), intitulado Global Waste Management Outlook (UNEP, 2015). Nesse trabalho, os autores apresentam a construção de indicadores (subitem 2.5.3), em que recomendam a adoção de modelos baseados em desempenho e na análise do ciclo de vida (18 referências, p. 34), em especial o modelo Gestão Integrada Sustentável de Resíduos (Integrated Sustainable Waste Management, ISWM). Em sua revisão, assim como na nossa, não foram encontrados modelos que objetivem o ataque às restrições do sistema. 25

Por isso talvez, ainda exista uma hegemônica aplicação do modelo LCA (life-cycle assessment) com pelo menos 200 aplicações na União Europeia até 2014 (Eriksson & Bisaillon, 2011; Gentil et al., 2010; Laurent, Bakas, et al., 2014; Laurent, Clavreul, et al., 2014). A aplicação desse modelo, todavia, devido à complexidade e à grande quantidade de informações necessárias, requer um ambiente regulatório sofisticado, e raramente é feita em países em desenvolvimento (Inanc et al., 2004; Martinez-Sanchez, Kromann, & Astrup, 2015; UNEP, 2015). Existem ainda dois outros métodos muito utilizados para formulação de modelos (Golroudbary & Zahraee, 2015): a análise de custo e benefício (CBA) e a análise multicritério (MCDM). A CBA tenta quantificar comparativamente custos e benefícios econômicos, mas apresenta as tradicionais dificuldades de valoração de itens não comercializados em mercados desenvolvidos, a limitação de abrangência dos impactos e o sempre presente problema da taxa de desconto a ser adotada. A MCDM é um processo que avalia alternativas de solução para um problema, mas os modelos apresentam o inconveniente de geralmente não abordarem dimensões como prevenção e minimização de resíduos, e de as ponderações dos indicadores, dos quais dependem os resultados encontrados, serem muito subjetivas e, por isso, arbitrárias (Karmperis et al., 2013). O modelo UNFCCC (2009), que foi utilizado como ponto de partida para a construção do presente modelo, apresenta uma ferramenta para avaliação das barreiras aos projetos propostos para registro como MDL. Este instrumento de mitigação da emissão de gases de efeito estufa previsto no Protocolo de Quioto (UNFCCC, 2012) apresenta uma lógica de fluxograma com um modelo passo-a-passo (stepwise). Esta base de dados é reputada uma das mais importantes fontes de informação sobre projetos de resíduos nos países em desenvolvimento (Bufoni et al., 2015; Plochl, Wetzer, & Ragossnig, 2008), nos quais os bancos de dados e inventários de informações sobre resíduos são ainda muito escassos (Inanc et al., 2004). Não obstante servir muito bem ao objetivo a que se destina e resolver o problema do processo decisório de escolha ou rejeição dos projetos que foram submetidos para registro na entidade, o modelo passo-a-passo não representa fidedignamente a complexidade e as inter-relações existentes no sistema de barreiras que impedem a implementação dos projetos de MDL.

26

Além disso, após a revisão de literatura e a análise dos 432 documentos de planejamento de projeto (PDD’s), ficou evidente que: (1) o modelo não incentiva a distinção e a adequada classificação de cada tipo de barreira; e (2) os projetistas são efetivamente inconsistentes nesta classificação. O resultado dessa investigação mostra que os projetistas atribuem bases causais erradas à origem das barreiras, induzidos pelos conceitos (e exemplos) descritos nos manuais. Outros trabalhos existentes atendem a fins mais específicos, como, por exemplo, a análise das barreiras com vistas à concessão de crédito (World Bank, 2008) ou “os fatores que afetam os diversos estágios da gestão de resíduos” sólidos urbanos (Guerrero et al., 2013, p. 220; Mazur, 2010). Todos esses trabalhos, no entanto, abordam o problema como um conjunto de fatores isolados, e alguns o fazem de maneira simplista, também não conseguindo traduzir a complexidade e a dinâmica do sistema. Este trabalho é o próximo passo do processo natural resultante do esforço de pesquisa que vem sendo desenvolvido, iniciado em 2011, e que conta com as seguintes publicações: CARVALHO, Márcia da Silva; ROSA, L. P.; BUFONI, André Luiz; FERREIRA, Aracéli Cristina de Sousa. The issue of sustainability and disclosure. A case study of selective garbage collection by the Urban Cleaning Service of the city of Rio de Janeiro, Brazil COMLURB. Resources, Conservation and Recycling , v. 55, p. 1030-38, CARVALHO, M. S.; ROSA, L. P.; BUFONI, A. L.; OLIVEIRA, L. B. Putting solid household waste to sustainable use: a case study in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Waste Management and Research , v. 30, p. 1312-19, 2012.

Os resultados encontrados nesses trabalhos (Carvalho, Rosa, Bufoni, & Ferreira, 2011; Carvalho, Rosa, Bufoni, & Oliveira, 2012) apontaram dificuldades na obtenção de informações para que se possa avaliar a viabilidade dos projetos de resíduos, bem como problemas em identificar, na literatura, quais são e como se relacionam as barreiras que impedem a realização de projetos desse setor, incialmente ainda sob o foco econômicofinanceiro, mas também do ponto de vista ambiental. Esses temas foram publicados nos seguintes artigos (Bufoni et al., 2014, 2015): BUFONI, André Luiz; CARVALHO, Márcia da S.; OLIVEIRA, LUCIANO BASTO; ROSA, Luiz Pinguelli. The Emerging Issue of Solid Waste Disposal Sites Emissions in Developing Countries: The Case of Brazil. Journal of Environmental Protection (Print), v. 5, p. 888-96, 2014.

27

BUFONI, André Luiz; OLIVEIRA, Luciano Basto; ROSA, Luiz Pinguelli. The financial attractiveness assessment of large waste management projects registered as clean development mechanism. Waste Management (Elmsford), v. 43, p. 497-508, June 2015.

O último artigo citado (Bufoni et al., 2015) recomenda que sejam pesquisadas as barreiras que obstam a execução dos projetos de resíduos. Tal pesquisa foi realizada pelo mesmo autor, tendo sido a versão do artigo aceita para publicação na mesma revista, recebendo o aval da comunidade acadêmica mundial. BUFONI, André Luiz; OLIVEIRA, LUCIANO BASTO; Rosa, Luiz Pinguelli. The Declared Barriers of the Large Developing Countries Waste Management Projects: The STAR Model. Waste Management (Elmsford), no prelo, março de 2016.

Por fim, em seus resultados, Allesch e Brunner (2014, p. 468) recomendam que seja claramente definida a metodologia utilizada e a quem se destina a avaliação, deixando claro que a metodologia predominante depende dos grupos de interesse (stakeholders)alvo, do objeto de investigação e dos aspectos abordados (econômicos, ambientais ou sociais). Por esse motivo, abordaremos este assunto no próximo item. 3.2 STAKEHOLDERS-ALVO Neste item dissertamos sobre a quem interessa este trabalho, ou para quem ele pode ser importante. Segundo a UNEP (2015), a gestão de resíduos envolve muitos interessados direta e indiretamente, os quais veem o sistema sob muitas perspectivas e participam por inúmeras razões. Em seu relatório, a UNEP (2015, p. 169 item 4.7) divide os stakeholders em geradores, usuários do serviço, reguladores e operadores, com base em duas dimensões: capacidade de influência e interesse. Neste trabalho, os principais alvos são os stakeholders que têm grande influência (no processo de tomada de decisão), havendo grande interesse ou não, já que neste último caso basta “mantê-los informados para conhecer suas perspectivas para evitar uma ruptura desnecessária”. Revisitando o trabalho de Allesch e Brunner (2014, p. 470), verificamos que o maior interessado nas pesquisas sobre o sistema de gestão de resíduos é o Governo, seguido em importância pelos operadores do sistema (concessionários e outras entidades privadas) e, por fim, por estudiosos e pesquisadores. Suas conclusões atestam que: Os políticos, partes interessadas e decisores em geral, exigem resultados que podem conseguir com pouco esforço. Se textos, figuras e tabelas informativos e convincentes são produzidos de forma transparente e consistente, então os resultados da avaliação são susceptíveis de ter um impacto maior (Allesch & Brunner, 2014, p. 472).

28

Considerando o que foi exposto e os resultados deste trabalho, verificamos que o maior beneficiado potencial pelo desenvolvimento de um modelo de avaliação das barreiras a projetos de resíduos é, efetivamente, o Governo e, por delegação, a agência reguladora (grande influência e grande interesse). Isto ocorre principalmente em países em desenvolvimento, nos quais o sistema de gestão é guiado por questões sanitárias e de saúde pública, e a participação da iniciativa privada no sistema não é proporcionalmente tão grande, justamente por causa das barreiras que são o foco deste modelo (Bleck & Wettberg, 2012; Bufoni et al., 2014; Marshall & Farahbakhsh, 2013). Um modelo representativo do sistema de barreiras para um órgão regulador serviria de referência para o diagnóstico da situação atual (linha de base, ou baseline) das restrições à implementação de projetos nesta área, ajudando a estabelecer objetivos e indicadores, planos e políticas, e aferir metas e resultados. Por isso, para o Governo o modelo seria mais que uma ferramenta a ser utilizada para o processo de tomada de decisão: seria parte integrante da estratégia do processo de desenvolvimento das políticas para o setor, utilizando, por exemplo, o processo da teoria das restrições (Colwyn Jones & Dugdale, 1998; Goldratt & Cox, 1984; Şimşit et al., 2014). Uma busca abrangente nos organismos internacionais também não encontrou qualquer representação gráfica do sistema de barreiras que obstam esse tipo de projeto (European Comission, 2015; Mazur, 2010; UNFCCC, 2012; USEPA, 2014a; World Bank, 2008), o que faz com que esse modelo passe a ser de interesse de organismos internacionais para efeito de avaliação de políticas públicas dos países que são seus signatários. Uma maior atenção dos possíveis usos deste modelo será tratada no item 7.2 USOS ESPERADOS DO MODELO. As demais partes interessadas e tomadores de decisão em geral poderiam utilizar o modelo para acompanhar o desenvolvimento de barreiras-chave relacionadas com o seu grupo de interesse, caso o regulador não adote o modelo ou não o divulgue. Contudo, o uso mais comum ainda seria durante o estudo do plano de negócios, decisões de investimento ou de concessão de crédito, como, por exemplo, na identificação de fraquezas e ameaças na clássica análise SWOT (Jackson, Joshi, & Erhardt, 2003). Nesses casos, a atenção dos grupos não estaria homogeneamente distribuída entre as entidades do modelo, mas as inter-relações das barreiras divulgadas poderiam contribuir para antecipar efeitos ocasionados por outras barreiras.

29

Quanto à importância do modelo e desta pesquisa para a comunidade acadêmica e para os pesquisadores, além de trazer luz a pontos obscuros e definir conceitos indistintos, o trabalho apresenta novos conceitos que precisarão ser desenvolvidos, parametrizados e mensurados. Por isso, este trabalho pode ser utilizado como ponto de partida para uma extensa linha de pesquisas, tema que será abordado especificamente no item 8 PESQUISAS FUTURAS. Por fim, foi identificado durante este estudo que parte da comunidade acadêmica participa ativamente no desenvolvimento de políticas e em prol da melhora do ambiente regulatório. Ora, a identificação sistematizada dos obstáculos pode estabelecer uma nova linguagem e, assim, ajudar este tipo específico de stakeholders a se comunicar com os reguladores nas demandas de seus interesses, e vice-versa. É bom lembrar que a ausência de recursos humanos capazes de desempenhar esse papel é uma das barreiras apontadas no modelo proposto. 4 METODOLOGIA 4.1 PESQUISA QUALITATIVA Este trabalho se utiliza da estratégia qualitativa para análise dos dados coletados. Benbasat (1984) mostrou que os objetivos do pesquisador e a natureza do tópico de pesquisa influem na decisão sobre a escolha de uma estratégia, e que não existe uma estratégia adequada para qualquer tipo de pesquisa. Existe uma longa tradição no uso de métodos qualitativos nas ciências administrativas, em parte potencializado pela insatisfação geral com o tipo de informação fornecido pelas técnicas quantitativas (Benbasat, Goldstein, & Mead, 1987). Essa insatisfação veio da complexidade dos métodos multivariáveis, das restrições das distribuições, da necessidade de grandes amostras exigidas e da dificuldade de interpretar os resultados dos estudos. Obviamente, a fraca “capacidade estatística” dos estudos realizados ajudou a formar essa opinião (Baroudi & Orlikowski, 1987). O’Grady (1982) já afirmava que ciências comportamentalistas geralmente produzem pequenas medidas de explicação para as variâncias, produto da operacionalização e da imperfeição da fidelidade de representação das proxies escolhidas para substituir as variáveis, sugerindo que, para esses casos, pesquisas qualitativas são mais adequadas. Creswell (2013) lembra que os métodos quantitativos eram uma exigência científica do início do século XX, de matiz experimental e positivista, modelos que os filósofos 30

criaram e depois abandonaram nas ciências sociais (substituídos pelo construtivismo, pelo transformismo e pelo pragmatismo). Não vamos aqui nos estender enumerando as vantagens e desvantagens da pesquisa qualitativa, mas apenas afirmar que Creswell (2013) define bem a metodologia deste trabalho quando afirma que: Ao contrário de uma pesquisa quantitativa que parte de teorias definidas para testar o relacionamento entre as variáveis, a pesquisa qualitativa é uma abordagem para explorar e entender o significado dos indivíduos ou grupos relativos a um problema social ou humano. O processo envolve emersão de perguntas e procedimentos, dados coletados no ambiente do participante, análises de dados construindo temas particulares para generalizações, e o pesquisador fazendo interpretações do significado dos dados. Seus relatórios finais escritos tem estrutura flexível. Aqueles engajados neste tipo de pesquisa apoiam o método indutivo de pesquisar, um foco no significado individual, e na importância de mostrar a complexidade da situação (Creswell, 2013).

A esta altura, uma preocupação recorrente nesse tipo de pesquisa merece comentário: a validade interna e a confiabilidade dos resultados encontrados (Cho, 2006; Chowdhury, 2014; Krippendorff, 2004; Yin, 2013). Cho (2006), após apresentar a crítica dos “transformalistas” – segundo quem os métodos vigentes para verificação da validade interna de trabalhos qualitativos são inadequados e deveriam ser melhorados –, apresenta duas técnicas que reputa serem ‘cruciais para dar credibilidade’ ao estudo qualitativo: (a) a checagem, que consiste em um movimento recursivo de revisitar inúmeras vezes o conteúdo, os conceitos em desenvolvimento e a literatura; e (b) a triangulação de evidências por meio do estabelecimento de vários métodos de coleta de dados. Esta última técnica é recomendada também por Yin (2013) e, mais especificamente neste assunto de resíduos, abordada por Döös (2012). Coincidentemente, é também o que indica a literatura sobre modelagem e simulação de sistemas, que veremos mais adiante (Asif et al., 2015; Eriksson & Bisaillon, 2011; Golroudbary & Zahraee, 2015; Hartmann, 2005). Neste trabalho, para atendimento dessa necessidade, foram cumpridas várias etapas e realizados procedimentos que serão descritos adiante, no item sobre metodologia, mas que conceitualmente consistem em uma prática recorrente de (a) pesquisa dos modelos, (b) revisão da literatura, (c) coleta e análise de dados, e (d) discussão em grupo focal (seminários e exame de qualificação). As revisões do modelo foram realizadas pelo menos quatro vezes: (1) no estudo de familiarização (versão qualitativa do estudopiloto) (Whiteley & Whiteley, 2006), (2) para a elaboração da versão do artigo 31

internacional (Bufoni et al., 2015), (3) depois da realização do seminário, com as contribuições feitas, e (4) para a elaboração do presente documento. Também ficará claro, no próximo item, que o software utilizado para análise de conteúdo facilitou outros aspectos para assegurar a validade das conclusões (Smyth, 2006). 4.2 ANÁLISE DE CONTEÚDO ASSISTIDA Este trabalho utilizará a metodologia de análise qualitativa de conteúdo assistida por computador (CAQCA, de computer assisted qualitative content analysis) para efetuar a análise das barreiras nos projetos de MDL citados no item 4 dos objetivos desta tese. A CAQCA é uma metodologia conhecida, amplamente utilizada e aceita em ciências humanas e ciências sociais aplicadas. O conceito de CAQCA consiste em interpretar variações identificando diferenças e similaridades que se expressam como categorias e temas em vários níveis de abstração (Egberg Thyme, Wiberg, Lundman, & Graneheim, 2013). A metodologia envolve um movimento recursivo no qual: é efetuada uma busca superficial para seleção das unidades em análise (fenomenológicas); e, para aqueles identificados, é aplicada uma pesquisa da semântica e das possíveis interpretações e relações provenientes da leitura do fragmento selecionado (hermenêutica) (Döös & Wilhelmson, 2012). Além disso, a abordagem é relevante para o estudo das impressões da gestão estratégica utilizadas nos relatórios corporativos (Talbot & Boiral, 2015). A utilização da CAQCA como técnica de análise qualitativa de dados (QDA) tem sido extensamente documentada na literatura sobre métodos de pesquisa e é reputada como capaz de apresentar inúmeras vantagens (Chowdhury, 2014; Döös & Wilhelmson, 2012; Krippendorff, 2004; Mackensen & Wille, 1999; Peters & Wester, 2006). A CAQCA tem, por exemplo, o potencial de reter e mostrar fatores contextuais, estrategicamente conduzidos mas sistematicamente flexíveis, a partir dos quais os pesquisadores tiram conclusões com base não apenas em uma metodologia de pesquisa robusta, mas em uma sensibilidade à mudança do contexto em que a pesquisa é realizada (Chowdhury, 2014, p. 1141). Krippendorff (2004) acredita que se deva apenas tomar cuidado com a sobreposição de interpretações de partes textuais contíguas, no caso da análise de conteúdo em que se utlizam documentos. Bowen (2009) destaca que os documentos utilizados na análise servem a uma variedade de propósitos, entre eles: 32

1. Proporcionam uma visão histórica do assunto e do seu desenvolvimento – em que foi possível verificar melhora da qualidade dos relatórios divulgados, aumento da precisão e da transparência, bem como modificação das barreiras em si. 2. Podem sugerir novas perguntas e situações que devem ser observadas – situação amplamente verificada nas alterações que ocasionaram no modelo inicialmente proposto, configurando um processo genuíno de construção de hipóteses e de teorias por dedução. 3. Servem como dados suplementares de pesquisa – o que foi realizado como suplemento à revisão da literatura para embasar a construção do modelo proposto. 4. São uma maneira de acompanhar mudanças e o desenvolvimento – que tornou possível a descrição da amostra e os padrões apresentados nesta pesquisa. 5. Corroboram evidências de outras fontes – a convergência de evidências apresenta maior confiança e maior credibilidade dos resultados sugeridos. O desenvolvimento de softwares para a realização de pesquisas qualitativas (QDAS, de qualitative data analysis software) para tratar grandes quantidades de dados produzidos em velocidade quase real teve inúmeras implicações para as instituições de ensino e para o trabalho doutoral. É possível afirmar que parte das pesquisas em que se utilizou essa assistência seria impossível ou impraticável, o que de certo modo explica o fato de que em algumas Universidades essa ferramenta seja fornecida de maneira institucional (Davidson & Jacobs, 2008). A utilização de sistemas computacionais especialmente desenvolvidos para análise de conteúdo torna possíveis o manejo e a análise de uma grande quantidade de dados, ferramentas de busca e codificação, além de inúmeras outras estatísticas para o teste de hipóteses e o desenvolvimento de conceitos (Mackensen & Wille, 1999).

Neste

trabalho usamos uma cópia registrada do software NVivo 10® como QDAS que embasa suas atividades. A utilização de QDAS para análise de uma grande quantidade de dados também aumenta a probabilidade de que os resultados sejam significativos, especialmente, segundo (Smyth, 2006), quanto a:

33



Credibilidade (validade interna, confiabilidade) na resolução de problemas, sendo consistente e replicável, possibilitando que o pesquisador entenda o contexto e teste conceitos, mantendo suas reflexões pessoais separadas dos dados coletados



Verificabilidade (objetividade) e dependência (confiabilidade externa), pois permite que o pesquisador, após ter feito interpretações, volte ao ambiente para confirmá-las no decorrer da investigação



Transferibilidade (validade externa), separando ocorrências específicas onde as ocorrências são semelhantes ou divergentes para que o pesquisador possa avaliar a capacidade de generalização do estudo



Auditabilidade (validade interna), pois o software torna toda a amostra e todos os procedimentos aparentes a qualquer pesquisador que os deseje verificar.

No estudo-piloto de familiarização não tínhamos a cópia do software (Whiteley & Whiteley, 2006), o que nos obrigou a ler todos os 432 projetos, tarefa que levou cerca de seis meses (Bufoni et al., 2015). Por um lado, essa faina foi muito importante por nos ter levado a perceber as barreiras enfrentadas e podermos, com mais segurança, descrever a amostra. Por outro, bem familiarizados com a amostra, acreditamos que o software nos poupou importantes recursos de tempo e esforço, que foram destinados a outras tarefas pertinentes à pesquisa. 4.3 AMOSTRA Neste estudo, as unidades significativas serão os 432 projetos de grande porte de MDL apresentados entre os anos de 2004 e 2014, como parte do processo de registro para a obtenção dos certificados (CERs). A amostra será selecionada, como antes, por meio da ferramenta de pesquisa de projetos registrados do site da UNFCCC com a chave “Waste handling and disposal (13)” como setor, tamanho: grande (large) (Bufoni, Oliveira, & Rosa, 2015). A primeira varredura com o software NVivo® chegou ao resultado mostrado na Tabela 2. Fragmentos selecionados para análise Tabela 2. Fragmentos selecionados para análise Barreiras Indústria Docs Aterro Esterco

Proj.

PDDs

432 246 60

254 99 55

Fin.

RH

Reg.

Tec.

88 36 3

78 135 17

71 6 79

137 99 30

34

Total de Fragmentos 890 276 129

Barreiras Indústria

Proj.

PDDs

Efluentes Compostagem RDF Incineração Gaseificação Total

55 23 5 41 1 432

47 17 4 31 1 254

Fin.

RH

Reg.

Tec.

77 12 4 22 0 154

71 9 0 32 0 264

50 3 0 0 0 138

137 47 4 17 0 334

Total de Fragmentos 335 71 8 71 0 890

Fonte: elaborada pelo Autor. Note-se que 254 documentos continham barreiras ou foram selecionados pelo software. Alguns projetos eram muito simples, como a queima de gás de aterro em queimadores (flares), e não tinham outras receitas. Em outros documentos as informações eram hachuradas, declaradas “confidenciais”, ou eram mal elaborados mesmo, não fazendo menção a barreiras. No tocante à tipologia das barreiras e à incidência das citações, os resultados não são significativos em termos quantitativos, já que fragmentos como RH, treinamento e tecnologia podem aparecer várias vezes em um único documento. Isso explica o fato de o total de fragmentos selecionados ser maior que o número de projetos. Entretanto, a quantidade maior de observações em RH e tecnologia de algumas indústrias pode indicar certa preocupação com treinamento ou reforçar características técnicas do discurso. Além disso, são significativos os resultados em que não houve observações, principalmente o caso dos incineradores na China, porque todos os incineradores da amostra são registrados naquele país, e o que parece é que não existem barreiras regulatórias. Mais adiante, veremos o que de fato ocorre. Para fins de publicação dos dois trabalhos internacionais relacionados com esta tese (Bufoni et al., 2015), foram realizadas análises pormenorizadas da amostra de todos os projetos, com vistas à extensão da compreensão do funcionamento da indústria de resíduos no mundo, considerando-se também a sua abrangência geográfica. O resultado dessas análises serão descritos a seguir. O próximo item também é fundamental para a compreensão das barreiras tecnológicas descritas no item sobre revisão e apresentação dos dados, e, por isso, vamos utilizá-lo como referência ao tratarmos da descrição das barreiras tecnológicas.

35

4.3.1 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA Na América do Sul, África e Oriente Médio, os projetos de gás de aterro sanitário predominam (90%), e por isso não foram indicados no mapa. Os projetos referidos predominam mundialmente, mesmo nos países listados no Anexo I do Protocolo de Quioto (OECD, 2015a). No Equador, Brasil e México, os projetos de resíduos da pecuária correspondem a quase 80% de todos os registrados desse tipo. No Sudeste Asiático, a compostagem e a digestão anaeróbica de efluentes industriais correspondem a 78% dos projetos desenvolvidos na Tailândia, e a metade daqueles desenvolvidos no Vietnã, Indonésia e Malásia. A China e a Índia são os países que apresentam alguma diversidade quanto ao tipo de projetos. Entretanto, a China experimentou um aumento nos projetos de incineração (39%) em substituição ao gás de aterro sanitário (48%), enquanto a Índia preferiu a compostagem e RDF para reduzir a disposição final em aterros sanitários (55%). A análise de custo-benefício e a composição do lixo fazem da compostagem a prática mais atraente na África subsaariana (Couth & Trois, 2012) (Figura 4).

Incineradores

RDF

Animais Efluentes Compostagem

Figura 4. Indústrias de resíduos (MDL) O maior projeto de WTE é o de incineração de resíduo sólido urbano denominado Shenzhen Baoan Laohukeng Stage II Municipal Solid Waste Incineration Project (60MW; 6945). Digno de nota é o projeto de manufatura e utilização de biocarvão em Stutterheim, na África do Sul (8369 - Manufacture and utilization of a biocoal 36

Briquette/Pellet Manufacturing Unit), que vende para consumidores biocarvão de aparas da indústria de madeira para substituição da utilização de combustíveis fósseis em fornos e caldeiras. Para uma referência de complexidade em projetos de utilização de gás de aterro sanitário, veja-se o Doña Juana Landfill Gas-to-Energy Project, na Colômbia (2554). O projeto envolve oito áreas de aterro, que produzem gás de aterro que é utilizado em seis fornos de fábricas de tijolos, e em indústrias de cerâmica. O projeto é bastante detalhado e tem como associados países como Colômbia, Espanha, Suíça e Noruega. Há três casos de combustível derivado de resíduos (RDF, de refuse derived fuel) na Índia, os quais produzem eletricidade por turbinas a vapor ou vendendo combustíveis diretamente ao consumidor (2378, 7790 e 9272). Existe apenas um projeto de gaseificação, localizado no Sri Lanka (9104). Os projetos de resíduos sólidos urbanos focam em aterros controlados e sanitários. Os projetos mais comuns são os de gás de aterro, correspondendo a 72% do total de projetos. Em geral, esses projetos são divididos em fases, sendo que o gás é (0) ventilado (linha de base mais comum); (1) apropriadamente queimado (em queimadores); ou (2) usado para gerar energia elétrica ou calor, ou conectado diretamente à rede. A fase 1 é sempre considerada, podendo utilizar o tratamento de chorume por combustão submersa de dois estágios (SCE) ou processos de evaporação convencionais (0096, 0851, 1925 e 6804) (Yue, Xu, Mahar, Liu, & Nie, 2007). A fase 2 é tratada separadamente, e pode ou não ser implementada, a depender das incertezas que a produção do gás no local envolve (El-Fadel, Abi-Esber, & Salhab, 2012; Han, Qian, Long, & Li, 2009), do preço da energia elétrica e de outras barreiras (3677, 5402, 6363, 8360). Somente em raros casos é que a separação e a venda de recicláveis in situ são consideradas (6486). De acordo com a literatura, a compostagem e digestão anaeróbica são as duas melhores opções para a efetiva redução das emissões de metano de resíduos sólidos urbanos em países em desenvolvimento (Barton et al., 2008; Rogger et al., 2011), mas apenas três casos utilizam a digestão anaeróbica para recuperar o gás da fração orgânica do resíduo sólido (0938, 2487 e 6254), por causa de barreiras econômicas, tecnológicas e regulatórias (Tayyeba, Olsson, & Brandt, 2011). Outras cinco utilizam: compostagem de maneira integrada (2778, 2867 e 5556), compostagem com incineração (6680) ou escapamento para as turbinas a vapor (9413). Somente dois projetos usam turbinas a 37

vapor para produzir energia elétrica (1123, 9413). Todos os outros usam motores a combustão. Um aterro sanitário evita a produção de gás via aeração in situ (3313) (Ritzkowski, Heyer, & Stegmann, 2006). Projetos de Gestão de Resíduos Animais (AWMS, de Animal Waste Management Systems) geralmente envolvem muitas fazendas, tal como o projeto Eco Energy Beer Tuvya (5999) em Israel, com mais de 150 propriedades, e vários tipos de digestores anaeróbicos. De acordo com as diretrizes do IPCC (2006 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, vol. 4: Agriculture, Forestry and Other Land Use, capítulo 10, Tabela 10.18), existem 14 diferentes tipos de cenários possíveis para as atividades desses projetos, e esses cenários são sempre avaliados como possíveis cenários de linha de base e como atividades propostas (8508). A típica linha de base desses projetos (BAU) são lagoas anaeróbicas descobertas. Em muitos casos, “esta alternativa está em conformidade com as políticas locais e nacionais” (7018), enquanto a atividade principal proposta nesses projetos inclui a produção de biogás, com um digestor anaeróbico para produção de combustível usado em motores a gás, bem como o posterior tratamento aeróbico de resíduos (p. ex., lodo ativado). Esta alternativa é indicada como a mais vantajosa, porque permite a produção de calor para a operação do digestor anaeróbico (Prapaspongsa, Poulsen, Hansen, & Christensen, 2010). Nos projetos de efluentes, em que as lagoas anaeróbicas descobertas também são o cenário da linha de base, a atividade proposta pelos projetos é tipicamente a cogeração com caldeiras na Tailândia (1040, 2148, 2970, 4155, 6241 e 8874), Malásia (2427, 3686 e 4611) e Indonésia (1176, 4265, 4379 e 4678). Os resíduos são provenientes da indústria de mamona (jatropha), melaço, vinhaça, batata-doce, tapioca, mandioca e, principalmente, de óleo de palma (POME e EFB). Em alguns casos, os projetos ainda consideram a produção de energia por meio de motores a gás (1737, 2144, 6565, 7262, 8874 e 9245) ou turbinas a vapor (8593). O tratamento aeróbico é raro (8146) (EspañaGamboa et al., 2011; Khalid et al., 2011). A tecnologia utilizada de modo mais recorrente para a construção dos digestores é o reator mesofílico Upflow Anaerobic Sludge Blanket (UASB) (p. ex., 4155, 4265, 4291 e 5364), possivelmente por causa de sua “capacidade de manter a suficiente quantidade de biomassa ativa” (Khalid et al., 2011; Sakar, Yetilmezsoy, & Kocak, 2009). Outras tecnologias tidas como adequadas foram: Covered Lagoon Bio-Reactors (CLBR), Internal Circulation Reactors (IC Reactor) (3759), Closed Continuous-Flow Stirred 38

Tank Reactors (CSTR) (2181, 3686 e 9115), Sequential Batch Reactors (SBR) (2185), Anaerobic Baffled Reactors (ABR) (2110), Modified Anaerobic Baffled Reactors (MABR) (8593), High Concentration Sludge Reactors (HCSR) (5518), Glass-Fused-ToSteel Tanks (5105), Continuous Mixed Tank Reactors (CMTR) (6565), Expanded Granular Sludge Beds (EGSB) (4291, 6241) e Multi-Internal Circulation Reactors (MIC) (6988). É comum também um projeto usar mais de uma tecnologia (9045). Não é intenção deste trabalho estender-se na análise dos aspectos técnicos de cada uma dessas tecnologias, o que pode ser encontrado na literatura específica ou nos projetos citados, os quais estão listados no Anexo I. As escolhas mais comuns para produção de energia elétrica usando biogás são motores a combustão interna de 500 kW a 1500 kW (p. ex., 8205), das seguintes marcas: Stamford, MAN, MTU, Guascor, Marelli, Shangdong Shengdong, Luoyang Zhongzhong, Caterpillar e, o mais comum, GE Jenbacher. Estas máquinas foram desenhadas especificamente para trabalhar com sistemas de biogás (50% CH4) e caracterizam-se por uma particular eficiência, durabilidade, confiabilidade e baixa emissão de poluentes (5518). Contudo, os motores são caros e requerem padrões elevados de combustível, cujo custo pode ser proibitivo. Ocorre, então, que muitos projetos postergam a inclusão dos geradores, ou simplesmente desistem (p. ex., 0008, 0912, 2518, 4175, 4682 e 5619). Ademais, alguns projetos não informam quais são os fabricantes dos motores (1505, 4316 e 5861). Em geral, vários conjuntos de pequenos geradores (de 3 a 32) são preferidos devido à flexibilidade de se ajustarem à curva de produção de gás do projeto (0052, 0164, 0373, 0822, 2785, 3483, 3370, 4211 e 8508). O primeiro projeto de incineração registrado veio da China em setembro de 2010 (3525). A China é o país-anfitrião de todos os 39 projetos de incineração da amostra, com exceção do Baku Waste to Energy Project, no Azerbaidjão (7658), e do Barueri Energy CDM Project, no Brasil (8128). Entretanto, muitas incertezas cercam os dois incineradores “estrangeiros”, que não se tornaram operacionais e têm seus documentos de registro bastante incompletos. A esse respeito veja-se, por exemplo, o fato de que nenhum apresenta qualquer informação financeira. A capacidade das caldeiras dessa indústria varia de 12MW a 60MW, com o emprego de 1 a 4 turbinas a vapor. De acordo com a literatura, essas turbinas são de tamanho médio (