Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, com base no art. 9º da lei de
improbidade, considera-se ato de improbidade administrativo que importa.
UNIVALI – UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CEJURPS – CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CAMPUS DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO
A (IR)RESPONSABILIDADE DOS AGENTES POLÍTICOS POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO DO STF NA RECLAMAÇÃO N.º 2138/DF
São José 2008
RANGEL LOCH
A (IR)RESPONSABILIDADE DOS AGENTES POLÍTICOS POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO DO STF NA RECLAMAÇÃO N.º 2138/DF
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Jr.
São José 2008
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 16 de junho de 2008.
___________________________________ RANGEL LOCH Graduando
RANGEL LOCH
A (IR)RESPONSABILIDADE DOS AGENTES POLÍTICOS POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO DO STF NA RECLAMAÇÃO N.º 2138/DF
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel em Direito e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Direito Constitucional e Administrativo. São José, 16 de junho de 2008.
_______________________________________ Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior Orientador
_______________________________________ Prof. MSc. Guilherme Bez Marques Membro
_______________________________________ Profª. MSc. Rosângela Barreto Laus Membro
Dedico este trabalho a meus pais Edésio Fernando Loch e Rosa Maria Zanoni Loch, aos meus irmãos Fábio, Fabiana, Roselaine,
Lucas
e
Leonardo,
especialmente, aos meus sobrinhos Maria Eduarda
e
Victor
Hugo,
pelo
amor
incondicional que sempre foi me dado, na maioria das vezes quebrando a barreira da distância.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a DEUS pela vida, saúde e pela coragem nos momentos difíceis. Agradeço sempre, e nunca em excesso, a minha família, em especial a meus pais, Edésio e Rosa Maria, pela educação, incentivo, companheirismo e pelo amor incondicional. A todos os meus tios e primos que fazem parte da minha família, que sempre entenderam minha ausência em festa familiar e mesmo assim, apoiaram e estimularam o caminho para o estudo. Aos professores do curso de Direito pelos conhecimentos transmitidos e pela compreensão e dedicação ao longo de todos esses anos de aprendizado. A todos os colegas de Universidade, em especial aos amigos Tricampeões do Campeonato de futebol ao Lucas, André, Thiago, Bernardo, Guilherme, Juliano, Felipe, Jéferson e Lúcio, pelo companheirismo, amizade e apoio durante todo o curso e, principalmente, na oportunidade da realização deste trabalho. Agradeço especialmente o meu orientador, Professor MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior, pela sugestão do tema e pelos conhecimentos valiosos compartilhados na elaboração desta pesquisa monográfica. A todos os amigos e aqueles que de alguma forma direta ou indireta contribuíram para realização deste trabalho.
“A pior das corrupções não é aquela que desafia as leis; mas a que se corrompe a ela própria”. (Louis Bonald)
RESUMO
Trata-se de trabalho monográfico desenvolvido com o objetivo principal de analisar a Lei de Improbidade Administrativa, os crimes de responsabilidade e, especialmente, a Reclamação 2138/DF, julgada em 13 de junho de 2007 e publicada somente em 18 de abril de 2008. Verifica-se que essa decisão vem suscitando muita discussão na doutrina e na jurisprudência, vez que decidiu pelo afastamento da incidência da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos em face da impossibilidade da cumulação dos regimes de responsabilização político-administrativa: crimes de responsabilidade
e
improbidade
administrativa.
Quanto
aos
procedimentos
metodológicos, utiliza-se a pesquisa exploratória, baseada no levantamento bibliográfico, na análise jurisprudencial e no estudo da legislação vigente. Para atingir os propósitos da pesquisa, é utilizado o método dedutivo, já que a partir da análise dos regimes jurídicos da apuração de improbidade administrativa e do crime de
responsabilidade,
buscar-se-á
identificar
o
conceito
de
ilícito
político-
administrativo e a lógica que preside o regime de responsabilização. A partir destes elementos, é analisada a consistência dos argumentos do STF na referida decisão. No que tange à estrutura do trabalho monográfico, registra-se que o tema se desdobra em três capítulos: no primeiro capítulo, analisam-se os aspectos gerais em torno da ação de improbidade administrativa; no capítulo dois estuda-se a responsabilidade dos agentes políticos com base nos crimes de responsabilidade e na Lei nº 1079/50; O terceiro e último capítulo, por sua vez, é dedicado a análise do tema e do problema central proposto para esta pesquisa monográfica: o afastamento da incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos com o estudo da Reclamação 2138. Finalmente, registram-se os riscos para a irresponsabilização dos agentes que tal decisão pode acarretar, o equívoco na equiparação feita pelo STF e a necessidade de maior debate sobre a questão do ressarcimento ao erário não coberto pela apuração de crime de responsabilidade. Palavras-chave: Improbidade. Responsabilidade. Agentes Políticos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10 2
ASPECTOS
GERAIS
EM
TORNO
DA
AÇÃO
DE
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA................................................................................................... 13 2.1
CONTEXTO
HISTÓRICO
DA
REGULAMENTAÇÃO
DA
AÇÃO
DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.......................................................................... 13 2.2 DEFINIÇÃO DOS ATOS DE IMPROPRIDADE ADMINISTRATIVA ................... 15 2.2.1 Princípios Constitucionais Administrativos ............................................... 15 2.2.2 Princípio da Moralidade e o Dever de Probidade na Administração Pública ................................................................................................................................. 19 2.2.3 Atos de Improbidade Administrativa ........................................................... 23 2.3 ESPÉCIES DE SANÇÕES APLICÁVEIS ........................................................... 26 2.4 AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .................................................. 30 3 DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS: CRIMES DE RESPONSABILIDADE E A LEI N. 1079/50............................................................. 33 3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE ................ 33 3.2
ASPECTOS
GERAIS
E
NATUREZA
JURÍDICA
DOS
CRIMES
DE
RESPONSABILIDADE ............................................................................................. 36 3.3
AGENTES
POLÍTICOS
QUE
ESTÃO
SUJEITOS
À
APURAÇÃO
DE
RESPONSABILIDADE ............................................................................................. 41 3.4 TIPOS DE CONDUTA QUE ENSEJAM A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE ........................................................................... 44 3.5 PROCESSO DE APURAÇÃO DO CRIME DE RESPONSABILIDADE .............. 48 4 DO AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI DE IMPROBIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS: ANÁLISE DA RECLAMAÇAO 2138 ................................ 51 4.1 BREVE DESCRIÇÃO DO CASO E DAS QUESTÕES DE ORDEM SUSCITADAS ................................................................................................................................. 51 4.2 IDENTIFICAÇÃO DO ALCANCE DA DECISÃO................................................. 54
4.3 REGIMES DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA: DEBATE SOBRE A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO........................................................ 56 4.4 DEBATE SOBRE O RISCO DE IRRESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS .............................................................................................................. 63 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 69 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 73
10 1 INTRODUÇÃO
A questão do combate à improbidade administrativa, desde muito tempo, vem sendo debatida no direito brasileiro, principalmente em virtude dos altos níveis de corrupção observados na Administração Pública. Diante disso, e após importante evolução da legislação, a Constituição de 1988, no art. 37, § 4º, expressamente reprimiu a prática dos atos de improbidade administrativa e previu as sanções cabíveis. Em consonância, para regulamentar o mencionado artigo da Constituição Federal, restou promulgada a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Ressalta-se que essa lei é considerada pela doutrina como um importante instrumento na luta contra a corrupção no Brasil. No entanto, paralelamente a essas disposições, existem também na Constituição Federal e na Lei 1.079/50 a previsão de outras hipóteses de responsabilização de agentes políticos e autoridades públicas pela Constituição previstas, quais sejam, os chamados crimes de responsabilidade. Diante desses dois regimes de responsabilização, o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento da Reclamação 2138/DF, colocou em discussão a aplicabilidade da citada Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos em face da norma especial que trata dos crimes de responsabilidade, bem como da prerrogativa de foro garantida pela Constituição Federal aos agentes políticos. Deste modo, o tema da presente monografia consiste, especificamente, na análise da Reclamação 2138/DF, tanto de seus fundamentos jurídicos, quanto dos riscos apontados pela doutrina com o afastamento da incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos. O problema, por seu turno, consiste no debate acerca da possibilidade de cumulação de ambos os institutos de responsabilização: improbidade administrativa e crimes de responsabilidade e, ainda, nos riscos de irresponsabilidade dos agentes políticos que tal posicionamento do Supremo pode ocasionar. Registra-se, portanto, que o presente trabalho justifica-se na análise dessa decisão que, de forma surpreendente, firma um novo posicionamento acerca da responsabilização dos agentes políticos.
11 É por esse motivo que se pode afirmar que o tema da pesquisa representa um assunto muito novo e polêmico, dado que o julgamento da Reclamação analisada, apesar de aproximadamente cinco anos de trâmite processual no STF, somente ocorreu em 13 de junho de 2007 e a publicação da decisão, por seu turno, apenas em 18 de abril de 2008. Quanto
aos
procedimentos
metodológicos,
utiliza-se
a
pesquisa
exploratória, baseada no levantamento bibliográfico, na análise jurisprudencial e no estudo da legislação vigente. Para atingir os propósitos da pesquisa, é utilizado o método dedutivo, já que a partir da análise dos regimes jurídicos da apuração de improbidade administrativa e do crime de responsabilidade, buscar-se-á identificar o conceito de ilícito político-administrativo e a lógica que preside o regime de responsabilização. A partir destes elementos, é analisada a consistência dos argumentos do STF na referida decisão. O método de procedimento utilizado é o monográfico. No que tange à estrutura do trabalho monográfico, registra-se que o tema se desdobra em três capítulos. No primeiro capítulo, analisam-se os aspectos gerais em torno da ação de improbidade
administrativa,
através
do
estudo
do
contexto
histórico
da
regulamentação dessa ação, da definição dos atos de improbidade administrativa, dos princípios constitucionais administrativos, das espécies de sanções aplicáveis e das principais características da ação de improbidade administrativa. No capítulo dois estuda-se a responsabilidade dos agentes políticos com base nos crimes de responsabilidade e na Lei nº 1079/50, com referência ao contexto histórico, aos aspectos gerais e a natureza jurídica dos crimes de responsabilização, aos agentes políticos que estão sujeitos à apuração de responsabilidade, aos tipos de conduta que ensejam a instauração de processo de crime de responsabilidade e no processo de apuração desses crimes. O terceiro e último capítulo, por sua vez, é dedicado a análise do tema e do problema central proposto para esta pesquisa monográfica: o afastamento da incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos com o estudo da Reclamação 2138. Para tanto, apresenta-se uma breve descrição do caso e das questões de ordem suscitadas; a identificação do alcance da decisão; o debate sobre a possibilidade de cumulação dos regimes de responsabilização político-
12 administrativa e, finalmente, a discussão acerca do risco de irresponsabilização dos agentes políticos em virtude desse novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Por derradeiro, registra-se a importância da presente pesquisa para a comunidade acadêmica, bem como para a sociedade em geral, haja vista que, em virtude da novidade da decisão, a maioria das pessoas desconhece o conteúdo dessa Reclamação e o novo sistema de responsabilização adotado pelo STF para os agentes políticos.
13 2
ASPECTOS
GERAIS
EM
TORNO
DA
AÇÃO
DE
IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Inicialmente destaca-se que para o estudo do tema proposto para esta pesquisa monográfica, qual seja: “a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa
aos
agentes
políticos”,
entende-se
prudente
analisar,
preambularmente, as principais características da improbidade administrativa. Para tanto, registra-se que este primeiro capítulo tem como principal objetivo estudar o contexto histórico, a definição dos atos de improbidade administrativa, as espécies de sanções aplicáveis e, por último, a ação de improbidade administrativa.
2.1
CONTEXTO
HISTÓRICO
DA
REGULAMENTAÇÃO
DA
AÇÃO
DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A improbidade administrativa, desde muito tempo, suscita preocupações e, por isso, como forma de coibi-la, vem sendo prevista nas legislações brasileiras como uma das hipóteses ensejadoras do crime de responsabilidade de agentes políticos.1 A Constituição de 1946, no art. 141, § 31, já afirmava que “[...] a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.2 Sobre a regulamentação desse dispositivo Constitucional, anota-se a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 763. BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos Do Brasil (De 18 De Setembro De 1946). Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2008. 2
14 Para dar cumprimento ao dispositivo constitucional, foi promulgada a Lei n° 3.164, de 1°-6-57 (conhecida como Lei Pitombo-Godói Ilha), que sujeitava também a seqüestro e a perda, em favor da Fazenda Pública, de bens adquiridos por servidor público, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido. As medidas eram decretadas no juízo civil, sendo o processo por iniciativa do Ministério 3 Público, ou de qualquer pessoa do povo.
Segundo a mesma autora, “posteriormente, a Lei n° 3.502, de 21-1-58, sem revogar a anterior, veio regular o seqüestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função”.4 A Constituição de 1967, por seu turno, no artigo 150, § 11, posteriormente modificado, dispunha, na parte final do dispositivo, que cabia a lei disciplinar “[...] sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta”.5 A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, também enfatizou a perda de bens por danos causados ao erário público, ou nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprego na Administração Pública, direta ou indireta.6 Nesse contexto, a atual Constituição da República de 1988, de forma explicativa, no artigo 37, § 4º, tipificou os atos de improbidade administrativa, propondo como “punição” a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, além de prever a possibilidade da propositura da ação penal cabível. Desta feita, para regulamentar o mencionado art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal, restou promulgada a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, com o seguinte preâmbulo: “Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função
3
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo, 2008..., p. 766. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo, 2008..., p. 766. 5 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2008 6 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério P. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 137. 4
15 na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.”7 Essa lei, contudo, ficou conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Ressalta-se
que
rol
de
atos
caracterizadores8
de
improbidade
administrativa, previsto na Lei n° 8.429/92, mostra-se bem mais amplo do que o previsto nas Constituições e legislações anteriores. Esse é um dos principais impactos observados com a promulgação da nova legislação. Logo, com base nas informações acima, é possível observar, de forma geral, o contexto histórico do surgimento da Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – e, ainda, sua importância em relação às legislações pretéritas.
2.2 DEFINIÇÃO DOS ATOS DE IMPROPRIDADE ADMINISTRATIVA
Para o estudo dos atos que importam improbidade administrativa, julga-se necessário, a seguir, analisar os princípios constitucionais que orientam a Administração Pública, em especial, o princípio da moralidade, bem como as disposições previstas na Carta Magna a respeito de improbidade administrativa e seus efeitos.
2.2.1 Princípios Constitucionais Administrativos
Ressalta-se que os princípios jurídicos ocupam atualmente uma posição de destaque no ordenamento jurídico brasileiro, vez que são considerados pela doutrina alicerces do direito.9
7
BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2008. 8 Registra-se que os atos caracterizadores de improbidade administrativa serão necessariamente abordados no próximo item desta pesquisa monográfica. 9 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008.
16 Para Edmir Netto de Araújo, a palavra princípio possui diversos significados interligados, “[...] trata-se de vocábulo análogo, com os sentimentos de origem, começo, postulado, base, teorema, dogma e outros, sempre relacionado a ponto de partida, proposição básica”.10 Odete Medauar leciona sobre a importância dos princípios para o direito administrativo: No direito administrativo, os princípios revestem-se de grande importância. Por ser um direito de elaboração recente e não codificado os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus institutos. Acrescenta-se que, no âmbito administrativo, muitas normas são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando multiplicidade de textos, sem reunião sistemática. Daí a importância dos princípios, sobretudo para possibilitar a solução de casos não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos 11 cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres.
Nesse quadrante, verifica-se a importância do estudo dos princípios que norteiam o direito administrativo e a Administração Pública para o estudo do tema proposto
para
essa monografia.
Desta forma,
destacam-se
os
princípios
constitucionais administrativos previstos no caput do art. 37, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O princípio da legalidade é muito importante para a Administração Pública, isso porque compete ao administrador à observância dos mandamentos legais em todas as atividades desenvolvidas pelo Poder Público. Para Paulo Magalhães da Costa Coelho, “[h]á que se entender a legalidade não apenas como proibição da prática de atos vedados pela lei, mas, sobretudo, a prática dos atos expressamente por ela permitidos”.12 Volnei Ivo Carlin aduz que O princípio da legalidade vincula a Administração aos mandamentos da lei (Estado de Direito). Em todos os estados contemporâneos se admite que a Administração está vinculada pela regra do Direito. O desenvolvimento desse princípio resulta da ideologia de 1789. Segundo esse princípio, a Administração só pode fazer o que a lei e o Direito permitem, ao contrário
10
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 48. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 140. 12 COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 57 11
17 do que se dá nas relações entre particulares, nas quais é permitido fazer 13 tudo o que a lei não proíbe (CRFB, art. 5°, II). [grifo no original].
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a legalidade “[...] é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei”.14 De acordo com a doutrina, para a Administração Pública, vale o critério da subordinação à lei. Assim, verifica-se que o princípio da legalidade impõe ao Administrador Público a obediência à lei, ou seja, ele só pode fazer o que está expressamente autorizado pela legislação vigente. O princípio da impessoalidade, por sua vez, exige uma atuação imparcial da Administração Pública. Afirma que o agente público não pode buscar interesses pessoais, deve perseguir o interesse público indistintamente. De acordo com esse princípio, “a atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza”.15 Conforme a doutrina de Edimur Ferreira de Faria: O princípio da impessoalidade decorre do fato de que o agente público é administrador de bens alheios. Por essa razão, deve atuar sempre voltado para o coletivo, evitando favoritismo ou discriminação. O programa de governo, ou ação administrativa, não pode levar em consideração amigos 16 ou inimigos.
Odete Medauar, por seu turno, afirma que “com o princípio da impessoalidade a Constituição visa a obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, [...]”.17 Nota-se que esse princípio exige do administrador público ausência de subjetividade e discriminação e, por isso, determina a satisfação do interesse público 13
CARLIN, Volnei Ivo. Manual de direito administrativo: doutrina e jurisprudência. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 69. 14 MELLO,Celso Antonio Bandeira de.Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 88. 15 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 5. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva. 2000. p. 8. 16 FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. 5. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 34. 17 MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno..., p. 144.
18 da coletividade. Os dois institutos jurídicos que exemplificam muito bem o princípio da impessoalidade são a licitação (art. 37, XXI) e o concurso público (art. 37, II). Já o princípio da moralidade diz respeito à conduta moral e ética que deve ser respeitada na esfera da Administração Pública. Ressalta-se que o entendimento desse princípio é de fundamental importância para a análise do tema improbidade administrativa, portanto, frisa-se que o mesmo será analisado com mais profundidade no próximo tópico. O princípio da publicidade, por seu turno, determina ampla informação, ou seja, dar conhecimento sobre os atos da Administração Pública para todos os interessados. Para Celso Ribeiro Bastos, “a publicidade vem a ser, pois, a divulgação que é feita das decisões administrativas, excetuadas aquelas de interesse exclusivamente interno”.18 Bem a propósito, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: Tal princípio está previsto expressamente no art. 37, caput, da Lei Magna, ademais de contemplado em manifestações específicas do direito à informação sobre os assuntos públicos, quer pelo cidadão, pelo só fato de sê-lo, quer por alguém que seja pessoalmente interessado. É o que se lê no art. 5°, XXXIII (direito à informação) e XXXIV, “b”, este último para o caso específico de certidão (a ser expedida no prazo máximo de 15 dias, conforme a Lei 9.051, de 18.5.95) para defesa de direitos e esclarecimento 19 de situações de interesse pessoal. [grifo no original].
O princípio da publicidade exige que seja dado ciência ao povo, titular do direito, acerca de todos os atos praticados no âmbito da Administração Pública, excetuados os casos ressalvados em lei. Observa-se, também, que a publicidade dos atos abre a possibilidade de controle por parte do administrado, por isso a grande relevância desse princípio. Por último, tem-se o princípio da eficiência. Destaca-se que esse princípio foi inserido na Constituição Federal de 1988 através da Emenda constitucional nº 19/98 com objetivo de melhorar os resultados dos serviços e diminuir os custos da Administração Pública.20
18
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 42. MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo..., 2005, p. 102. 20 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008. 19
19 Odete Medauar ensina: “Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso”.21 Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da eficiência possui dois aspectos: [...] pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultado; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também como o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação 22 do serviço público. [grifo do autor].
Denota-se que esse princípio prescreve que a Administração Pública deve buscar a eficiência da Administração, ou seja, dos servidores, das despesas e dos serviços. Ser eficiente significa gastar o menos possível e obter o melhor resultado para o interesse público Desta feita, verificam-se os princípios constitucionais administrativos que norteiam, fundamentam, a atividade administrativa e, principalmente, as atitudes dos administradores públicos.
2.2.2 Princípio da Moralidade e o Dever de Probidade na Administração Pública
O princípio da moralidade possui íntima relação com as ações dos administradores públicos. Nesse sentido, Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt afirma que “[...] com previsão expressa no art. 37, caput, da Constituição, a moralidade administrativa é condição essencial no agir do administrador público”.23 Para Reinaldo Moreira Bruno: O princípio da moralidade administrativa permite promover e constatar a distinção de aspectos extremamente relevantes nas ações administrativas, como o bem e o mal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o honesto e o desonesto. Além disso, a moralidade administrativa está 21
MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno..., p. 149. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 84. 23 BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 32. 22
20 intimamente ligada ao conceito de bom administrador, ou seja, aquele que 24 promove com exatidão e adequação as diferenças apontadas.
Nesse norte, Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que, de acordo com o princípio da moralidade: [...], a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da 25 Constituição.
Denota-se que o princípio da moralidade está relacionado com honestidade, retidão e lisura. Em resumo, significa que o administrador público tem a obrigação de agir de acordo com as regras morais. Contudo, no que tange à dificuldade de aplicação desse princípio, vez que muitos alegam que “[...] o conceito de moral administrativa é vago e impreciso [...]”26, verifica-se que, além do texto constitucional, muitos diplomas legais conferem-lhe guarida e concretude, tendo sido igualmente acolhido sistematicamente pelos tribunais brasileiros como fundamento autônomo que autorizam sua tutela judicial. Conforme salienta a doutrina, “[...] licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto)”.27 Ainda, conclui Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao 28 princípio da moralidade administrativa.
Logo, denota-se que, embora de difícil conceituação, o princípio da moralidade é aplicado atualmente pelos tribunais, com o atributo de princípio autônomo, desvinculado do princípio da legalidade.
24
BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 61. MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo..., 2005, p. 107. 26 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 72. 27 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 72. 28 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 74. 25
21 Nesse viés, ressaltam-se alguns exemplos de atos que caracterizam ofensa ao princípio da moralidade: Alguns atos considerados atentatórios à moralidade administrativa são facilmente reconhecidos mesmo por aqueles que não têm conhecimento de leis e normas administrativas. A facilidade com que parentes de políticos assumem cargos em comissão, a exigência de propinas e as compras 29 feitas em licitações com preços superfaturados são alguns exemplos. [sem grifo no original].
Já no que se refere à relação entre os conceitos de probidade e moralidade, pertinente anotar a seguinte distinção: Entende-se por moralidade a congregação de costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os seus semelhantes, o corpo de preceitos e regras para dirigir as ações humanas segundo a justiça e a equidade natural. A probidade, por sua vez, consiste em honradez, 30 integridade de caráter, honestidade, pundonor.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “comparando moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referências às duas separadamente [...]”.31 De outro vértice, segundo a mesma autora, não há igualdade de significado quando se trata de improbidade em face de ato ilícito, assim como segue: No entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6-92), a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em 32 lei.
Registra-se também a seguinte diferenciação a respeito da moralidade e da probidade administrativa:
29
SOUZA, Bruno Soares de. A compra de bebidas alcoólicas para a administração pública viola o princípioda moralidade?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1374, 6 abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 24 mai. 2008. 30 CARLOS, Larissa Freitas. Moralidade e probidade administrativa: parâmetros de definição e esferas de atuação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 17 abri. 2008. 31 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 765. 32 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 765.
22 Em suma, o ato de imoralidade afronta a honestidade, a boa-fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, a dignidade humana e outros postulados éticos e morais. A improbidade significa a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam o enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a pública administração. Não há pois como restarem dúvidas. A moralidade é o postulado alicerce, do qual a probidade erige, trazendo para a prática a axiologia inserta no termo "moral", traduzindo aquele administrador que não se norteia pelas valorações éticas componentes da moralidade, como ímprobo, passível, de conseguinte, das sanções cabíveis a sua atuação 33 condenável.
Desta maneira, verifica-se a sutil e relevante diferença que reside na relação probidade e moralidade. Pondera-se, contudo, que no âmbito administrativo tais conceitos e princípios mostram-se muito importantes para a qualidade da administração e para o alcance do interesse público. Nesse passo, ressalta-se que o termo improbidade administrativa possui previsão expressa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no art. 37, § 4º, l.34 Ressaltando a idéia da autonomia do princípio da moralidade, denota-se que a repulsa a improbidade “[...] não pune a mera ilegalidade, mas sim a conduta ilegal ou imoral do agente público, e de todo aquele que o auxilie, voltada para a corrupção”.35 Sobre
a
finalidade
da
previsão
constitucional
da
improbidade
administrativa, anota-se a lição de Alexandre de Moraes para quem: A finalidade do combate constitucional à improbidade administrativa é evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, a punição e afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva, de que os servidores públicos não se deixem “induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos 36 interesses do Estado”.
Assim sendo, pode-se notar a finalidade e a importância da previsão constitucional das conseqüências da improbidade administrativa. Salienta-se, por 33
CARLOS, Larissa Freitas. Moralidade e probidade administrativa: parâmetros de definição e esferas de atuação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 17 abri. 2008. 34 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 10 abri. 2008. 35 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2007. p. 352. 36 PLATÃO, 1994 apud MORAES, A. Direito administrativo..., 2007, p. 352.
23 derradeiro, que a própria Constituição determina que cabe à lei infraconstitucional estabelecer a forma e a gradação das sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa, tarefas estas implementadas mediante a promulgação da Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
2.2.3 Atos de Improbidade Administrativa
Após a análise dos princípios constitucionais da Administração Pública, da relação entre moralidade e probidade e da previsão da improbidade administrativa na Constituição, importante destacar, nesse passo, os atos que importam em improbidade administrativa previstos pela Lei nº 8.429/92. Alexandre de Moraes apresenta um conceito geral de ato de improbidade administrativa, veja-se: Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem 37 prejuízo material ao erário público.
Kiyoshi Harada, por seu turno, define ato de improbidade administrativa como aquele realizado por agente público, “[...] contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a administração pública direta, indireta ou fundacional, nas três esferas políticas”.38 Denota-se, contudo, que a lei de improbidade administrativa39 classifica em três grupos os atos de improbidade administrativa: • Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º);
37
MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2007, p. 352. HARADA, Kiyoshi. Ato de improbidade administrativa . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2008. 39 BRASIL, Lei n. 8.429..., acesso em: 19 de abr. 2008. 38
24 • Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); • Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração Pública (art.11). Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, com base no art. 9º da lei de improbidade, considera-se ato de improbidade administrativo que importa enriquecimento ilícito “[...] auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade”.40 Os 12 incisos, por sua vez, elencam hipóteses. De acordo com o art. 10, “[...] constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres [...]”41 do Poder Público, nos casos descritos nos seus incisos. Finalmente, na forma do art. 11, considera-se ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública “[...] qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,e notadamente as que vêm indicadas nos sete incisos do dispositivo”.42 Importante destacar que “esta última hipótese, por sua abrangência, pode alcançar uma infinidade de atos de improbidade”,43 assim como se observou na análise de alguns princípios que norteiam a Administração Pública no tópico anterior desta monografia. Ademais, nota-se que é perfeitamente possível que uma mesma ação ou omissão configure mais de um tipo de improbidade elencado na lei. “É evidente – embora a lei não o diga expressamente – que haverá atos de improbidade que se enquadrarão em pelo menos duas ou mesmo em todas as três categorias discriminadas”.44
40
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. p. 157. 41 BRASIL, Lei n. 8.429..., acesso em: 19 de abr. 2008. 42 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 780-781. 43 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 781. 44 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. atual. e compl. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p.197
25 Nesse sentido, cita-se como exemplo a situação de “[...] um funcionário que aceitasse suborno para assinar um contrato superfaturado. Há enriquecimento ilícito do funcionário e do contratante, prejuízo ao erário e violação de vários princípios da administração pública”.45 Registra-se, ainda, que as hipóteses legais de improbidade administrativa não são taxativas, assim como segue: Embora a lei, nos três dispositivos, tenha elencado um rol de atos de improbidade, não se trata de enumeração taxativa, mas meramente exemplificativa. Ainda que o ato não se enquadre em uma das hipóteses previstas expressamente nos vários incisos dos três dispositivos, poderá ocorrer improbidade sancionada pela lei, desde que enquadrada no caput dos artigos 9º, 10 ou 11. Nos três dispositivos, aparece a descrição da infração seguida da expressão e notadamente, a indicar a natureza 46 exemplificativa dos incisos que se seguem.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles afirma que “todos os três artigos trazem, no caput, uma definição genérica do ilícito e listam, nos incisos, exemplificativamente, tipos de atos que se enquadram na definição”.47 [sem grifo no original. Sublinha-se, também, a seguinte citação doutrinária que leciona sobre a possibilidade de incidência cumulada de hipóteses de improbidade administrativa previstas na lei: Finalmente, cabe observar que o mesmo ato pode enquadrar-se em uma, duas ou nas três hipóteses de improbidade prevista na lei. Por exemplo, a omissão ou retardamento na prática de ato que deveria ser praticado de ofício, prevista no inciso II do artigo 11, pode causar prejuízo para o erário, 48 incidindo também na regra do artigo 9º.
Conclui-se, desta maneira, quais os atos elencados na lei que importam em improbidade administrativa, bem como que se trata de um rol exemplificativo, ou seja, admite o enquadramento de outras hipóteses que configurem, mesmo sem previsão expressa, ato de improbidade administrativa.
45
MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 197-198. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 780-781. 47 MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 197. 48 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 783. 46
26 2.3 ESPÉCIES DE SANÇÕES APLICÁVEIS
As sanções na Lei de Improbidade Administrativa encontram-se previstas no seu art. 12. Nesse dispositivo, mais precisamente em seus parágrafos, encontram-se penalidades para cada grupo de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 9º, 10 e 11. Contudo,
relevante
salientar
que
o
dispositivo
constitucional
já
mencionado, art. 37, § 4º, “[...] ao indicar as medidas cabíveis, não se refere a elas como sanções. E, na realidade, nem todas têm essa natureza”.49 Nesse sentido, destaca-se a opinião de Alexandre de Moraes sobre a natureza dos atos de improbidade administrativa: A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula 50 “... sem prejuízo da ação penal cabível”. [grifo no original].
No que tange ao art. 12, denota-se que a Lei de Improbidade “[...] estabelece sanções de natureza administrativa (perda da função pública, proibição de contratar com o Poder Público), civil (indisponibilidade dos bens, ressarcimento ao erário, multa civil) e política (suspensão dos direitos políticos).51 Desta maneira, pode-se concluir, em uníssono, que as sanções previstas na Lei de Improbidade não possuem natureza penal. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por seu turno, sustenta apenas a natureza civil e política das sanções previstas para a improbidade, para quem: A natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos 52 causados ao erário. 49
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 784. MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2007, p. 353-354. 51 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 156-157. 52 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 771. 50
27 Pondera-se, no entanto, que as penalidades previstas na Lei nº 8.429 são independentes de outras sanções previstas em outros diplomas legais. Registra-se que “muitos dos atos descritos como atos de improbidade administrativa na Lei n° 8.429/1992 coincidem com tipos penais, ou seja, constituem crimes, previstos nas leis penais”.53 Nessas situações, conforme salientam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, além das penalidades previstas na Lei de Improbidade, “[...] o agente responderá na esfera penal quando esse ato for tipificado como crime em uma lei penal, estando sujeito às penas nela cominadas (p. ex., reclusão, multa penal)”.54 Assim, verifica-se que, em face da autonomia das esferas, não há objeção à instauração de processos nas três vias: civil, administrativa e criminal. Diante disso, a doutrina realiza a seguinte conclusão: Isso permite concluir que: (a) o ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções indicadas no artigo 37, § 4°, da Constituição não têm a natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”; (c) se o ato de improbidade corresponder também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo 55 criminal.
Desta maneira, pode-se concluir que a natureza predominante da improbidade administrativa é a civil, isso porque “[...] a simples existência de uma pena que suspende os direitos políticos não tem o condão de transformar a natureza da ação em ação política ou de forte conteúdo penal”.56 Passadas tais considerações, destaca-se agora as espécies de sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade. Sobre as sanções previstas para os atos de improbidade administrativa quem importam enriquecimento ilícito, previstos no art. 9º, anota-se a seguinte lição:
53
ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 156-157. ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 156-157. 55 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 770. 56 BIM, Eduardo Fortunato. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade (impeachment) e da improbidade administrativa dos agentes políticos por distinção de suas naturezas jurídicas. Revista de Direito do Estado – RDE. Rio de Janeiro: Renovar, v. 2, n. 5, jan./mar. 2007, p. 197-241, p. 222. 54
28 A prática de atos dessa natureza acarreta para o responsável, além das sanções penais, civis e administrativas, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, o ressarcimento integral do dano, quando houver, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos durante oito a dez anos, o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual 57 seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. [grifo no original].
No que tange às penalidades cominadas para os atos de improbidade administrativa que causem lesão ao erário, a doutrina afirma que essas são menos gravosas do que aquelas previstas para os atos que importam enriquecimento ilícito. Veja-se: Na hipótese ora tratada, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito ao ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa 58 jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. [grifo no original].
Já no tocante aos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, denota-se que, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, o responsável está sujeito as seguintes penalidades: [...] ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por um período de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja 59 sócio majoritário, pelo prazo de três anos. [grifo no original].
Diante disso, pode-se concluir que a Lei de Improbidade estabeleceu uma gradação entre as sanções. Verifica-se que há “[...] uma idéia de hierarquia entre os grupos de atos de improbidade administrativa no que se refere a sua gravidade e lesividade social”60 57
ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 157. ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 157-158. 59 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 158. 60 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 158. 58
29 Maria Sylvia Zanela Di Pietro colaciona as diferentes penalidades estabelecida pela legislação, assim como segue: A gradação foi estabelecida em relação a algumas penas, da seguinte forma: a) suspensão dos direito políticos, que varia de 8 a 10 anos, no primeiro caso, de 5 a 8 anos, no segundo; e de 3 a 5 anos no terceiro caso; b) o valor da multa civil, que pode ser de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial, em caso de enriquecimento ilícito, de até 2 vezes o valor do dano, no caso de dano ao erário; e de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, no caso de atentado aos princípios da administração; c) a proibição de contratar com a Administração ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pode ser aplicada pelo prazo de 10, 5 e 3 61 anos respectivamente.
Nessa esteira, julga-se importante registrar que, haja vista que pode ocorrer a prática de vários atos de improbidade no mesmo momento, como visto no tópico anterior, existe também a possibilidade de aplicação cumulada das penalidades previstas na Lei de Improbidade. Sobre o tema anota-se a doutrina: O ato de improbidade afeta ou pode afetar valores de natureza diversa. Com efeito, o ato de improbidade afeta, em grande parte, o patrimônio público econômico-financeiro; afeta o patrimônio público moral; afeta o interesse de toda a coletividade em que a honestidade e a moralidade prevaleçam no trato da coisa pública; afeta a disciplina interna da Administração Pública. Hora, se valores de natureza diversa são atingidos, é perfeitamente aceitável que algumas ou todas as penalidades sejam aplicadas concomitantemente. O sujeito ativo da improbidade administrativa poderá ser atingido em diferentes direitos: o de propriedade, pela perda dos bens ou valores ilicitamente acrescidos ao seu patrimônio e pela obrigação de reparar os prejuízos causados; o de exercer os direitos políticos, que de certa forma engloba o de exercer função pública, já que não se pode conceber que uma pessoa privada dos direitos políticos, ainda que transitoriamente, possa continuar a exercer mandato ou ocupar cargo, 62 emprego ou função dentro da Administração Pública.
No entanto, cumpre lembrar que a incidência das sanções previstas na Lei de Improbidade depende de conduta dolosa ou culposa do sujeito passivo. Isso por que a “Lei n° 8.429/92 consagrou a responsabilidade subjetiva do servidor público, exigindo o dolo nas três espécies de atos de improbidade (arts. 9°, 10 e 11)
61 62
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 785. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 786.
30 e permitindo, em uma única espécie – art. 10 – , também a responsabilidade a título de culpa”.63 [grifo no original]. Consoante extrai-se da doutrina, “sem o mínimo de má fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública”.64 Em resumo, sublinha-se que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa não possuem natureza penal e que essa legislação estabeleceu um sistema de gradação de penalidades. Contudo, denota-se que pode o agente praticar, a título de dolo ou culpa, no mesmo momento, mais de um ato previsto em lei como de improbidade e, por conseqüência, receber as penalidades de forma cumulada.
2.4 AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
É notória, perante a sociedade, a necessidade da apuração de atos de improbidade administrativa e a aplicação das sanções de que são merecedores os respectivos agentes. Tanto é assim que a Constituição conferiu a todo cidadão, por intermédio da propositura de ação popular, promover a tutela do patrimônio público e de muitos outros bens e interesses públicos constitucionalmente assegurados. Neste sentido, o artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal dispõe que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular, que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, [...]”65 Corroborando a importância de fiscalização atribuída ao cidadão, a Lei de Improbidade, no art. 14, afirma que “[...] Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade”.66
63
MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2007, p. 353. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 784. 65 BRASIL, Constituição (1988)..., acesso em: 10 de abr. 2008. 66 BRASIL, Lei n. 8.429..., acesso em: 19 de abr. 2008. 64
31 Desta
feita,
denota-se
que
a
conhecida
ação
de
improbidade
administrativa é um “[...] tipo de ação que visa a apurar e punir a prática de ilícitos na Administração Pública direta e indireta, além de recuperar os prejuízos em favor dos cofres públicos.67 Acerca da participação popular, a doutrina aduz que: Em homenagem aos princípios constitucionais da moralidade e da publicidade, a Lei n° 8.429/1992 permite que qualquer pessoa represente à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação 68 destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
Salienta-se, conforma esclarece Hely Lopes Meirelles, que “o objeto da ação de improbidade administrativa é a punição do agente, a anulação do ato ou contrato”.69 Principal traço distintivo entre a ação de improbidade e ação popular. Quanto ao instrumento processual adequado para o combate da improbidade administrativa, verifica-se ser cabível a ação civil pública, a ser proposta pelo Ministério Público, para tutela desses direitos. Nota-se que se considera essa ação como “[...] uma nova modalidade de ação civil pública, frequentemente chamando-a de “ação civil pública de improbidade administrativa”.70 Bem a propósito, ensina Alexandre de Moraes: Conclui-se, portanto, que a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a hipótese motivadora da ação e possibilitadora da condenação por ato de improbidade administrativa se baseia nas disposições da Lei n°8.429/92, norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas constitucionalmente no art. 37, § 4°, da Constituição Federal, corroborando-se a lição de Pazzaglini, Elias Rosa e Fazzio de que “ação civil pública, no caso da improbidade administrativa, é ação civil de interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento para a proteção de um bem, cuja preservação interessa a toda 71 a coletividade”.
Já no que pertine à incidência da Lei de Improbidade, a doutrina apresenta a seguinte posição: Importante ressaltar desde logo, porém, a amplitude da incidência da lei, cobrindo os atos de improbidade praticados por qualquer agente público contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos 67
MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 196. ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 158. 69 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 157. 70 MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 196. 71 MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2007, p. 357. 68
32 Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou ainda contra empresa incorporada ao patrimônio público ou para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra, como disciplinam o 72 art. 1° e o seu parágrafo único.
Destarte, “não se pode deixar de reconhecer, por outro lado, que a Lei n° 8.429/92 traz regras tanto de direito material quanto de direito processual, e não ressalvou a aplicação subsidiária da Lei n° 7.437/85”73.74 No entanto, ressalta-se que é proibida a “[...] a transação, acordo ou conciliação nas ações por atos de improbidade administrativa. A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações civis necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público”.75 De notar, portanto, os principais aspectos da ação de improbidade administrativa, ou seja, da ação civil pública destinada ao combate das práticas previstas da Lei nº 8.429/92. Em últimas linhas, registra-se que, após o estudo das principais características da improbidade administrativa, entra-se, no próximo capítulo monográfico, no estudo da responsabilização dos agentes políticos através dos crimes de responsabilidade e da Lei nº. 1.079/50.
72
MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 196-197. Em que pese essa questão, registra-se que se aplicam “as normas da Lei nº 7.347/85, no que não contrariarem dispositivos expressos da lei de improbidade”. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 788. 74 MEIRELLES, H. L. Mandado de segurança..., p. 198-199. 75 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 158. 73
33 3 DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS: CRIMES DE RESPONSABILIDADE E A LEI N. 1079/50
Após
o
estudo
das
principais
características
da
improbidade
administrativa, examina-se, neste capítulo, a responsabilização dos agentes políticos por crimes de responsabilidade. Desta maneira, importante analisar o contexto histórico, os agentes políticos que estão sujeitos à apuração de crimes de responsabilidade, os tipos de condutas que ensejam a instauração de processo por crime de responsabilidade e, ainda, quais as particularidades desse processo e qual a sua natureza jurídica.
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE
Para o bom entendimento dos crimes de responsabilidade, do processo de impeachment, mister destacar, inicialmente, o seu contexto histórico. Conforme lembra Pinto Ferreira, a “[...] história política sempre assistiu a hostilidade com que se perseguiram homens eminentes, ora com razão, ora por simples mesquinharia”.76 Nesse norte, é necessário “[...] relembrar os casos de Themístocles, na história grega, que foi exilado pela Assembléia popular de Atenas, e de Públio Cipião, o Africano, também exilado de Roma para a própria Itália, responsabilizado pelo uso irrestrito da fortuna pública”. Assim, denota-se que “[...] sempre houve os chamados processos de responsabilidade que caracterizam o impeachment, mas é claro que ele surgiu com suas notas distintivas precisas muito mais tarde na história política”.77 Contudo, salienta-se que somente no final da Idade Média, na Inglaterra, é que surgiu o instituto denominado impeachment. Sobre a origem do impeachment anota-se: 76
FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 9. ed. ampli. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 384. 77 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 384.
34 Originou-se da prática de a Câmara dos Comuns promover a acusação dos ministros do rei e a dos lordes julgá-los. Por razões compreensíveis, o impedimento foi perdendo sua razão de ser à medida que o sistema de governo foi evoluindo para o parlamentarismo. Neste, a noção de censura, 78 que conduz à queda do Gabinete, veio a fazer-lhe as vezes (século XVII).
Assim, denota-se o impeachment surgiu “[...] na Inglaterra no ano de 1376, com Eduardo III, como uma instituição mediante a qual a Câmara dos Comuns formulava acusações contra os ministros do rei, e a Câmara dos Lordes os julgava”.79 Segundo a doutrina, o fim dessa medida, na Inglaterra, “[...] era atemorizar tais ministros, já que então eles não dependeriam tão-só do rei, porém estavam também obrigados a prestar a devida atenção ao Parlamento, tomando assim cuidado com a sua conduta”.80 No que tange aos crimes de responsabilidade nos Estados Unidos, Celso Ribeiro Bastos aduz que: A Constituição americana adotou o impeachment, com a particularidade, entretanto, de reservá-lo para os crimes políticos praticados tão-só por algumas autoridades, basicamente os funcionários nomeados pelo 81 Presidente, ficando fora de sua abrangência os deputados e senadores.
Nessa mesma linha, leciona Alexandre de Moraes: A Constituição da Filadélfia já previa o instituto do impeachment (art. 1°, Seção 3ª, art. 2° Seção 4ª), que nos Estados Unidos da América foi tentado contra o Presidente Andrew Johnson, em 1868, sem êxito, e, mais recentemente, no famoso caso Watergate, tendo o Presidente Nixon renunciado antes de se iniciar o processo, e contra o Presidente Bill Clinton, 82 também sem sucesso.
Aponta-se que “o processo mais famoso registrado na história americana foi o de Andrew Johnson, em 1860, que conseguiu evitar o seu afastamento da Presidência pela restrita diferença de apenas um voto.83
78
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 384. 79 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 384. 80 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 384. 81 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional..., 2001, p. 384. 82 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 448. 83 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional..., 2001, p. 384.
35 No direito brasileiro, segundo a doutrina, a Constituição do Império de 1824 já “[...] previa o processo do impedimento, firmada na inspiração anglofrancesa”.84 No entanto, o impeachment só foi previsto na Constituição de 1891, assim como ensina a doutrina: O impeachment surgiu no Brasil com base na Carta de 1891, segundo o modelo norte-americano, mas com características e peculiaridades próprias, principalmente, em relação à definição dos crimes de responsabilidade, seu 85 procedimento e julgamento que, no Brasil, serão definidos por lei ordinária.
De acordo com Pinto Ferreira, “a Constituição de 1891 orientou-se pela sistemática norte-americana. Entretanto, segundo ela, o impedimento foi limitado ao presidente da República, ministros de Estado e ministros do Supremo Tribunal Federal”.86 Sobre as leis infraconstitucionais que regulamentavam os crimes de responsabilidade previstos na Constituição de 1891, Alexandre de Moraes declara o seguinte: No Brasil, as Leis n°s 27 e 30, de 1892, regulamentadoras dos crimes de responsabilidades cometidos pelo Presidente da República, previam a aplicação somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo (art. 33, § 3°, da Constituição Federal de 1891; art. 2° da Lei n° 30, de 1892), dando à pena de inabilitação o caráter de pena acessória (Lei n° 27, de 1892, arts. 87 23 e 24).
Nesse passo, registra-se que na época da Primeira República várias “[...] tentativas de impeachment foram intentadas, contra o Presidente Floriano Peixoto em 1893, contra o Presidente Campos Sales em 1901 e 1902 e contra o Presidente Hermes da Fonseca em 1912. Nenhuma delas surtiu efeito”.88 A Constituição de 1934, por sua vez, apresentou um “[...] sistema complexo de impeachment, inclusive com um tribunal especial composto de nove juízes (três senadores, três deputados e três ministros da Corte Suprema, sob a
84
FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 386. MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 448. 86 FERREIRA, Curso de direito constitucional..., p. 386. 87 MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 448. 88 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 387. 85
36 presidência desta com voto de qualidade), que daria a decisão final”.89 Contudo, salienta-se que essa Carta durou pouco, vez que restou substituída em 1937 pela Ditadura. Já “a Constituição brasileira de 1946 regulou o problema do impeachment com especialidade nos arts. 88 e 89”. No entanto, interessante ressaltar que essa Carta Política “[...] falava de crimes de responsabilidade, sem aludir textualmente à palavra “impedimento” ou “impeachment”.90 Atualmente a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê os crimes de responsabilidade em diversos dispositivos, assim como se verificará adiante, sendo aplicáveis a Lei nº 1079/50 e o Dec. Lei 201/67, recepcionados pela atual Carta.
3.2
ASPECTOS
GERAIS
E
NATUREZA
JURÍDICA
DOS
CRIMES
DE
RESPONSABILIDADE
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou o instituto dos crimes de responsabilidade como instrumento pertinente para a apuração da responsabilidade de determinados governantes.91 Nesse sentido, ressalta-se que, “diferentemente do princípio da absoluta irresponsabilidade, [...], a Constituição Federal prevê regras especiais de responsabilização do Presidente da república, tanto por infrações políticoadministrativas, quanto por infrações penais”.92 Acerca da importância do instituto da responsabilização, anota-se a doutrina de Alexandre de Moraes: Tal previsão torna-se necessária quando analisa-se que a eficácia da constituição é dependente de fatores alheios à mera vontade do legislador constituinte. Por esse motivo, a Constituição Federal não pode ficar indefesa, desprovida de mecanismos que garantam sua aplicabilidade e a defendam, principalmente, dos governantes que buscam ultrapassar os 89
FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 387. FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 387-388. 91 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 92 MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 446. 90
37 limites das funções conferidas a eles pelas normas constitucionais. Dentro deste mecanismo de defesa, que corresponde ao já citado sistema de “freios e contrapesos”, temos a previsão da punição dos assim chamados 93 crimes de responsabilidade.
Destaca-se, nesse quadrante, que “o exercício de funções públicas, notadamente em razão de investidura de natureza política, direciona ao exercente (agente político) deveres que não são extensíveis aos demais agentes públicos (como os servidores, por exemplo)”. Assim, verifica-se que “o regime de responsabilização não sugere apenas a aplicação das normas penais previstas no Código Penal ou na legislação penal especial. Há, para essa categoria de agentes públicos, um regime próprio de responsabilização”.94 Tecidos esses comentários iniciais, importante ressaltar que, como se verá adiante, o instituto do crime de responsabilidade está intimamente ligado à idéia de impeachment. Desta maneira, registra-se que, “de procedência inglesa, impeachment é a palavra que naquela língua significa, como atestam autorizados léxicos, “acusação (por alta traição), contestação, repreensão, ação de pôr em dúvida, depreciação”.95 Nessa mesma linha, anota-se que, a expressão impeachment “[...], proveniente do verbo inglês to impeach, serve para designar tanto o processo parlamentar bifásico contra o Presidente da República e outras autoridades como a pena finalmente atribuível, qual seja, a destituição do cargo ocupado”.96 Assim, importante destacar, nesse passo, o conceito de impeachment. Para J. Cretella Júnior, trata-se do procedimento “[...] tendente a afastar do cargo público de governança aquele que cometeu crimes comuns ou de responsabilidade capitulados taxativamente na Constituição ou em lei especial, regulamentadora do Texto Constitucional”.97 Acerca do conceito e das origens do impeachment, colaciona-se a doutrina de Pinto Ferreira:
93
MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 447. CHIMENTI, Ricardo Cunha. et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 298. 95 Apud CRETELLA JÚNIOR, J. Do impeachment no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. p. 11. 96 ARAUJO L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S., Curso de Direito Constitucional..., p. 314. 97 CRETELLA JÚNIOR, J. Do impeachment no direito brasileiro..., p. 10. 94
38 O poder executivo é o órgão mais influente dos Poderes constitucionais, e por isso os agentes políticos que o representam muitas vezes tendem a exorbitar do âmbito regular de suas atividades. Daí a necessidade evidente de impedir em determinadas ocasiões que tais agentes da administração pública prejudiquem o país, por intermédio de medidas eficazes com esse sentido, afastando-os dos seus cargos. Surgiu com isso o instituto chamado de impeachment na história constitucional inglesa, e que Rui Barbosa denominou julgamento político, sendo laconicamente chamado de 98 impedimento no direito público e constitucional brasileiro.
Nesse quadrante, Luís Roberto Barroso lembra que “embora não seja empregado no texto constitucional ou na legislação, o termo inglês impeachment é utilizado, de forma ampla, para identificar o processo mediante o qual se promove a apuração e o julgamento dos crimes de responsabilidade”.99 Ainda, Pinto Ferreira lembra que Bryce, no livro The American commonwealth, assim se expressou sobre o impeachment: O impeachment é a mais pesada peça de artilharia do arsenal governamental, mas ele é demasiado pesado e inadequado para o uso ordinário. Assemelha-se a um canhão de cem toneladas, que exige maquinismo completo para ser posto em posição, carga enorme de pólvora para fazer fogo, e um grande alvo para a pontaria; ou, variando o simule, é o que os clínicos denominam remédio heróico, medicina extrema, própria para ser aplicada contra o réu oficial de crimes políticos, porém mal 100 adaptada ao castigo de pequenas transgressões.
Registra-se, também, que “[...] por impeachment deve-se entender não só o processo parlamentar, de caráter político e bifásico, como também a pena finalmente aplicável à autoridade processada”.101 Desta maneira, verifica-se que impeachment é um mecanismo utilizado para apurar os crimes de responsabilidade e, consequentemente, punir os responsáveis, principalmente com a perda do cargo público. Logo, “o impeachment é, assim, um processo a fim de impedir que determinadas pessoas permaneçam nos cargos públicos, onde a sua ação prejudica os interesses do país”.102
98
FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 384. BARROSO, Luís Roberto. Crimes de responsabilidade e processo de impeachment: descabimento contra secretário de Estado que deixou o cargo. Revista de processo: São Paulo, RT, v. 95, jul. 1999, p. 85-96. p. 86. 100 BRYCE, [s/d] apud FERREIRA, 1998, p. 385. 101 ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S., Curso de direito constitucional..., p. 314. 102 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 385. 99
39 A idéia nuclear do “[...] impeachment é a de que a autoridade processada deve ser destituída do cargo que ocupa em função de conduta que revele incompatibilidade com os interesses que necessitem ser tutelados pelo cargo que ocupa”.103 Celso Ribeiro Bastos, por seu turno, salienta que os objetivos do impeachment são diferentes dos objetivos da esfera penal, assim como segue: Pode-se dizer que os objetivos do impeachment são diversos dos da lei penal. Esta visa sobretudo à aplicação de uma medida punitiva, como instrumento a serviço de repressão ao crime. O processo de impedimento almeja antes de tudo a cessação de uma situação afrontosa à Constituição e às leis. A permanência de altos funcionários em cargos cujas competências, se mal exercidas, podem colocar em risco os princípios constitucionais e a própria estabilidade das instituições e a segurança da nação, dá nascimento à necessidade de uma medida também destinada a 104 apeá-los do poder.
Após apresentar o conceito e os principais objetivos do impeachment, julga-se pertinente esclarecer e apresentar as principais divergências sobre a sua natureza jurídica. Embora se verifique que a maior parte da doutrina entende ser o impeachment um instituto de natureza política, existem ainda algumas opiniões controversas sobre o tema. Nesse sentido, Paulo Brossard aduz que a definição do impeachment vem dando origem a diversas divergências, isso porque já “[...] foi tido como instituto penal, encarado como medida política, indicado como providência administrativa, apontado como ato disciplinar, concebido como processo misto, quando não heteróclito; e, é claro, como instituição sui generis”.105 Nesse viés, Alexandre de Moraes registra opiniões contrárias à natureza política, afirmando que “para Pontes de Miranda, o impeachment possui natureza penal. Apontando posição intermediária, José Frederico Marques afirma ser o impeachment de natureza mista”.106 Sobre o tema, anota-se:
103
ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S., Curso de direito constitucional..., p. 314. BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional..., 2001, p. 385. 105 BROSSARD, Paulo. O Impeachment: aspectos da responsabilidade política do presidente da república. 3. ed. ampli. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 76. 106 MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 449. 104
40 A doutrina controverte acerca da exata natureza do julgamento em decorrência da prática de atos descritos como crimes de responsabilidade. Com efeito, não se identificam estes por inteiro com o julgamento devido ao cometimento de ilícitos penais. Assim é que, mesmo tendo sido sancionado com a destituição do cargo, pode, ainda, o incurso em crime de responsabilidade vir a ser objeto de condenação no juízo criminal, bastando para isso que o ato ensejador do impeachment seja também descrito pelas leis penais como antecedente de uma sanção. Em outras palavras, a condenação ao impedimento não elide os castigos próprios da lei criminal. A demais, como já visto, a deposição do cargo por qualquer razão antes do 107 julgamento torna este impossível por perda de seu objeto.
Segundo Black, citado por Ferreira Pinto, “[...] a natureza do impedimento é puramente política (‘the nature of this punishment is political only’). O seu fim é afastar o acusado, sem prejuízo de outras sanções que porventura couberem”.108 Nesse mesmo sentido, salienta-se que “[...] o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos.109 Para Waldo Fazzio Júnior, “certamente, intentando extremar as condutas em tela, daquelas contempladas no art. 1°, o diploma legal deixa claro que não são crimes, no sentido técnico-jurídico, mas infrações de relevância política”.110 Desta feita, verifica-se a natureza política do impeachment. Contudo, salienta-se que: Isso não significa que revelem menor gravidade. São ilícitos sujeitos a processo político, mas processo. Daí por que incidem em seus atos procedimentais todos os princípios constitucionais que orientam a instrução processual, cuja inobservância pode motivar a adoção dos remédios 111 constitucionais pertinentes.
Logo, denota-se que existe diferença entre os crimes de responsabilidade e os crimes previstos na lei penal comum. Desta maneira, é mister reconhecer que o crime de responsabilidade não “[...] é um delito propriamente dito, mas uma infração de caráter político-
107
BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional..., 2001, p. 385. FERREIRA, P. Curso de direito constitucional..., p. 386. 109 BROSSARD, P. O Impeachment: aspectos da responsabilidade..., p. 76. 110 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos: comentários, artigo por artigo, da Lei nº 8.429/92 e do DL 201/67. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 42. 111 FAZZIO JUNIOR, W. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos..., p. 43. 108
41 administrativo. Logo, sua configuração não viceja a existência de tipicidade e antijuridicidade, mas sim um juízo congressional de oportunidade e conveniência”.112 Sobre a classificação dos crimes de responsabilidade, leciona a doutrina: Os ilícitos praticados por agentes políticos, sobretudo os chefes de Poderes (especialmente o Presidente da República), são, em regra, pluriobjetivos, uma vez que significam a violação de bens juridicamente tutelados em mais de uma esfera do Direito, importando na aplicação de sanções penais, civis, 113 administrativas e, por vezes, políticas.
Consoante se extrai das lições doutrinárias, embora ainda existam divergências, é possível estabelecer duas conclusões parciais: a natureza política dos crimes de responsabilidade, e sua característica pluriobjetiva.
3.3
AGENTES
POLÍTICOS
QUE
ESTÃO
SUJEITOS
À
APURAÇÃO
DE
RESPONSABILIDADE
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, nomeiam, embora de forma um pouco distinta, as autoridades que estão sujeitas à apuração de responsabilidades. Contudo, registrase que os crimes de responsabilidade praticados por prefeitos municipais são regulados pelo Decreto-lei nº 201/67. A Constituição Federal, de forma taxativa, relaciona os seguintes agentes políticos como sujeitos ativos dos crimes de responsabilidade114: • O Presidente e o Vice-Presidente da República – art. 52, I, primeira parte, e art. 85 da CF. • Os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica – art. 52, I, segunda parte, e art. 102, I, c, CF. • Os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os membros do Conselho Nacional de Justiça e o do Conselho Nacional do Ministério Público, o 112
ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S., Curso de Direito Constitucional..., p. 315. CHIMENTI, R. C. et al, Curso de direito constitucional..., p. 298. 114 MIRANDA, Gustavo Senna. Da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa como crimes de responsabilidade. Revista dos tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 96, n. 857, mar. 2007, p. 478-511. 113
42 Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União – art. 52, II, CF. • Os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente – art. 102, I, c, segunda parte, CF. • Os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais – art. 105, I, a, CF. • Os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da justiça Militar e da Justiça Eleitoral e os membros do Ministério Público da União – art. 108, I, a, CF. Em descompasso, denota-se que a Lei nº 1.079/50 não apresenta em seu texto todas as autoridades relacionadas pela Constituição Federal. Diante disso, analisando essa legislação infraconstitucional, Gustavo Senna Miranda relaciona os seguintes agentes: 1) Presidente da República (art. 4º); 2) Ministro de Estado (art. 13); 3) Ministros do supremo Tribunal Federal (art. 39); 4) Presidentes de Tribunais Superiores ou não que exercem cargo de direção ou equivalentes no que diz respeito aos aspectos orçamentários (art. 39-A, parágrafo único); 5) Procurador-Geral da República (art. 40); 6) Advogado Geral da União (art. 40-A, parágrafo único, I); 7) Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, aos ProcuradoresGerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos ProcuradoresGerais dos Estados e do Distrito Federal, e aos membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia das unidades regionais ou locais das respectivas instituições (art. 40-A, parágrafo único, II, da Lei 1079/50); 115 8) Governadores e Secretários de Estados (art. 74, da Lei 1079/50).
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, lecionam sobre o porquê da responsabilização dessas autoridades: 115
MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 493.
43 É que a tais autoridades o ordenamento jurídico atribuiu responsabilidade política. É dizer, além da estrita observância da lei, tais autoridades, pela importância das funções que desempenham, são qualificações por uma especial fiscalização, qual seja, a empreendida espontânea e continuamente pelo Poder Legislativo, no exercício de funções próprias, especialmente predicadas pela possibilidade de, através do exercício de 116 competência discricionária, afastá-las do cargo ocupado.
No entanto, segundo Gustavo Senna Miranda, “[...] questão delicada se dará quando a Constituição Federal trouxer a possibilidade do agente ser processado pelos crimes de responsabilidade, porém, não encontrar previsão na Lei 1.079/50”. Como exemplo, cita-se a situação dos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Sobre o tema, anota-se: Logo, embora haja previsão Constitucional, de lege lata, é impossível responsabilizar os aludidos agentes pelos crimes de responsabilidade, por falta de previsão na lei, já que a Constituição Federal se limita a dizer que eles serão julgados pelos referidos crimes perante o STF, contudo, sem especificar as condutas que caracterizariam crimes de responsabilidade. O mesmo raciocínio deverá ser aplicado a outros agentes que estejam em 117 semelhante situação.
Frisa-se, ainda, que não existe na Constituição vigente e na Lei nº 1.079/50 previsão de que “[...] os parlamentares (senadores e deputados federais e estaduais e vereadores) possam praticar crimes de responsabilidade. Sendo assim, também não estão tais agentes sujeitos ao processo de impeachment, isto é, às sanções da Lei 1079/50”.118 Finalmente,
quanto
aos
prefeitos
municipais,
os
crimes
de
responsabilidade, como já mencionado, são disciplinados pelo Dec.-lei 201-67, “[...] sob a denominação de ‘infrações político-administrativas’, cujo processo e julgamento, como se sabe, caberá à respectiva Câmara Municipal”.119 Desta maneira, é possível observar quais as autoridades públicas podem ser sujeito ativo dos crimes de responsabilidade e, consequentemente, sofrer impeachment.
116
ARAUJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S., Curso de direito constitucional..., p. 315. MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 494. 118 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 494. 119 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 494. 117
44 3.4 TIPOS DE CONDUTA QUE ENSEJAM A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE
A Constituição Federal, nos incisos do art. 85, define, de forma exemplificativa, um rol de atos que constituem crimes de responsabilidade, assim como segue: Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que 120 estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Assim, denota-se que “crimes de responsabilidade são infrações políticoadministrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função”, ou que atentam contra uma das hipóteses do artigo acima mencionado. Desta forma, verifica-se a necessidade de lei especial para estabelecer as normas e processo de julgamento. Bem a propósito, registra-se que existe com tal finalidade a Lei nº 1.079/50. Nesse passo, importante mencionar que na época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, travou-se um debate sobre a recepção ou não da Lei nº 1.079/50 pela Constituição Federal de 1988. No entanto, ressalta-se que restou pacificado o seguinte entendimento: Não temos dúvida que a atual Carta, ao mencionar a regulamentação dos arts. 85 e 86 (par. ún., art. 85, da CF), recepcionou a Lei 1.079, à exceção de seus arts. 81 e 68: o primeiro mencionado, por estabelecer maioria absoluta para a declaração de procedência da acusação e o segundo, ao prescrever pena acessória de inabilitação por cinco anos. Obviamente, tais dispositivos, apenas, não foram recepcionados pela atual Carta Política, já que nossa Lei Maior, em seu art. 51, estabelece aquele quorum em dois terços e o art. 52, par. ún., prescreve em oito anos o limite para a inabilitação. [...]. 120
BRASIL, Constituição (1988)..., acesso em: 10 de abr. 2008.
45 Assim, a Lei 1.079 não ficou imprestável com o advento das Constituições de 1967 e 1988. Apenas, os dois prefalados artigos é que seriam substituídos por nova lei que os alterasse. Na falta dela, os arts. 51, I, e 52, par. ún., da Constituição vigente são seus sucedâneos estruturais que, respectivamente, elevaram o quorum para dois terços e a pena acessória 121 para oito anos.
Tal entendimento restou consolidado quando o Supremo Tribunal Federal assim decidiu: “A Lei 1.079, de 1950, editada sob o pálio da CF/46, que foi recepcionada em sua grande parte pela CF/88, é a lei referida no parágrafo único do art. 85”.122 Desta feita, conclui-se, portanto, que a Lei 1.079/50, que disciplina os crimes de responsabilidade, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, com exceção dos artigos 81 e 68. Superadas essas questões, passa-se a comentar o rol exemplificativo dos crimes de responsabilidade previsto no artigo 85 da Constituição Federal, assim como segue: A Lei Maior prevê, no art. 85, rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição Federal, passíveis de enquadramento idêntico ao referido rol, desde que haja previsão legal, pois, o brocado nullum crimen sine typo também se aplica, por inteiro, ao campo dos ilícitos 123 político-administrativos, [...].
Nesse
passo,
destaca-se
o
rol
das
hipóteses
de
crimes
de
responsabilidade previsto na Lei 1079/50: Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I - A existência da União: II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: IV - A segurança interna do país: V - A probidade na administração; VI - A lei orçamentária; VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
121
FREITAS, José Ferreira de. Crimes de responsabilidade: os tribunais de jurisdição mista (Lei 1.079). Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, RT, v.25, out. 1998, p. 102-108. p. 105. 122 BARROSO, L. R., Crimes de responsabilidade e processo..., p. 87. 123 MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 447.
46 VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).
124
O artigo 52, parágrafo único, da Carta Magna, apresenta as “[...] duas sanções autônomas e cumulativa a serem aplicadas na hipótese de condenação por crime de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”.125 Alexandre de Moraes, por seu turno, leciona acerca da inabilitação para o exercício de função pública: Salienta-se que a inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, compreende todas as funções públicas, sejam as derivadas de concursos públicos, sejam as de confiança, ou mesmo os mandados eletivos. Desta forma, o Presidente da República condenado por crime de responsabilidade, além de perder o mandato, não poderá candidatar-se ou 126 exercer nenhum outro cargo político eletivo nos oito anos seguinte.
Nesse quadrante, sublinha-se que as sanções impostas aos agentes de crimes de responsabilidade “[...] importam a vacância do cargo, a desinvestidura do agente e a sua inabilitação por período de tempo certo para o exercício de funções públicas”.127 Constituem, portanto, sanções não penais que podem ser aplicadas independentemente de processo criminal comum. Celso Ribeiro Bastos lembra ainda que: Os ocupantes de altos cargos públicos do Estado estão sujeitos não só às sanções previstas para a prática de atos infringentes das leis penais do País, mas também a uma especial apenação que consiste na desinvestidura dos cargos que ocupam, acompanhada ou não da proibição de vir a assumir novas funções públicas no futuro. Estas conseqüências são tidas por políticas e, em razão disso, os atos que a ensejam, designados crimes políticos. O processamento pela prática destes atos visa ao impedimento (impeachment do direito anglo-saxão) ou destituição do cargo da autoridade julgada. Daí não ser possível processo dessa natureza contra agente público que, a qualquer título, tenha deixado de prover cargo público, ainda que tenha incidido na prática de crimes de responsabilidade 128 durante o período em que desempenhou a função estatal.
124
BRASIL. Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Disponível em: . Acesso em: 25 mai. 2008. 125 MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 448. 126 MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 448. 127 CHIMENTI, R. C. et al, Curso de direito constitucional..., p. 298. 128 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional..., 2001, p. 384.
47 Já o “[...] elenco de crimes de responsabilidade de prefeito e seu processamento constitui matéria regulada nos arts. 4° e 5° do Decreto-lei n° 201/67.129 Nesse norte, registra-se: Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: I - Impedir o funcionamento regular da Câmara; II - Impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria, regularmente instituída; III - Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular; IV - Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa formalidade; V - Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária; VI - Descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro, VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou emitir-se na sua prática; VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura; IX - Ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar-se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores; 130 X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo. [sem grifo no original].
Embora não haja espaço para discutir a questão ainda nesse trabalho acadêmico, ressalta-se que há um grande debate em torno desse Decreto que disciplina os crimes de responsabilidade praticados por prefeitos. Isso porque, conforme lembra Adilson Abreu Dallari, “o Decreto-lei nº 201, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, foi editado com base no Ato Institucional nº 4. Ele jamais teve qualquer suporte constitucional”.131 Em
que
pese
essa
discussão,
denota-se
que
os
crimes
de
responsabilidade tipificados para os prefeitos municipais mostram-se bem diferentes daqueles previstos para os demais agentes políticos na Constituição Federal e na Lei 1.079/50.
129
FAZZIO JÚNIOR, W. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos..., p. 42. BRASIL. Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Diponível em: . Acesso em: 22 mai. 2008. 131 DALLARI, Adilson Abreu. Crime de responsabilidade não e infração penal. Revista de Direito Administrativo Aplicado. Curitiba: Gênesis, v.4, mar. 1995, p. 49-55. p. 51. 130
48 Assim, com base nas informações acima, denotam-se os casos exemplificativos que constituem crimes de responsabilidade e, ainda, as sanções políticas cabíveis previstas na Constituição Federal, na Lei nº 1.079/50 e no Dec.-lei 201/67. Por derradeiro, registra-se que no próximo e último capítulo dessa pesquisa analisar-se-á a problemática que envolve a sobreposição dessas legislações, que tratam dos crimes de responsabilidade, em relação à Lei de Improbidade Administrativa.
3.5 PROCESSO DE APURAÇÃO DO CRIME DE RESPONSABILIDADE
De acordo com a Constituição Federal, arts. 51, I, 52, I, e 86, o processo de apuração dos crimes de responsabilidade possui duas fases: “juízo de admissibilidade do processo e processo e julgamento”.132 [grifo no original]. Na primeira fase, “[...] a Câmara dos Deputados, pelo voto ostensivo e nominal de 2/3 dos seus membros, admite a acusação e autoriza a instauração do processo”.133 Ressalta-se que a acusação perante a Câmara dos Deputados pode ser efetuada por qualquer brasileiro,134 assim como segue: Todo cidadão, e apenas ele, no gozo de seus direitos políticos é parte legítima para oferecer a acusação à Câmara dos Deputados. A acusação da prática de crime de responsabilidade diz respeito às prerrogativas da cidadania do brasileiro que tem o direito de participar dos negócios 135 políticos.
Acerca do juízo de admissibilidade realizado pela Câmara dos Deputados, anota-se a doutrina de Alexandre de Moraes: [...] os deputados federais, na apreciação da admissibilidade do crime de responsabilidade, devem analisar cognitivamente duas fases: (1) ser ou não 132
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 549.. 133 CHIMENTI, R. C. et al. Curso de direito constitucional..., p. 299. 134 SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo..., p. 549. 135 MORAES, A. de. Direito constitucional..., 2004, p. 449.
49 a denuncia objeto de deliberação; e (2) proceder, ou não, a acusação da 136 denúncia. Assim, o que a Câmara dos Deputados vai decidir é a conveniência políticosocial da permanência do Presidente da República na condução dos negócios do Estado, e não se houve cometimento de crime de 137 responsabilidade. O critério é absolutamente político.
Ainda sobre a primeira fase do processo de impeachment, ressalta-se a explicação de José Afonso da Silva sobre as ações da Câmara dos Deputados: Esta conhecerá, ou não, da denúncia; não conhecendo, será ela arquivada; conhecendo, declarará procedente, ou não, a acusação; julgando-a improcedente, também será arquivada. Se a declarar procedente pelo voto de dois terços de seus membros, autorizará a instauração do processo (arts. 51, I, e 86), passando, então, a matéria: (a) à competência do Senado 138 Federal, se se tratar de crime de responsabilidade (arts. 52, I, e 86); [...].
Desta feita, superada a fase de admissibilidade efetuada pela Câmara dos Deputados, passa-se para a segunda fase do processo que, por sua vez, “[...] tem início no momento em que o Senado Federal instaura o processo pelo crime de responsabilidade (e passa a atuar como um Tribunal de Julgamento)”.139 Iniciada essa fase, o Presidente da República “[...] ficará provisoriamente suspenso de suas funções. Caso em cento e oitenta dias o julgamento junto ao Senado não esteja concluído, cessa o afastamento do Presidente da República, sem prejuízo do seguimento do processo”.140 Sobre o processo de impeachment no Senado Federal, destaca-se: Recebida a autorização da Câmara para instaurar o processo, o Senado Federal se transformará em tribunal de juízo político, sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Senado decidir se instaura ou não o processo. Quando o texto do art. 86 diz que, admitida a acusação por dois terços da Câmara, será o Presidente submetido a julgamento perante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade, não deixa a este possibilidade de emitir juízo de conveniência de instaurar ou não o processo, pois que esse juízo de admissibilidade refoge à sua competência e já fora feito por quem cabia. Instaurado o processo, a primeira conseqüência será a suspensão do Presidente de suas funções (art. 86, § 1°, I). O processo seguirá os trâmites legais, com oportunidade de ampla defesa ao imputado, concluindo pelo julgamento, que poderá ser absolutório, com o arquivamento do processo, ou condenatório por dois terços dos votos do Senado, limitando-se a decisão à perda do cargo, com inabilitação por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo 136
MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 450. MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 450. 138 SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo..., p. 549. 139 CHIMENTI, R. C. et al. Curso de direito constitucional..., p. 299. 140 CHIMENTI, R. C. et al. Curso de direito constitucional..., p. 299. 137
50 das demais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único). É isso que 141 caracteriza o chamado impeachment. [grifo no original].
Ressalta-se que o julgamento por crime de responsabilidade junto ao Senado “[...] será presidido pelo presidente do STF (que não vota), e a condenação depende de 2/3 dos votos (ostensivos e nominais) de todos os membros do Senado Federal. A decisão será explicitada mediante resolução do Senado”.142 Nesse quadrante, importante mencionar que “mesmo com a renúncia, o processo segue para que se julgue a inabilitação (caso Collor)”.143 Nesse sentido, salienta-se: [...] já iniciado o processo de responsabilização política, tornaria inócuo o dispositivo constitucional se fosse obstáculo ao prosseguimento da ação. Basta supor a hipótese de um Chefe de Executivo que, próximo do final de seu mandato, pressentisse a inevitabilidade da condenação. Renunciaria e, meses depois, poderia voltar a exercer função pública... Assim, havendo renúncia, o processo de responsabilização deve prosseguir para condenar ou absorver, afastando, ou não, sua participação da vida pública pelo prazo 144 de oito anos”.
Finalmente, frisa-se que o STF, por maioria de votos, já “[...] decidiu pela impossibilidade de o Poder Judiciário alterar a decisão do Senado Federal”.145 Desta maneira, denotam-se, mesmo que de forma resumida, as fases e as
principais
características
do
processo
de
apuração
dos
crimes
de
responsabilidade. Logo, depois do estudo dos crimes de responsabilidade nesse capítulo, passa-se, no próximo e derradeiro capítulo desta monografia, para a abordagem do afastamento da incidência da lei de improbidade aos agentes políticos: análise da Reclamação 2138, tema principal deste trabalho acadêmico.
141
SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo..., p. 549. CHIMENTI, R. C. et al. Curso de direito constitucional..., p. 299. 143 CHIMENTI, R. C. et al. Curso de direito constitucional..., p. 299. 144 MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 456. 145 MORAES, A. de. Direito Constitucional..., 2004, p. 456. 142
51 4 DO AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI DE IMPROBIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS: ANÁLISE DA RECLAMAÇAO 2138
Depois da análise dos aspectos gerais em torno da ação de improbidade administrativa e da responsabilização dos agentes políticos com base na Lei nº 1079/50 nos capítulos anteriores, dedica-se este último capítulo ao estudo do tema e problema central desta pesquisa acadêmica, qual seja: o afastamento da incidência da lei de improbidade aos agentes políticos, a partir de uma análise da Reclamação nº 2138.
4.1 BREVE DESCRIÇÃO DO CASO E DAS QUESTÕES DE ORDEM SUSCITADAS
Com base no relatório da Reclamação 2138, confeccionado pelo Ministro Nelson Jobim, denota-se que a discussão originou-se com a propositura de uma Ação de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, na 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, em face do Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, da Presidência da República.146 Consoante às informações do relatório, verifica-se que a suposta improbidade administrativa praticada pelo Ministro “[...] consistia na solicitação e utilização indevidas de aeronaves da FAB para transporte particular seu e de terceiros, sem vinculação às suas atividades funcionais”.147 Diante disso, o Ministério Público Federal requereu, na inicial, a condenação do réu nas sanções previstas na lei de improbidade. Contudo, apesar do réu e da União alegarem em resposta a incompetência absoluta do juízo, o pedido foi julgado procedente “para condenar o
146
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 2.138-6, Distrito Federal. Relator originário: Min. Nelson Jobim. Relator para o acórdão: Min. Gilmar Mendes. Reclamante: União. Reclamado: Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e Relator da AC nº 1999.34.00.016727-9 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Interessado: Ministério Público Federal. Data da publicação: 18 abr. 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 mai. 2008. 147 BRASIL, Reclamação 2.138-6, Relatório Min. Nelson Jobim, fls. 97.
52 réu nas penalidades previstas na lei de improbidade, art. 12, e art. 37, §4º da CF”. em contraposição, o réu e a União apelaram. Nesse contexto, a União propôs a Reclamação em comento contra o Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e contra o Relator da AC nº 1999.34.00.016727-9 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, objetivando a preservação da “[...] competência do STF para processar e julgar, originariamente, o pedido formulado na Ação de Improbidade”.148 Denota-se, quanto ao cabimento da ação, que: [...] a União espera que se acolha a reclamação para que se reconheça que constitui usurpação da competência do STF julgar Ministro de Estado por crime de responsabilidade, processando agente político com base na Lei de 149 Improbidade nas instâncias originárias.
Ainda, segundo a União, o agente político não pode ser processado com base na lei de improbidade. “A responsabilidade desses agentes, mesmo que por ato capitulado como improbidade administrativa, deve ser vista, segundo o prisma constitucional, como subsumível à averiguação em sede de processo por crime de responsabilidade”.150 Desta maneira, pode-se concluir que o centro da problemática discutida nessa Reclamação consiste em saber se a Constituição Federal admite a coexistência de dois regimes de responsabilização: “a) o previsto no art. 37, § 4º, e regulado pela L. 8.429, de 1992 e, b) o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, “c” da, Constituição e disciplinado pela L. 1.079, de 1950”.151 Esta é, basicamente, a controvérsia discutida. No que tange às questões de ordem suscitadas pelos Ministros no curso do julgamento, verifica-se a presença de duas delas: a primeira quanto à manutenção da competência do STF; e a outra pelo sobrestamento do julgamento. Quanto à questão de ordem sobre a manutenção da competência do STF para julgamento da Reclamação, denota-se que a mesma tinha fundamento no fato novo de cessação do exercício da função pública pelo interessado, vez que na oportunidade do julgamento o interessado já não ocupava mais o cargo de Ministro 148
BRASIL, Reclamação 2.138-6, Relatório Min. Nelson Jobim, fls. 99. BRASIL, Reclamação 2.138-6, Relatório Min. Nelson Jobim, fls. 99. 150 BRASIL, Reclamação 2.138-6, Relatório Min. Nelson Jobim, fls. 102. 151 BRASIL, Reclamação 2.138-6, Relatório Min. Nelson Jobim, fls. 95. 149
53 de Estado. No entanto, conforme se constata na análise da ementa, a referida questão de ordem restou rechaçada porque o ex-ministro assumiu, posteriormente, cargo de Chefe de Missão Diplomática, mantendo, assim, a prerrogativa de foro perante o STF, assim como segue: Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, 152 conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Questão de ordem rejeitada.
Já no que se refere à questão de ordem acerca do sobrestamento do julgamento, segundo o Ministro Marco Aurélio, era importante a paralisação do processo em virtude na nova composição do Supremo, isso porque já não podiam mais contar com a presença de quatro membros que participaram do início do julgamento153. Contudo, em face do processo já se arrastar por mais de cinco anos e em nome da celeridade processual, a questão foi rejeitada.154 Além dessas questões, foi suscitada preliminar sobre a possibilidade de participação
da
Procuradora
representante
da
Associação
Nacional
dos
Procuradores da República na ação, na qualidade de interessada. No entanto, decidiu o STF pelo indeferimento da preliminar haja vista o Ministério Público já estar representado na Reclamação pelo Procurador-Geral da República, assim como demonstram os seguintes argumentos do relator: Sustentei e continuo sustentando que a eminente Procuradora, Dra. Valquíria Oliveira Quixadá Nunes, que foi uma das firmatárias da ação de probidade em primeiro grau, não poderá também agir como interessada e impugnar essa representação, uma vez que aqui, perante o Supremo, o Ministério Público Federal, do qual integra a eminente Procuradora, é 155 representado exatamente pelo Procurador-Geral da República.
Desta feita, sublinha-se que ambas as questões de ordem e a preliminar suscitadas na Reclamação em comento restaram afastadas pelo STF.
152
BRASIL, Reclamação 2.138-6, ementa, fls. 94. Ministros que votaram na Reclamação, mais que, na conclusão do julgamento, já não compunham mais a Corte: Nelson Jobim; Carlos Velloso; Ilmar Galvão e Maurício Corrêa. 154 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto s/ questão de ordem do Min. Marco Aurélio, fls. 208. 155 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto s/ questão de ordem do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 106. 153
54 4.2 IDENTIFICAÇÃO DO ALCANCE DA DECISÃO
Embora a Reclamação estudada refira-se especificamente a um Ministro de Estado, o STF discutiu de forma geral a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos e a competência originária do STF para julgamento das autoridades elencadas no art. 102, I, c, da Constituição Federal. Desta feita, questiona-se quais os agentes políticos ou autoridades estariam, de fato, abrangidos pelos efeitos da decisão do Supremo. De acordo com o Ministro Relator Nelson Jobim, “o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes
públicos”.
Isso
porque
“o
próprio
texto
constitucional
refere-se
especialmente aos agentes políticos, conferindo-lhes tratamento distinto dos demais agentes públicos”.156 Logo, nesse passo, importante colacionar o conceito de agente político apresentado por Hely Lopes Meirelles: Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam como plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis 157 especiais.
Já Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta um conceito mais reduzido de agente político, preocupando-se em elencar os abrangidos pela expressão, vejase: Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários nas diversas Pastas, bem
156 157
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 95. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 73.
55 como os Senadores, Deputados 158 vereadores. [sem grifo no origianl].
federais
e
estaduais
e
os
Desta feita, verifica-se a dificuldade de conceituar agentes políticos, ou seja, de estabelecer quais as autoridades estão abrangidas por essa denominação. De outra norte, declara o Relator não ter dúvidas de que “[...] esses agentes políticos estão regidos por normas próprias”, vez que “tudo decorre da peculiaridade do seu afazer político”.159 Para ele, submeter essas autoridades “[...] aos paradigmas comuns e burocráticos que imperam na vida administrativa de rotina é cometer uma grotesca subversão”.160 No entanto, conforme leciona Eduardo Fortunato Bim, para os fins de crimes de responsabilidade: [...] o conceito de agente político não coincide totalmente com o seu significado cunhado pela doutrina porque abrange também outros cargos que, dependendo da definição adotada, não são considerados de agentes políticos: juízes, Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)/ Conselho Nacional do Ministério 161 Público (CNMP) e chefes de missões diplomáticas.
Para Maria Sylvia Zanela Di Pietro, a decisão do Supremo alcança apenas os elencados no art. 102, I, c, da Constituição Federal: Quanto aos agentes políticos referidos no artigo 102, I, c, da Constituição (Ministros de Estado e Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, Membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e Chefes de missão diplomática), o Supremo Tribunal Federal, depois de fazer distinção entre os regimes de responsabilidade políticoadministrativa previstos na Constituição, quais sejam, o do artigo 37, § 4º, regulado pela Lei nº 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no artigo 102, I, c, disciplinado pela Lei nº 1.079/50, decidiu que tais agentes, por estarem regidos por normas especiais de responsabilização, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei nº 8.429, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser 162 proposta perante o Supremo Tribunal Federal.
Contudo, segundo Eduardo Fortunato Bim, os efeitos dessa decisão poderão ser estendidos aos demais Tribunais, conforme prerrogativa de foro 158
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 229. 159 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 134. 160 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 134. 161 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 200. 162 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 778-779.
56 estabelecida pela Constituição Federal, e, com isso, abranger outras autoridades, até mesmo os prefeitos municipais que, no que tange aos crimes de responsabilidade, são regidos pelo Decreto Lei nº 201/67: Sem nenhuma dificuldade, o raciocínio certamente seria extensível à competência originária do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a), que estaria sendo usurpada, bem como a dos Tribunais Regionais Federais (CF, art. 108, I, a), dos Tribunais de Justiça (CF, art. 96, III), das Assembléias Legislativas e da Câmara de Vereadores, estas julgando os Prefeitos nos crimes de responsabilidade com base no art. 4º do DL 201/67. Desta forma, não é difícil imaginar a envergadura das conseqüências de uma eventual decisão do STF admitindo o regime específico da improbidade administrativa dos agentes submetidos aos crimes de 163 responsabilidade.
Aplicada a tese de transcendência dos efeitos de decisões emblemáticas do STF164, este posicionamento resultaria na alteração de um sem número de feitos em tramitação no juízo comum, sobretudo contra autoridades municipais (prefeitos e ex-prefeitos). Desta maneira, pode-se notar que não há como detalhar com precisão quais os agentes ou autoridades alcançadas pelos efeitos dessa decisão, embora a Reclamação trate especificamente da competência originária para julgamento das autoridades previstas no art. 102, I, c, da Constituição Federal.
4.3 REGIMES DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA: DEBATE SOBRE A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO
Apesar da Lei de Improbidade Administrativa representar um importante instrumento contra a corrupção no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, no recente julgamento da Reclamação 2138, entendeu que a mesma não pode ser aplicada aos agentes políticos em virtude da Lei 1.079/50, que, por sua vez, dispõe sobre os crimes de responsabilidade.165
163
BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 200. BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Gilmar Mendes e Eros Grau. 165 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 479. 164
57 Os principais fundamentos dessa decisão consistem na impossibilidade da
Constituição
Federal
admitir
concorrência
entre
dois
regimes
de
responsabilização político-administrativa: crimes de responsabilidade e improbidade administrativa; na impossibilidade dos agentes políticos, no caso específico os Ministros de Estado, se submeterem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8429/92), vez que são regidos por normas especiais de responsabilidade (Lei nº 1.079/50); na competência do STF para julgar crimes de responsabilidade; e, finalmente, na incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o STF, por crime de responsabilidade.166 Contudo, denota-se que essa decisão vem suscitando muita polêmica na doutrina e até mesmo entre os Ministros do STF, por esse motivo julga-se necessário, nesse quadrante, apresentar o debate doutrinário e dentre os Ministros do STF sobre a possibilidade de cumulação dos regimes de responsabilização político-administrativa previstos na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei dos Crimes de Responsabilidade. Assim, como já salientado, verifica-se que existe uma corrente, adotada atualmente pelo STF, que defende que a Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8429/92, não pode ser aplicada quando “[...] o agente público também possa ser responsabilizado pela prática de “crime de responsabilidade”, previsto na Lei 1.079/50, pois eles seriam submetidos a um regime próprio de responsabilidade previsto na Constituição Federal”.167 Para tanto, os defensores dessa tese apresentam diversos argumentos sobre a impossibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade e dos atos de improbidade administrativa, assim como se verifica na fundamentação do voto do Ministro Relator Nelson Jobim: Entendo que, aos MINISTROS DE ESTADO, por estarem submetidos a um regime especial de responsabilidade, não se aplicam às regras comuns da lei de improbidade. [...] Aceitar a tese de que os juízes de primeiro grau e os promotores que perante eles atuam são mais independentes, é cometer uma injúria grave contra o STF e as demais Cortes judiciais do Brasil. 166 167
BRASIL, Reclamação 2.138-6, ementa, fls. 95. MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 496.
58 O entendimento contrário importaria no completo esvaziamento da competência do STF para processar e julgar, por crime de responsabilidade, os MINISTROS DE ESTADO e os Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente 168 (CF, art. 102, I, “c”).
Segundo o Relator, “[...] a ação de improbidade é uma ação por crime de responsabilidade. [...] Não há como aceitar o bis in idem que se pratica em detrimento da competência desta Corte”.169 De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, o cerne da questão está na incompetência dos juízes de primeira instância para julgamento de tais autoridades por improbidade administrativa, assim como segue: [...] a incompetência dos juizes de primeira instância para processar e julgar causas de improbidade administrativa em que sejam réus ministros de Estado ou membros de tribunais superiores, (...) tendo em vista, sobretudo, a natureza das sanções aplicáveis. [...] admitir a competência funcional dos juízes de primeira instância implicaria (...) subverter todo o sistema jurídico nacional de repartição de competências. Isso porque a Lei 8.429/92 haveria de ser entendida como 170 seguindo as regras constitucionais da competência hierárquica.
Logo, denota-se que para o Ministro acima mencionado, há identidade entre a natureza das sanções aplicáveis em ambos os regimes: improbidade administrativa e crimes de responsabilidade. A Ministra Ellen Gracie, por seu turno, corrobora a tese de identidade das sanções e da ofensa à prerrogativa de forro, assim como demonstram os seguintes fundamentos: [...] entendo que não se pode admitir que quaisquer atos dos agentes políticos, alcançados pelo beneficio do foro privilegiado por prerrogativa de função, sejam apreciados em primeira instância, com base na Lei 8.429, de 92, isso porque, dado o caráter predominantemente punitivo das sanções nela previstas, tal solução entraria em testilha com o dispositivo constitucional que afirma a competência desta Corte para o julgamento dos crimes de responsabilidade, ou seja, o art. 102, inciso I, letra c. Acrescento, ademais, que diversamente do que muito se propala, a prerrogativa de foro não se materializa em privilégio, no sentido pejorativo vulgarmente utilizado pela crítica leiga. Destina-se, isso sim, à segurança da própria sociedade, de modo a assegurar que a autoridade pública, por mais alta a função que exerça, seja processada e julgada na forma da lei, de maneira isenta, imune as influências externas e pressões de ordem política, 168
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 143-145. BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Rel. Nelson Jobim, fls. 148. 170 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Gilmar Mendes, fls. 149. 169
59 pois o juízo estará no mesmo patamar hierárquico do réu. Terá, ainda, melhores condições de mensurar as razoes de Estado que levaram a 171 autoridade à conduta impugnada.
O Ministro Carlos Velloso, por sua vez, discorda parcialmente desse fundamento, apresentado posicionamento “intermediário” que parece admitir a coincidência parcial de ambos os regimes, assim como segue: [...] os agentes políticos mencionados somente respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados na lei especial (CF, parágrafo único do art. 85). No que não estiver tipificado como tal, não há se falar em crime de responsabilidade. E no que não estiver tipificado como crime de responsabilidade, mas estiver definido como ato de improbidade, responderá o agente político na forma da lei própria, a Lei 8.429 de 1992, aplicável a qualquer agente público, certo que ‘reputa-se como agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contração ou qualquer outra forma de investidura ou vinculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior’ 172 (Lei 8.429/92, art. 2.°).
Desta feita, “[...] percebe que o Ministro Carlos Velloso também afasta a possibilidade de aplicação da Lei 8.429/92 em relação aos agentes políticos quando a mesma tipificação estiver prevista como crime de responsabilidade (Lei 1.079/50)”. No entanto, “[...] caso a conduta praticada pelo agente não encontre previsão de tipificação como crime de responsabilidade será plenamente possível a incidência da Lei de Improbidade Administrativa”.173 Nesse quadrante, Gustavo Senna Miranda realiza a seguinte reflexão sobre o posicionamento do mencionado Ministro: Não há como concordar com a tese acima. Realmente, sem embargo das posições em sentido contrário, o aludido posicionamento é equivocado, pois, na verdade, acaba desconsiderando o comando existente no art. 37, § 4.°, da CF/88, na medida em que elimina a possibilidade de incidência da Lei de Improbidade Administrativa em relação aos agentes que respondem pela prática dos atos considerados crimes de responsabilidade, submetidos, portanto, a um julgamento político, que poderá ter como conseqüência o impeachment do agente, com possibilidade apenas das sanções de perda do cargo e inabilitação para o exercício da função pública, ambas aplicadas cumulativamente, conforme não deixa dúvida o art. 52, parágrafo único, da 174 CF/88.
171
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Ellen Gracie, fls. 152. BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Carlos Velloso, fls. 175. 173 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 499. 174 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 499. 172
60 Desta forma, percebe-se que, em contraponto à tese majoritária do STF, existe uma forte corrente doutrinária que aponta argumentos favoráveis à incidência da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, ou seja, a cumulação com a responsabilização por crime de responsabilidade. Segundo essa corrente, “ter penas e nomes semelhantes ou iguais não torna os julgamentos incompatíveis”175 Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que “a improbidade administrativa e o crime de responsabilidade são apurados em instâncias diversas e atendem a objetivos diversos”.176 Para a doutrinadora: Todos os agentes públicos que praticam infrações estão sujeitos a responder nas esferas penal, civil, administrativa e político-administrativa. Nenhuma razão assiste para que os agentes políticos escapem à regra, até porque, pela posição que ocupam, têm maior compromisso com a probidade administrativa, sendo razoável que respondam com maior 177 severidade pelas infrações praticadas no exercício de seus cargos.
Além disso, conforme lembra Eduardo Fortunato Bim, a jurisdição dos tribunais superiores para apreciar os crimes de responsabilidade “[...] não é esvaziada pela decisão judicial na ação de improbidade administrativa. Se uma competência é eminentemente política e a outra tem fins ressarcitórios, não há como uma esfera esvaziar ou interferir na outra”.178 Nesse diapasão, para aclarar a discussão, destaca-se a diferença apresentada pela doutrina entre crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa: Com efeito, os atos de improbidade administrativa não se confundem com os impropriamente denominados crimes de responsabilidade, uma vez que os primeiros configuram ilícitos de natureza civil (extrapenal) – muito embora tenha conseqüências na esfera administrativa – , enquanto os 179 segundos são infrações político-administrativas.
175
BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 230. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 779. 177 DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo..., 2008, p. 779. 178 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 229-230. 179 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 500. 176
61 De acordo com essa parcela da doutrina, o STF, ao acatar a tese de impossibilidade de cumulação, desconsiderou essa distinção existente desde sempre entre esses dois institutos.180 Assim, “tendo naturezas diferenciadas, a previsão de uma conduta ímproba de crimes de responsabilidade não consome a improbidade administrativa com a mesma tipificação”.181 Ainda sobre a independência dos crimes de responsabilidade e dos atos de improbidade administrativa, anota-se o seguinte posicionamento: Percebe-se, portanto, que os denominados crimes de responsabilidade não se confundem com os crimes comuns e com outros ilícitos de natureza extrapenal, como os atos de improbidade administrativa, sendo, assim, possível a tramitação de processos simultâneos pelo mesmo fato que importe em responsabilidade civil, por crime de responsabilidade e por 182 crime comum, não havendo em que se falar em dupla punição.
Para os defensores dessa tese, se existisse somente a hipóteses de incidência “[...] das sanções dos crimes de responsabilidade, a Constituição certamente teria excluído a possibilidade da aplicação das demais sanções judiciais. No entanto, expressamente ressaltou a sua aplicabilidade no parágrafo único de seu art. 52”.183 Nesse mesmo viés, anota-se: Ora, a própria Constituição Federal não deixa dúvidas ao dispor que a punição pelos crimes de responsabilidade não impede a incidência de outras sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo único, parte final), podendo, portanto, a referida norma ser interpretada no sentido de que será possível responsabilizar o agente pela prática de crime ou até mesmo de eventual ilícito civil, como os que caracterizam atos de improbidade administrativa. Assim, não há que se falar em contradição ou superposição de instâncias, uma vez que também é possível que a condenação criminal gere a suspensão ou a perda dos direitos políticos, da mesma forma como é possível pela condenação por improbidade administrativa, como se nota 184 pelo art. 15, III e V, da CF/88.
180
MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 500. BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 225. 182 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 501. 183 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 230. 184 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 501. 181
62 Desta forma, denota-se que “a existência da mesma sanção em áreas diferentes não tem o condão de homogeneizar a natureza dos processos que as impõem”.185 Nesse passo, importante transcrever os argumentos apresentados pelo Ministro Joaquim Barbosa em seu voto vencido na Reclamação 2138: Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, - isto é, a moralidade na Administração Pública – têm, porém, objetivos constitucionais diversos.
De outra banda, importante considerar que, segundo essa corrente, o posicionamento adotado na Reclamação 2138 fere diretamente o princípio da isonomia, assim como segue: [...] a tese da não incidência da Lei 8.429/92 para os agentes políticos acaba por macular claramente o princípio da isonomia, consagrado na Constituição Federal, na medida em que possibilita a punição por atos de improbidade administrativa para determinada categoria de agentes públicos, deixando de fora justamente aqueles que deveriam dar o exemplo no trato com a coisa pública, mormente quando dotados de maior independência do que os outros agentes, meros “mortais”, criando verdadeiro “apartheid 186 jurídico”.
Nesse mesmo viés, inclusive, é o entendimento de Sergio Monteiro Medeiros, membro do Ministério Público Federal, que, ao analisar a citada Reclamação, ainda antes de seu julgamento definitivo, anotou: [...] essa decisão, se vier, instituirá um sistema de castas na Administração Pública, onde uns poderão ser responsabilizados, enquanto que outros, por maiores que sejam os prejuízos causados ao erário, ficarão indenes. O pequeno peculatário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, continuará – como é certo, aliás – sendo processado e punido na forma preconizada pela Lei de Improbidade Administrativa, já o ministro de Estado, por exemplo, que vier a se utilizar do cargo para defraudar as finanças do Estado, em milhões, estará livre de responder pela improbidade perpetrada – o que é errado -, pelo menos ex vi da Lei de Improbidade 187 Administrativa.
185
BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 235. MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 504. 187 MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de improbidade administrativa: comentários e anotações jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 37. 186
63 Para terminar, anota-se que “não se pode usar tal fato para que o Judiciário institua um foro privilegiado com a agravante da blindagem jurídica ao regime
da
LIA188,
transformando-se
em
um
autêntico
legislador
positivo
constitucional”.189 Em síntese, com base nos argumentos acima colacionados, é possível observar o debate que gira em torno da possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade e dos atos de improbidade administrativa em relação aos agentes políticos que possuem o discutido foro privilegiado.
4.4 DEBATE SOBRE O RISCO DE IRRESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS
Após a análise dos argumentos contrários e favoráveis a cumulação dos regimes de responsabilização, necessários destacar neste último tópico da pesquisa o debate acerca do risco de irresponsabilidade dos agentes políticos frente a essa nova posição do Supremo Tribunal Federal. Destaca-se, inicialmente, que “viver em um regime republicano é assumir responsabilidade, e se todo o poder traz responsabilidade, todo grande poder traz uma grande responsabilidade”. Desta maneira, “ser responsável por seus atos é uma afirmação que comporta graus”. E, “dependendo do lugar do agente público na estrutura estatal, sua responsabilidade pode ser cada vez maior, sobrepondo-se assim diversos regimes de responsabilidade.190 Contudo, “no Brasil, tende-se a pensar erroneamente que a alta administração
deve
ter
privilégios
ou
prerrogativas
compatíveis
com
as
(indiscutivelmente) nobres funções do cargo”.191 Por conseguinte, sublinha-se que “não existem mais barões, imperadores e outros títulos; vive-se em uma república democrática, cujo corolário imediato é a responsabilidade”.192
188
Lei de Improbidade Administrativa. BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 235. 190 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 227. 191 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 228. 192 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 228-229. 189
64 Com efeito, é preciso ter muita atenção em relação aos riscos que pode gerar essa nova decisão do STF quanto aos regimes de responsabilização dos agentes políticos, principalmente porque tal interpretação “[...] coloca em cheque a eficácia de um dos mais importantes instrumentos legais de combate à corrupção pública em todas suas esferas: a Lei 8.429/92”.193 Sobre essa problemática, registra-se a preocupação de Eduardo Fortunato Bim: Se os agentes políticos souberem que a sua improbidade administrativa somente será processada perante o Supremo (ou outros tribunais congestionados e/ou sem aptidão para conduzir instrução probatória), ou perante o Senado, sentir-se-ão naturalmente encorajados a serem ímprobos não porque há ausência de controle, mas porque sabem que o STF, o STJ e os TRFs e TJs não conseguirão dar a resposta jurisdicional imediata devido à imensa quantidade de recursos e de processos que têm de julgar. Quantas condenações em crimes de responsabilidade se conhecem no país? O número é insignificante perto das ações de improbidade administrativas aforadas. Sua efetividade é praticamente nula perto das 194 ações de improbidade. [...].
Conforme declaram Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, “temos esperança de que o Supremo Tribunal Federal reverta o mais brevemente possível essa orientação, tão contrária, a nosso ver, à mais comezinha noção de interesse público”. 195 Nesse
sentido,
Gustavo
Senna
Miranda
apresenta
a
seguinte
preocupação acerca da predominância da não incidência da Lei de Improbidade, veja-se: Assim, a vingar o entendimento de não incidência da Lei de Improbidade Administrativa para os agentes que respondem por crimes de responsabilidade, estar-se-á comprometendo seriamente a efetividade no combate à corrupção, à improbidade administrativa, abrindo-se perigosa válvula de escape para a impunidade, colocando em risco todo o sistema criado desde a vigência da Lei 8.429/92 para fiscalizar e punir os ocupantes de cargos públicos, desconsiderando, assim, a orientação constitucional contida no art. 37, § 4.°, da CF/88, no sentido de se permitir a responsabilização de todos os agentes públicos (em sentido amplo) que atentem contra a improbidade administrativa, sem qualquer ressalva de sua 196 aplicação em relação a qualquer agente.
193
MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 500. BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 231-232. 195 ALEXANDRINO, M.; PAULO, V., Direito administrativo descomplicado..., p. 156. 196 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 503. 194
65 Sublinha-se, haja vista a interpretação do STF, que, na forma como ensina a doutrina, “a Constituição não é apenas um amontoado de normas, ela disciplina a vida política de um país”. Por isso, na sua interpretação é preciso considerar “[...] não somente as conseqüências da decisão no plano jurídico, mas ainda no plano dos fatos, averiguando a compatibilidade de ambos aos anseios da Lei Maior. Em outras palavras, a Constituição deve ser lida de maneira pragmática”.197 E, relacionando com o debate, lembra o autor que: Os fatos que giram em torno da questão da improbidade administrativa e dos crimes de responsabilidade são a corrupção estatal e a impunidade que imperavam – desde o descobrimento – até o advento da Lei de Improbidade Administrativa (Li nº 8.429/92), cujo manejo pelo Ministério Público paulatinamente reduziu o quadro de corrupção/impunidade generalizada no 198 Brasil.
Ademais, ressalta-se que essa nova posição pode, também, “[...] configurar grave risco para o princípio da segurança jurídica, pelo qual se evitam alterações surpreendentes que possam vir a provocar instabilidade na situação dos administrados [...].199 Nesse sentido, acerca da violação do princípio da segurança jurídica, extraem-se os seguintes dados levantados pelo então Ministro Carlos Velloso e registrados em seu voto na Reclamação 2138: Recebi do Ministério Público do Paraná, da ilustre Procuradora-Geral de Justiça daquele Estado, Dra. Maria Teresa Uille Gomes, que é, também, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o ofício 2.333, de 18.11.2002, na qual sou informado de que, no levantamento no número de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, propostas em face de agentes políticos, em catorze estados brasileiros, constatou-se a existência de 4.191 (quatro mil, cento e noventa e um) feitos. Em praticamente a metade dos estados-membros, há, portanto, em andamento, mais de quatro mil ações. O entendimento no sentido de que os agentes políticos não estariam sujeitos à ação de improbidade ocasionaria a paralisação dessas ações. E mais: administradores ímprobos que foram condenados a restituir dinheiros aos cofres públicos poderiam pedir a repetição desses valores, porque teriam sido condenados por autoridade 200 judicial incompetente.
197
BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 230-231. BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 231. 199 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 505. 200 BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Carlos Velloso, fls. 177. 198
66 Além disso, ainda sobre o risco de irresponsabilização dos agentes políticos frente a não incidência da Lei de Improbidade Administrativa, ressaltam-se as importantes ponderações do Ministro Joaquim Barbosa extraídas igualmente do teor de seu voto vencido na mencionada Reclamação: Não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado. E mais: a tese abraçada pela maioria que já se formou, se é certo que ela conforta a situação pessoal do eminente embaixador que fora acusado e condenado, talvez de maneira excessiva e desproporcional, à perda do cargo, na ação de improbidade originária, cria no nosso sistema jurídico, por outro lado, uma situação de absoluta perplexidade, que fere os princípios isonômico e republicano que informam a nossa organização político-jurídica. A perplexidade a que me refiro, inaceitável em uma democracia, consistiria na anomalia que estaria sendo consolidada, caso prospere a tese que está a se esboçar nesta ação. Ela é particularmente perversa, especialmente em matéria de servidor público. Explico. É que, à luz da Constituição Federal e da lei 8.429/1992, todo e qualquer servidor, efetivo ou comissionado, que cometa um ato de improbidade tal como descrito na lei, estará sujeito a ver sua conduta enquadrada numa das drásticas sanções previstas na lei 8.429/1992. Porém, se esse mesmo hipotético servidor, sem se exonerar do cargo efetivo, vier a assumir um posto ministerial e praticar a mesma conduta, a ele não se aplicarão as severas sanções da lei de improbidade, mas sim as duas únicas sanções que a responsabilidade política é suscetível de engendrar: o afastamento do cargo público (político) e a inabilitação por 8 anos para o exercício de qualquer função pública. Uma tal discrepância, a meu sentir, um dos postulados básicos do regime democrático, aquilo que no direito norte-americano se traduz na elucidativa expressão “accountability”, e que consiste no seguinte: nas verdadeiras Democracias, a regra fundamental é: quanto mais elevadas e relevantes as funções assumidas pelo agente público, maior há de ser o grau de sua 201 responsabilidade, e não o contrário, como se propõe nestes autos.
E continua o Ministro: E digo eu: mais do que um desastre, a solução que até este momento vem logrando maioria nesta Corte, caso prevaleça, significará um enorme retrocesso institucional. Significará nada mais nada menos do que a morte prematura da lei de improbidade , essa inovação relativamente recente que vinha produzindo bons frutos. Vista de outro ângulo, a proposta que vem obtendo acolhida até o momento nesta Corte, no meu modo de entender, além de absolutamente inconstitucional, é a-histórica e reacionária, na medida em que ela anula algumas das conquistas civilizatórias mais preciosas obtidas pelo homem desde as revoluções do final do século XVIII. Ela propõe nada mais nada menos do que o retorno à barbárie da época do absolutismo, propõe o retorno a uma época em que certas classes de pessoas tinham o privilegio de não se submeterem as regras em princípio aplicáveis a todos, tinham a prerrogativa de terem o seu ordenamento jurídico próprio, particular. Tratase, como já afirmei, de um gigantesco retrocesso institucional. Na perspectiva da notável evolução institucional experimentada pelo nosso país nas últimas duas décadas, cuida-se, a meu sentir, de uma lamentável 201
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Joaquim Barbosa, fls. 342.
67 tentativa de REBANANIZAÇÃO da nossa república? Eu creio que o Supremo Tribunal Federal, pelo seu passado, pela sua credibilidade, pelas justas expectativas que suscita, não devem embarcar nessa aventura 202 arriscada. [grifo no original].
Logo, denota-se que, “caso se consagre o esvaziamento da Lei 8.429/92, estaremos diante de um dos mais duros golpes no combate incessante contra a corrupção pública, que, na atualidade, configura uma verdadeira pandemia nacional”.203 Frisa-se, outrossim, que “o status de agente político não serve como um manto protetor ou uma blindagem jurídica, mas como uma película adesiva de maior responsabilidade em comparação a quem não exerce a direção superior de partes vitais do Estado.204 Para Gustavo Senna Miranda: [...] caso prevaleça a tese que vem encontrando aceitação no STF da não incidência da lei 8.429/92 em relação a determinados agentes políticos, pois diante de tudo que foi abordado, a referida tese acabará frustrando o dever de proteção do Estado, no sentido de atuar de modo suficiente para proteção constitucionalmente exigida de bens ou princípios fundamentais para a própria dignidade da pessoa humana, como o respeito à probidade administrativa, deixando, portanto, de cumprir um imperativo 205 constitucional.
Ainda, conclui o mesmo autor que: Preservar a possibilidade de incidência da Lei 8.429/92 para todos agentes políticos é fundamental para que se tenha o respeito ao princípio constitucional da isonomia; é fundamental para que se tenha uma proteção suficiente da probidade administrativa, conforme determinou a Constituição Federal em seu art. 37, § 4.°, da CF/88; é fundamental para a manutenção do estado Democrático (e Social) de Direito; em fim, é fundamental para 206 que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, verificam-se os possíveis problemas apontados pela doutrina que podem surgir com a decisão adotada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação 2138. Há um receio muito grande sobre o risco de irresponsabilização dos agentes políticos em face da predominância 202
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Joaquim Barbosa, fls. 342. MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 509. 204 BIM, E. F. A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade..., p. 227-228. 205 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 508. 206 MIRANDA, G. S. Da impossibilidade de considerar os atos..., p. 509. 203
68 do entendimento de não incidência da Lei de Improbidade Administrativa, importante instrumento de combate a corrupção no Brasil. Em últimas linhas, importante abordar uma questão que ainda está em aberto e que não foi devidamente enfrentada pelos Ministros e pela doutrina. Tratase da reparação dos danos causados ao erário pelos agentes políticos que, de acordo com o novo posicionamento do STF, não respondem mais por improbidade administrativa. Nesse sentido, registram-se os comentários explicitados em seu voto pelo Ministro Nelson Jobim: Não impressiona, também, a consideração segundo a qual a ação de improbidade seria dotada de caráter reparatório e por isso inafastável a submissão aos juízes de primeiro grau. O sistema brasileiro é rico em ações destinadas à defesa do patrimônio público. Para essa finalidade especifica, existem as ações populares, as ações civis públicas, todos os procedimentos ordinários e cautelares. E elas poderão ser ajuizadas na sede própria, conforme a jurisprudência assente desta Corte. Até mesmo o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO tem poderes de provocar o arresto de bens na defesa do patrimônio público (L. 8.443, 16.07.1992, art. 6119). O que não se pode admitir é, valendo-se da possibilidade de pedidos cumulativos, transformar uma nítida ação da natureza penal ou punitiva em ação de caráter reparatório. O elemento central da ação de improbidade não é o reparatório. Para esta finalidade existem dezenas de ações adequadas. Até mesmo a indisponibilidade provisória de bens pode ser obtida independentemente de propositura da ação de improbidade, conforme 207 demonstram inúmeros exemplos.
Concordando com esse entendimento, aduz o Ministro Ilmar Galvão que “para o ressarcimento de danos matérias, há o foro civil, comum, independente da jurisdição criminal ou da político-administrativa”.208 Desta feita, denota-se que não há uma definição clara acerca da reparação dos danos ao erário, ou seja, esse é mais um dos pontos nebulosos dessa decisão que depende de maior reflexão e esclarecimento.
207 208
BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Nelson Jobim, fls. 144. BRASIL, Reclamação 2.138-6, voto do Min. Ilmar Galvão, fls. 160.
69 5 CONCLUSÃO
Todas as informações colhidas com essa pesquisa monográfica contribuíram muito para o estudo do tema improbidade administrativa e crimes de responsabilidade, bem como para o debate acerca da Reclamação 2138/DF que decidiu pelo afastamento da incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos. A improbidade administrativa sempre representou uma fonte de preocupações e, por isso, vem sendo reprimida, desde muito tempo, pelos legisladores brasileiros nas Constituições e nas legislações infraconstitucionais. Atualmente, a Constituição da República de 1988 prevê expressamente, no art. 37, § 4º, os atos e sanções correspondentes à improbidade administrativa e a Lei 8.429/92, por sua vez, foi introduzida no ordenamento para regulamentar o mencionado dispositivo constitucional. Verifica-se que são atos de improbidade, com base na Lei de Improbidade Administrativa, aqueles que importam enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário e, também, que atentam contra os princípios da Administração Pública. Contudo, ressalta-se que se trata de um rol meramente exemplificativo. Quanto à natureza da ação de improbidade administrativa, anota-se que prepondera seu caráter civil, isso porque a simples previsão da pena de suspensão dos direitos políticos não tem o condão de transformar a ação de improbidade em ação política ou penal. Sublinha-se, desta maneira, a necessidade da apuração de atos de improbidade administrativa e a aplicação das sanções de que são merecedores os respectivos agentes. Por isso, pode-se afirmar que o principal aspecto da ação de improbidade administrativa é o combate das práticas previstas da Lei nº 8.429/92. No que tange aos crimes de responsabilidade, verifica-se que a Constituição prevê diversos dispositivos nesse sentido. Além disso, existe também a Lei nº 1.079/50, Lei dos crimes de responsabilidade, que, recepcionada pela atual Carta constitucional, fornece parâmetros regulamentadores destas disposições constitucionais. Os crimes de responsabilidade, em resumo, possuem natureza política e desafiam o processo de impeachment. Os agentes políticos listados pelo texto
70 constitucional como sujeitos a esta modalidade de responsabilização políticoadministrativa, de acordo com o cargo ocupado, podem ser julgados tanto pelo próprio Poder Legislativo, quanto por determinados Tribunais. O julgamento dos agentes políticos pelo Poder Legislativo, por seu turno, apresenta duas fases: o juízo de admissibilidade do processo, exercido pela Câmara dos Deputados, e o processo e o julgamento propriamente dito realizado pelo Senado Federal. Assim, denota-se que todos esses apontamentos acerca da improbidade administrativa e dos crimes de responsabilidade foram de suma importância para a análise do tema principal desse trabalho, ou seja, da Reclamação 2138/DF. O julgamento dessa Reclamação pelo Supremo Tribunal Federal causou um grande impacto na comunidade jurídica e provocou muitas discussões, vez que afastou a incidência da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos. Diante disso, muitas questões foram levantadas, especialmente o alcance da decisão, em virtude da dificuldade de conceituar agentes políticos, as conseqüências que tal medida poderá acarretar no âmbito administrativo e, ainda, a possibilidade de irresponsabilização dos agentes políticos. Ressalta-se que os principais fundamentos apresentados pela maioria dos Ministros do STF para decidir pela procedência da Reclamação e, assim, afastar a incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos, consistem na impossibilidade da Constituição Federal admitir concorrência entre dois regimes de responsabilização político-administrativa: crimes de responsabilidade e improbidade administrativa; na impossibilidade dos agentes políticos, no caso específico os Ministros de Estado, submeterem-se ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8429/92), vez que são regidos por normas especiais de responsabilidade (Lei nº 1.079/50); na competência do STF para julgar crimes de responsabilidade; e, finalmente, na incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o STF, por crime de responsabilidade. Todavia, esta posição não foi unânime, neste debate verifica-se a presença de três correntes divergentes dentre os Ministros do STF: (a) contrária à cumulação dos regimes, adotada pela maioria dos Ministros do STF, fundamenta seu posicionamento nos argumentos acima esposados; (b) favorável à possibilidade
71 de cumulação, por sua vez, aduz que a improbidade administrativa e os crimes de responsabilidade constituem institutos diversos; e, uma corrente intermediária, (c) defendida pelo Ministro Carlos Velloso, admite a coincidência parcial de ambos os regimes, afirmando que não se deve aplicar a Lei de Improbidade aos agentes políticos apenas quando a mesma tipificação estiver prevista também como crime de responsabilidade. Aqueles ministros que admitem a possibilidade de cumulação sustentam, em síntese, que: os crimes de responsabilidade possuem natureza política e, portanto, a ação de improbidade possui fins predominantemente ressarcitórios; e, a possibilidade de afronta ao princípio da isonomia. O debate sobre a natureza jurídica de cada uma dessas modalidades de responsabilização, acaba trazendo à tona questões relativas aos riscos de irresponsabilização dos agentes políticos que esse novo posicionamento do STF pode acarretar. Salienta-se que a Lei de Improbidade Administrativa representa um dos mais importantes instrumentos legais de combate à corrupção no Brasil e, diante disso, teme-se que, em virtude de sua não incidência aos agentes políticos, abra-se um grande espaço para a impunidade e para o retrocesso institucional. Conforme lembra o Ministro Joaquim Barbosa, a predominância desse entendimento pode significar a morte da Lei de Improbidade Administrativa. Além disso, registra-se uma questão que ainda está em aberto e que não foi devidamente enfrentada pelos comentadores, muito menos pelos ministros, consiste na identificação dos mecanismos de ressarcimento ao erário decorrente dos danos causados pelos agentes políticos. É preciso verificar, caso prevaleça esse posicionamento por parte do STF, qual será a forma utilizada para a reparação dos danos, vez que o processo por crime de responsabilidade não se presta para tal fim. Ressalta-se que o princípio da supremacia do interesse público deve ser preservado acima de tudo, ou seja, não pode a população, tão carente e sofrida, ficar com os prejuízos causados pelo agente político ímprobo responsabilizado apenas com sanções de natureza política. Por todo o exposto, pode-se concluir que o tema estudado ainda se mostra bem controvertido e pendente de esclarecimentos. Contudo, é preciso estar
72 atento para os rumos que tal discussão pode seguir, isso porque o afastamento da Lei de Improbidade aos agentes políticos pode acarretar muitos problemas e desconforto para toda a sociedade brasileira, que por sua vez já não agüenta mais viver no meio de tanta corrupção e impunidade. Por tudo isso, não há como concordar com a decisão proferida pelo STF no bojo da Reclamação 2138/DF. Trata-se, na verdade, de mais uma afronta ao cidadão trabalhador e honesto desse país chamado Brasil.
73 REFERÊNCIAS
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