sociedade na construção política do país, nasce a Primeira República, também
... dos limites que a sociedade excludente e oligárquica da Primeira República ...
XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 17 a 21 de outubro.
A REPÚBLICA BRASILEIRA EM VERSO E PROSA (1989-1930) Kalhil Gibran Melo de Lucena1, Maria Ângela de Faria Grillo2
Introdução No século XIX o Brasil experimentou sessenta e sete anos de governo Imperial, nesse período destaca-se a gestão do imperador Dom Pedro II, que a partir da Guerra do Paraguai passou a ter uma relação difícil com a elite econômica do país. A guerra serviu de dispositivo de diferenças entre os militares e o Estado. A partir da década de 1870 a imigração europeia só aumentava no Brasil. As pressões do capitalismo mundial forçavam o país a passar por transformações que não tinham afinidades com o então sistema de governo, assim as oligarquias paulistas e mineiras passavam a desejar o fim da centralização do poder Imperial (CARONE, 1988). O novo regime nascia em meio a dúvidas, – Como governar o país? Quem assumirá a complexidade do cotidiano político, homens comuns ou das Forças Armadas? Com o fim da empolgação dos primeiros dias, era preciso se estabilizar, mas sem alterar a ordem pública (TREVISAN, 2001). Entretanto, diante de incertezas e exclusão da sociedade na construção política do país, nasce a Primeira República, também conhecida como República Velha (1889 a 1930). Foi um início marcado por crises: econômica, política e populacional. O povo sofria com a carestia, a inflação, a falta de emprego e o alto custo de vida. A cidadania política era para poucos, não se podia votar e nem ser votado, até porque um dos requesitos para participar das eleições era saber ler e escrever, e grande parte da sociedade era analfabeta. E o governo republicano contribuía para essa questão antidemocrática e excludente, pois não oferecia educação escolar básica ao povo (CARVALHO, 1999). Porém, entre as pessoas que clamavam por justiça social e que eram colocadas à margem do cenário político do país, pelas oligarquias nacionais, podem-se destacar os poetas de cordel. Brasileiros que através da arte de versejar informavam, ensinavam e divertiam o seu público. Além de poetas e conselheiros do povo, eles eram narradores e jornalistas populares. Seus poemas rimados construíram memórias e fragmentos de uma realidade. Ao versejar de forma oral ou escrita (sobre a política, a sociedade, a cultura e o cotidiano), o poeta de cordel rompe com o silêncio e não aceita uma função social de passividade, de dominado, de neutralidade ou de “bestializado”. Ao contrário, ele vai além dos limites que a sociedade excludente e oligárquica da Primeira República tenta lhe impor. Ele constrói mais que versos; produz discursos políticos, narra, ensina, transmite, forja uma consciência histórica entre seus pares que circulam nos espaços públicos do Nordeste como as feiras e os pátios (CURRAN, 1998). No entanto, corroboramos com a historiadora Ângela Grillo (2005) quando diz que o cordelista além de relatar uma realidade de forma artística ele precisa fornecer informações frescas e agradar. Os folhetos tornam públicos os acontecimentos, traduzindo as notícias oficiais da imprensa às pessoas em geral, interpretando-as como seu público gosta de ouvir, às vezes modificando-as e dando-lhes novas funções e significados. Assim, torna-se pertinente analisar a História da República Velha não só por documentos e jornais, mas também através das representações dadas pelos poetas de cordel, através dos folhetos, que apresentam outros olhares de uma realidade vivenciada e testemunhada por eles (GRILLO, 2005). Entretanto, o presente trabalho tem por objetivo analisar as representações da Primeira República brasileira tanto nos folhetos de cordel quanto nos livros didáticos de História. Ao trabalhar com o Cordel como representação desse recorte temporal, acreditamos que ele pode acrescentar pertinentemente aos textos oficiais, como os livros didáticos. Contudo, o ensino de História precisa ser construído em sala de aula, sendo preciso para isso desenvolver o exercício da reflexão, da criatividade e da criticidade nos educandos, e as linguagens alternativas para o ensino, como o cordel, são ferramentas relevantes para essa questão.
Material e métodos A metodologia utilizada se apoiou em estudos e discussões historiográficas em relação ao presente tema e período histórico em questão. A pesquisa foi realizada em bibliotecas públicas, objetivando-se um levantamento bibliográfico da produção científico-acadêmica da época (livros, monografias, dissertações); no Arquivo Público Estadual de Pernambuco (folhetos de cordel); e também pela Internet a partir de sites específicos que nos oferecerem relevante credibilidade, como por exemplo: A Fundação Casa de Rui Barbosa (http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/), que possui um excelente acervo digitalizado de folhetos de cordel em seu site, e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/FUNARTE (http://www.cnfcp.gov.br/), que também possui um rico acervo digital a partir dos materiais que são fornecidos pela Biblioteca Amadeu Amaral (Ministério da Cultura). ________________ 1. Primeiro Autor é mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura Regional pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail:
[email protected]. 2. Segundo Autor é a orientadora da pesquisa. Professora Doutora, Adjunta do Departamento de História, Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail:
[email protected]
XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 17 a 21 de outubro.
Observa-se, na verdade, que não falta documentação sobre essa fase da história brasileira na crônica poética do cordel. Nesse ínterim, a idéia foi a de analisar folhetos de cordéis e alguns livros didáticos da 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio que tratam da presente temática, objetivando-se promover um cotejo e investigar as representações da República Velha tanto nos folhetos quanto na História dita oficial. Outra idéia em questão foi a de cruzarmos as devidas informações obtidas da presente pesquisa com a produção acadêmica existente. Buscando colaborar um pouco com a historiografia brasileira. Contudo, ao escolher a História da Primeira República e as ações do Partido Republicano, pode-se percorrer uma série de discursos e práticas que revelam muito mais do que os simples atos, mas a efetivação de significados sociais gerais que delimitam a existência do social. Realizar a leitura e o cruzamento de dois discursos – o acadêmico e o popular – possibilitou desenvolver uma crítica mais eficaz à memória histórica. Foram analisados alguns livros didáticos que tratam da temática em questão, objetivando perceber as representações trabalhadas pelos didáticos acerca da República Velha. A literatura de cordel serviu como um instrumento lúdico para viabilizar esse processo de diálogo entre o passado e o presente. É relevante perceber que os folhetos de cordéis se apresentam como leituras dinâmicas e envolventes. E sua diversidade pode ser aproveitada em sala de aula, com o objetivo de construir conhecimento. E é nessa perspectiva, apresentando os folhetos de cordel como ferramenta didática, que a presente pesquisa se propôs a trabalhar. Encontramos na literatura de cordel uma variedade de temas, situações humanas, tragédias, comédias, casos inusitados e relatos históricos, imaginários e tantas coisas mais. Essa riqueza de abordagens assume tons diferenciados, visões de mundos às vezes conflitantes, ideologias diversas. Essa diversidade pode ser aproveitada para instigar debates e discussões em sala de aula. Qualquer que seja o método de abordagem do professor, o debate em algum momento deverá ser sempre privilegiado, conscientizando o aluno de seu papel de herdeiro da cultura de seu povo e de agente transformador dessa cultura (PINHEIRO; LÚCIO, 2001).
Resultados A partir da concretização dessa pesquisa foi possível compreender as relações de rupturas e permanências do pensamento social, político, cotidiano e cultural do período histórico da República Velha com o atual contexto da República de nosso país. O grande objetivo dessa pesquisa foi o de analisar as representações da República Velha na literatura de cordel, assim como no livro didático. E dentro dessa perspectivas muitas reflexões e questionamentos foram levantados, como: o que o meu presente vê de possibilidade no estudo de um passado? Por que a República Velha já nasceu velha? Será que as rupturas entre o Império e a República no Brasil foram tão atenuadas, que podemos falar mais em continuidades? Como era constituído e organizado o poder militar nacional que derrubou o sistema político monárquico, mas findou passando tão pouco tempo no poder? O que foi produzido em âmbito popular, folhetos de cordel, que podem servir como representação desse período? Para refletir acerca desses questionamentos se fez necessário nos conduzirmos ao passado, margeando a história da República Velha, para buscar afirmações, análises e reflexões, no que já foi escrito pela História oficial, quanto na literatura de cordel acerca desse período em questão. A presente pesquisa nos revelou que ao se estabelecer um cotejo entre os livros didáticos de História, tidos como versões oficiais, e a Literatura de Cordel, torna-se possível construir um ensino de História que se apresenta de forma mais dinâmica, democrática e envolvente. O cordel consegue trabalhar com habilidade e musicalidade os aspectos sociais, políticos, religiosos e culturais da História do Brasil, e ainda nos revela personagens que, mesmo contribuindo para a construção da formação histórica da sociedade brasileira, não são nem sequer mencionados pelos didáticos. Assim, é preciso dar ao cordel ainda mais visibilidade e possibilidades de ser uma fonte de construção da história. Contudo, é importante destacar que a idéia aqui não é pregar uma substituição dos livros didáticos de História pelos folhetos de cordel, mas mostrar que o cordel é uma relevante linguagem alternativa que precisa ser usada em sala de aula, com o objetivo de auxiliar o livro didático de História na construção do conhecimento. Em suma, gostaríamos de deixar claro que as problematizações e discussões contidas neste relatório não colocam um ponto final nos diálogos sobre o contexto que envolve o Ensino de História, todavia o objetivo principal foi o de contribuir um pouco mais para uma reflexão e entendimento acerca do assunto.
Discussão A Nova História Cultural prega que a narrativa faz da História motivo de representação e tema de reescrita, valorizando o seu poder de sedução. A natureza e a legitimidade do conhecimento histórico, então, podem ser questionadas por uma rica fonte de pesquisa histórica, os folhetos de Cordel. Que se revelam organizador da História, através da ficção e do humor, refletindo sobre o próprio desenvolvimento da narrativa. Diante dessa perspectiva, nos apoiamos na História cultural a partir das proposições teóricas e metodológicas do historiador francês Roger Chartier. Autor cuja versatilidade permite explorar assuntos tão diversos quanto a historiografia literária e a sociabilidade do século XVIII, a história cultural e a literatura de cordel, as formas de discurso escrito e o mundo da computação, Roger Chartier tem-se destacado no cenário acadêmico como um dos mais importantes pensadores da atualidade, dedicando-se, sobretudo, ao instigante universo das práticas de leitura. Ele promove uma verdadeira revisão tanto dos conceitos relacionados à escrita e à leitura quanto de idéias pertinentes à estética e à crítica.
XI JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2011 – UFRPE: Recife, 17 a 21 de outubro.
Chartier (2002) nos diz que sempre haverá um público interessado nos acontecimentos através da fantasia e da ficção literária, que torna os eventos passados acessíveis e as personagens históricas extremamente humanas na sua condição de heróis, homens ou agentes do processo histórico. Todavia, as rimas do cordel continuam cativando na atualidade uma parcela considerável de leitores. Fazendo uso de Michel de Certeau (2008) pode-se visualizar nos cordéis particularidades que fabricam as pluralidades de uma cultura, eles são artes de fazer, táticas de uma produção popular cotidiana que produz uma antidisciplina em relação a uma ordem social hegemônica e a um sistema cultural instituído. Eles além de testemunharem um passado, apresentam-se com uma forma de ler e ouvir diferente de um texto convencional. Possuem um poder de atração que se expressa a partir das rimas, da musicalidade, da liberdade de pensamento e dos gracejos de seus versos. Configuram-se como instrumentos importantes de representação tanto da realidade cotidiana dos brasileiros quanto do imaginário popular. Esse tipo de documentação entrou no campo de estudos e pesquisas do universo acadêmico a partir da História Cultural. Destarte, linguagens que procuram relacionar o lúdico (nesse caso o Cordel) a abordagens históricas vêm conquistando uma expressiva relevância no campo do Ensino de História. Ao que parece, a Literatura de Cordel entrou de forma decisiva no campo de reflexão dos historiadores da Nova História Cultural. Essa corrente historiográfica tem como uma de suas características uma teoria interpretativa de textos em que os historiadores têm procurado estabelecer conexões entre as dimensões sociais presentes na obra ficcional e os aspectos históricos inerentes. Consequentemente, ir para além dos livros didáticos da disciplina de História torna-se uma opção para que se obtenha dos alunos um novo posicionamento na construção do saber escolar, e assim, eles poderão despertar para novas visões de mundo. Despertar o gosto pela produção de conhecimento, ao invés de só se preocupar com o conteúdo, se torna possível a partir de um planejamento pedagógico estabelecido na prática educativa do professor (a). O espaço escolar possui uma vasta diversidade cultural, e a partir daí o ensino precisa ser moldado a cada indivíduo, considerando as devidas particularidades (SANTOS, 2002). Para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. E sem ele não se caminha cognitivamente. O livro didático é uma tradição tão forte dentro da educação no Brasil que seu acolhimento independe da vontade dos professores. Assim, a perda da dignidade do professor brasileiro contrapõe-se ao lucro das editoras de livros didáticos. Os alunos ao invés de interagirem com o professor processam as lições no livro didático (SILVA, 1996). Nesse sentido, o saber histórico deve ser difundido e trabalhado pela escola, através de um processo de ensino e aprendizagem que valorize não só os livros didáticos dessa disciplina, mas também, as várias linguagens alternativas para o ensino. Assim, um bom professor precisa dominar bem o conteúdo da disciplina e ainda ter uma didática capaz de se fazer entender aos discentes, pois caso contrário não haverá ensino e nem aprendizagem de forma coerente e significativa. Diante desse cenário, o professor de história precisa conhecer as bases do cotidiano e da cultura dos alunos/as para ter a sensibilidade e a capacidade de transmitir aos estudantes os conteúdos escolares de forma que faça sentido aos mesmos, através de uma linguagem acessível, mas sem banalizar as temáticas históricas.
Agradecimentos Sou grato a todos/as que direta ou indiretamente me ajudaram e incentivaram no percurso dessa pesquisa. Em especial a minha família, a CAPES e à minha orientadora, a professora Maria Ângela de Faria Grillo.
Referências [1] BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. [2] BURKE, Peter. O que é História Cultural?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. [3] CARONE, Edgar. A República Velha I – Instituições e Classes Sociais. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1988. [4] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª Edição. São Paulo, Companhia das Letras, 1999. [5] CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Volume 1. 14ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2008. [6] CHARTIER, Roger. Os Desafios da Escrita. São Paulo: UNESP, 2002. [7] CURRAN, Mark J. História do Brasil em Cordel. São Paulo: EDUSP, 1998. [8] GRILLO, Maria Ângela de Faria. A Arte do Povo: Histórias na Literatura de Cordel (1900-1940). Niterói, RJ: Tese de Doutorado - UFF, 2005. [9] MORAES, José Geraldo V. Cidade e Cultura Urbana na Primeira República. São Paulo: Ed. Atual, 1994. (Coleção discutindo a História do Brasil). [10] PINHEIRO, Hélder; LÚCIO, Ana Cristina Marinho. Cordel na sala de aula. São Paulo: Editora - Livraria Duas Cidades, 2001. [11] SANTOS, Salvadora Passos de Araújo. Oficina de Eco-Leitura: II Encontro Temático Meio Ambiente e Educação Ambiental. Paraíba, 2002. [12] SILVA, Ezequiel T. da. Livro didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. Brasília: Unicamp, 1996. [13] TREVISAN, Leonardo. A República Velha. 8ª Edição. São Paulo: Global, 2001.