Literatura infantil - Editora do Brasil

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se mais complexos, como em Felpo Filva, de Eva Furnari (2006), em que o protagonista é um coelho-escritor mal-humorado, in- seguro, que sofreu na infância ...
Literatura infantil: reflexões e provocações

Simone Bibian

Sobre o que vamos falar: o que é literatura infantil? Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Manoel de Barros

Definir literatura infantil não é tão fácil como parece. O livro destinado à criança teria função de informar ou formar? Acomodar ou incomodar? Ensino ou deleite? Até bem pouco tempo, usou-se o adjetivo infantil na Literatura como forma restritiva. Existiria uma literatura adulta, essa sim valorizada, e outra menor, a infantil. No entanto, hoje se considera que este adjetivo amplia o sentido: literatura infantil é aquela lida também pelas crianças. Este também quer dizer que, se não agradar ao adulto como algo instigante ou provocador, dificilmente agradará à criança. Sendo a literatura infantil uma obra de arte, a qualidade estética é que irá contar. Vamos começar com uma breve história da literatura infantil, que se confunde, naturalmente, com a própria história da infância. 215

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No século XVII, na França, Charles Perrault iniciou concretamente a transformação dos contos maravilhosos em histórias destinadas ao público infantil, com seu livro Histórias do tempo passado, com suas moralidades – Contos da Mamãe Gansa (1697). Eram narrativas folclóricas voltadas para o público adulto, mas adaptadas para crianças com a intenção de incutir princípios morais. Até então, não existia uma distinção clara da infância: assim que possível, as crianças ingressavam na sociedade dos adultos e aprendiam pela experiência e pelo convívio. Transformações políticas, econômicas, sociais e religiosas alteraram os costumes e surgiu a preocupação com o desenvolvimento psicológico e moral das crianças. O adulto a vê como um ser imperfeito e frágil. A educação da infância tem por objetivos resguardar a inocência e abolir a ignorância e a irracionalidade. Aí entra a literatura infantil, como instrumento para moldar a criança – ser inocente, dependente, incapaz e assexuado – a fim de torná-la um adulto íntegro e dentro dos padrões de moralidade instituídos. Mais tarde, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm recolheram histórias da sabedoria popular, com a missão de resgatar e promover as tradições alemãs. As narrativas foram publicadas sob o título Histórias das crianças e do lar (1812-1822). Em 1835, Hans Christian Andersen não só adaptou narrativas orais como também criou histórias para crianças. Ele é considerado o primeiro autor de literatura infantil. Aliás, comemoramos no dia de seu nascimento, 2 de abril, o Dia Internacional do Livro Infantil. No Brasil, os primeiros textos eram, principalmente, adaptações de narrativas destinadas originalmente ao público adulto, traduções e contos da tradição oral. Os livros escritos para crianças tinham, ainda, intenção moralizante, difundindo preceitos e normas de comportamento. 216

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Monteiro Lobato , que, em 1920, lançou A menina do narizinho arrebitado, revolucionou a literatura infantil brasileira. Fundindo o real com o maravilhoso e introduzindo o folclore brasileiro, criou um universo imaginário onde os personagens participam ativamente da realidade, criticando-a e transformando-a. Lobato concebe a criança como ser pensante. Sua intensa produção literária até sua última publicação, Os doze trabalhos de Hércules, em 1944, repercutem até hoje. O Dia Nacional do Livro Infantil é comemorado em 18 de abril, data de seu nascimento. Depois de um período de pouca produção cultural pós-loba­ tiana, na década de 1960 a sociedade brasileira se achava dividida entre a influência dos meios de cultura de massa americanos, com as obras de Walt Disney, e de uma manifestação nacional autêntica, surgindo assim A turma do Pererê, de Ziraldo. Mais tarde, nos anos 70, a revista Recreio lança escritores como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, capazes de mostrar, em pleno regime ditatorial, que a literatura infantil poderia ser questionadora. Provocando o riso e o estranhamento, fazem pensar, como em O reizinho mandão, de Ruth Rocha, e História meio ao contrário, de Ana Maria Machado. Surgem fadas, bruxas e outros personagens que, contrariando o que se espera deles, seguem um caminho inovador: A fada que tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida (1971), é um exemplo. A partir daí, a literatura infantil foi se multiplicando em tendências e estilos. O folclore é valorizado e o poder do narrador é diminuído, dando voz aos personagens ou mostrando diversos pontos de vista, como em Que história é essa? (1995) e Domingão

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A referência a Monteiro Lobato encontra validade no teor literário de sua obra e na sua importância na história da literatura brasileira. Não faremos aqui referências a interpretações contemporâneas acerca de concepções possivelmente racistas em algumas de suas obras.

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Eva Furnari

joia (2003), ambos de Flávio de Souza. Os personagens tornamse mais complexos, como em Felpo Filva, de Eva Furnari (2006), em que o protagonista é um coelho-escritor mal-humorado, inseguro, que sofreu na infância por ter uma orelha maior que a outra. Os clássicos são reverenciados e, ao mesmo tempo, transgredidos. Em Uxa, ora fada ora bruxa, de Sylvia Orthof (1985), a bruxa Uxa passa por conflitos de valores: tem seus momentos de bondade, suas incoerências e suas dúvidas, como qualquer ser humano. Os temas também se ampliaram: em Virando estrela, de Jonas Ribeiro e Zuleika de Almeida Prado (2010), temos a história de um menino quando recebe a notícia da morte do avô. A ilustração ganha corpo e espaço, experimenta técnicas, dialoga com o texto, conta uma história paralela, amplia seu sentido ou até mesmo o contradiz. Por exemplo, em Ritinha Bonitinha, de Eva Furnari (1990), um livro só de imagem, vemos­ na capa, abaixo do título, uma menina sentada numa pedra, observando-se no espelho. Logo concluímos que se trata da Ritinha do título. Na primeira página, há um dragão, que passa a perseguir a menina.

Primeira página do livro Ritinha Bonitinha, de Eva Furnari, 1990.

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Ela foge, apavorada, cria mil situações para se livrar dele, mas não consegue. Nas últimas páginas, o dragão consegue o que queria: não era pegar a menina, e sim sua bolsinha, que contém um batom. No final, ficamos sabendo que o dragão é fêmea e trata-se da Ritinha do título, a menina, na verdade, chama-se Catarina. A autora nos prega uma peça através das ilustrações. Há hoje uma produção intensa de literatura infantil, brasileira e estrangeira, de alta qualidade e inovadora. Mas há também que se considerar que nem toda a literatura infantil é sempre de boa qualidade, como veremos adiante.

E quem ainda não sabe ler? Inventei um menino levado da breca para me ser. Ele tinha um gosto elevado para chão. De seu olhar vazava uma nobreza de árvore. T inha desapetite para obedecer a arrumação das coisas. […] Manoel de Barros

A literatura, numa visão mais ampla, está presente em nossa vida desde o nascimento. Brincadeiras do tipo “serra-serra-serrador”, “cadê o toicinho que estava aqui?”, acalantos, rimas, ritmos, o toque do corpo acompanhando a brincadeira fazem com que o bebê ­relacione linguagem e afeto. Mais tarde, aparecem os trava-línguas, as adivinhas e as canções de roda. Segundo Maria da Glória Bordini (1991), esse é o verdadeiro gatilho da sensibilidade posterior da criança para a poesia. Eu diria que tudo isso desperta a criança para as palavras. Na Educação Infantil, a “hora do conto” está muito presente. O ato de sentar com uma criança e contar uma história remonta 219

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à própria história da humanidade. O que tem em Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, que faz sentido para pessoas de épocas, sociedades e idades diferentes? O que soa familiar nela, independente da cultura? Medo, ousadia, raiva, amor, abandono e todas as questões com as quais os seres humanos se debatem desde sempre. Segundo Regina Machado (2004), o conto de tradição oral “é a história dessa pessoa, que se conta para ela por meio do relato universal”. Tanto o adulto quanto a criança que ouve um conto sendo narrado participa de uma experiência única, que se constrói fora do tempo cotidiano (no tempo mágico do “Era uma vez...”), ao mesmo tempo em que o insere na universalidade. Os contos de tradição oral são um legado da humanidade, carregados de conhecimento acumulado há séculos. Por meio deles, também podemos conhecer e respeitar outras culturas, já que: [...] ao trazermos para a sala de aula histórias de outros povos, não estaremos apenas contribuindo para que a diversidade cultural se torne um fato, mas também apresentando à criança a oportunidade de conhecer aquele povo através do olhar poético que ele lança para a sua realidade. Perceber como ele se articula para produzir significados para a sua existência, qual o valor que ele atribui às manifestações sociais, como ele se percebe e percebe os outros indivíduos na sua comunidade (Busatto, 2003, p. 38).

Os contos de fadas, os mais contados para os pequenos, já foram acusados de inadequados para crianças por causa de sua violência (envenenamentos, mortes, mutilações) e pelo fato de que alguns obstáculos não são enfrentados pelo herói e acabam sendo resolvidos através da magia. No entanto, hoje já se sabe 220

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que o conto de fadas toca de modo muito profundo as crianças. Fala do medo da separação e da morte, das ambições, traições, amor e ódio. O conto é um convite para a criança encarar as dificuldades da vida, levando-a à autonomia e ao crescimento (por isso o “tornar-se rei”, ou “casar-se”, como final). Ele não nega que as adversidades existem, e podem ser muitas e terríveis, mas propõe um final feliz para quem as enfrenta. Mesmo o mais frágil dos irmãos, como geralmente são os heróis desses contos, pode se sair bem pela coragem ou esperteza. Experimentar momentos de isolamento, incompreensão, dúvida e medo pode acontecer. Mas receber um auxílio inesperado, orientação e apoio, geralmente por ser bondoso e honesto, também pode. Mesmo que receba ajuda de mágica, o protagonista tem que merecê-la e, ainda assim, é apenas uma ajuda: a fada-madrinha de Cinderela deu o sapato, o vestido e a carruagem, mas coube à garota arriscar-se a ir ao baile escondida da madrasta, encantar o príncipe e enfrentar a todos ao se revelar a dona do sapatinho de cristal perdido. Além das narrativas orais, os livros devem fazer parte do cotidiano das crianças, mesmo daquelas que ainda não dominam o código escrito. Elas já podem ser introduzidas em práticas leitoras: ouvir a leitura do mediador, num ambiente acolhedor e sem pressa, embalada pela voz e pelo silêncio, ter livre acesso à biblioteca da sala, manusear, cheirar, apreciar as ilustrações, ver outras pessoas lendo, pegar emprestado, conversar sobre a história, recomendá-la aos amigos, visitar outras bibliotecas, sebos, livrarias e feiras de livro, aprender como funcionam, ver catálogos e sites das editoras, montar uma biblioteca pessoal. São atividades que farão com que as crianças transitem mais à vontade nesse universo, antes mesmo da alfabetização. 221

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Arquivo da autora

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Crianças pequenas, quando em contato constante e prazeroso com os livros, podem assimilar práticas leitoras com facilidade.

A escolha dos livros A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. Manoel de Barros

Proponho aqui que você faça uma pausa na leitura e pense como é feita a seleção dos livros a serem utilizados na sua sala ou na biblioteca. Quem indica os livros e que critérios usa? Alguns caminhos podem influenciar na escolha de livros de boa qualidade: • A formação literária de quem escolhe: que livros ou histórias marcaram sua infância? Alguém contava histórias? Se não, como isso foi ou é sentido? Como lida com a leitura hoje? O que lê, o que não lê, onde e como lê? Que livros já leu e o que o motiva (ou não) a fazê-lo? Dificilmente um professor que não é leitor conseguirá convencer seus alunos que os livros são interessantes, se nem ele mesmo acha isso. Repensar sua trajetória como leitor é o primeiro passo para acolher os novos leitores. A ponte entre a criança e o texto literário precisa ser uma pessoa envolvida emocionalmente com a leitura e comprometida com uma educação de qualidade. 222

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• A materialidade do livro: tamanho, peso, forma, capa, qualidade do papel, da impressão e da encadernação, cor, até mesmo o cheiro; tamanho, quantidade e tipo de ilustração, tamanho e tipo das letras, quantidade de texto, quantidade de diálogo. Para leitores mais experientes, deve-se também levar em conta: quem é o autor, quem é o ilustrador e qual é a editora. Vivemos numa sociedade em que a imagem predomina. Apesar de ser bastante atraente, nem sempre um livro de capa dura, com grandes ilustrações coloridas, é o melhor para a criança. Aprender a apreciar uma ilustração em preto e branco, por exemplo, é um belo trabalho a ser feito. Por outro lado, a história contida num livro que não agradou por conta da ilustração ou formato inadequado pode ser contada oralmente, de outras formas. • Se “servem” para trabalhar um determinado assunto: muitos livros voltados para o público infantil não são propriamente literatura, e sim livros com conteúdo didático. São livros para ensinar as letras, nome das cores, matemática, hábitos de higiene etc. Livros escolhidos assim demonstram uma preocupação com o currículo escolar e não com a formação de leitores críticos. Também são comuns os livros que ditam, disfarçadamente ou não, normas de comportamento, procurando “moldar” a criança. Segundo Colomber (2007): [...] é interessante ressaltar, contudo, que a função educativa da literatura infantil foi a grande estrela dos debates sobre seleção de livros, porque a sociedade costuma estar mais preocupada com a educação moral do que com a educação literária das crianças e essa é a função que “realmente” a maioria ainda hoje atribui à literatura infantil (p. 134).

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Voltaremos à discussão sobre “para que serve” a literatura no próximo item. • Há casos em que os livros não são propriamente escolhidos, são frutos de doações e oferecidos às crianças sem seleção prévia. Essa atitude concebe a creche como um espaço em que as “crianças são cuidadas enquanto seus pais trabalham, e que, portanto, é uma boa ideia oferecer a elas a distração de livrinhos coloridos de historinhas, e qualquer um que tenha bastante ilustração serve, já que elas não sabem ler mesmo e, inevitavelmente, irão rasgá-los”. Quem pensa assim também costuma contar historinhas para as crianças ficarem quietas, enquanto esperam que os pais as busquem. A criança acaba indo embora sem saber o final da história. O trabalho com literatura infantil é um projeto engajado na proposta político-pedagógica da instituição. Pensar no trabalho com literatura infantil é pensar na sociedade que queremos. As histórias que conhecemos, de forma oral ou escrita, fazem parte da nossa biblioteca interna e servem de referência para a vida toda. Ao formar a biblioteca da Educação Infantil, é preciso estar atento a isso, pois precisamos ter referências básicas. Ana Maria Machado conta que, apaixonada por Reinações de Narizinho desde os 5 anos, como mãe dedicada tratou de ler Monteiro Lobato para os filhos desde que eles eram pequenos, e eles adoraram. Mas, ao tentar fazer o mesmo com seus netos, percebeu que havia uma dificuldade de entendimento, não com a linguagem, já que isso era fácil de resolver explicando, mas pela falta de referências importantes que as crianças de hoje não têm mais. “Então me dei conta – diz ela – da enormidade do risco que corremos – em pouco tempo poderemos ter o pesadelo de gerações que 224

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não conseguem entender a literatura atual porque não conhecem os clássicos que a precederam” (p. 126). Por isso, ao pensarmos em projetos de leitura, precisamos pensar em uma escola leitora, uma família leitora, uma sociedade leitora. É interessante que, na biblioteca, as crianças possam encontrar contos de fadas, mitologia, poesia, contos do folclore brasileiro e de outros povos, mitos indígenas, gibis, textos de teatro, fábulas, livros só de imagem, autores consagrados e outros que estão surgindo, do Brasil e de outros países, literatura de cordel, livros de adivinhas etc. Há outro aspecto a se considerar, levando em conta a especificidade da Educação Infantil: na alfabetização, ocorre um descompasso entre o que a criança já é capaz de entender ouvindo a leitura de um livro ou uma narrativa popular e o que ela é capaz de ler por si mesma. É preciso, então, buscar livros com histórias interessantes com formas mais simples (sem serem óbvias) para a leitura autônoma e livros mais elaborados, para a leitura só do professor ou junto com as crianças. Segundo Colomber (2007), não se aprende a ler livros difíceis lendo apenas os livros fáceis. A escola é o lugar ideal para a leitura compartilhada destes livros que oferecem maior dificuldade. Acompanhando os catálogos das editoras, o que acontece nos salões dos livros, atualizando-se, conversando com outros professores, assistindo a palestras, a sessões de contação de histórias,­ lendo textos teóricos, consultando sites das editoras, blogs de especialistas e escritores, visitando livrarias, observando­e ­experimentando, o professor sensível vai construindo a biblioteca­ junto com as crianças, orientando na arrumação, no cuidado, na restauração dos livros, mediando empréstimos e trocas entre as crianças e entre outras turmas, envolvendo a equipe, a família e toda a comunidade em um projeto de leitura. 225

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Como a leitura pode abrir portas, janelas e caminhos As pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Manoel de Barros

Pego emprestado um verbo criado pela minha sobrinha para dizer que a literatura nunca mente, ela está sempre verdando. Por mais fantástica que seja a história, ela fala profundamente, porque trata da realidade humana, seja para confirmá-la, seja para negá-la. As histórias conseguem ultrapassar nossas defesas e falam direto ao coração. Algumas vezes, as crianças me perguntam se a história que contei é verdadeira, se aconteceu realmente. Costumo responder com convicção: “No era uma vez, aconteceu sim”. Dessa forma, mantenho a magia da história ao mesmo tempo em que lhes garanto o distanciamento necessário para pensar. O escritor Bartolomeu Campos Queirós diz que o texto literário­ conversa com o leitor, com o que ele é, com seus fantasmas, suas coisas. É quando se lê e pensa: “Mas era isto que eu queria dizer!”. O texto dá voz ao leitor. Mas tal “conversa” depende de quem é esse leitor, qual é seu ponto de vista, o que viveu, o que tem dentro de si. Ao ler Cinderela, de novo como exemplo, como você imagina o vestido? Maravilhoso, sem dúvida. Mas é o seu maravilhoso. Eu me lembro de uma ilustração linda, de página inteira, de um livro dado por minha avó como presente de Natal. Na época, eu já mostrava minha paixão pela leitura, e dar livros de presente não era tão comum. Lembro também de ter tentado fazer o vestido da ilustração para a minha boneca e de ter alimentado um secreto desejo de possuir um igual, quando crescesse. Uma professora 226

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me contou que sua mãe, costureira, um dia pediu-lhe ideias para um vestido que seria presenteado à prima, no seu aniversário. Essa professora descreveu, entusiasmada, todos os detalhes do vestido, de como escolheu o tecido e cada enfeite. Quando a mãe terminou de fazê-lo, revelou que o vestido era para ela: a história da prima era apenas um pretexto para não estragar a surpresa. A professora disse que o vestido da Cinderela sempre lhe remete àquele que ganhou da mãe. Há tantos vestidos de Cinderela quanto há leitores de Cinderela. Cada um lê de forma diferente um mesmo texto, e esse texto é lido pela mesma pessoa de formas diferentes em diversas épocas da sua vida. O leitor se torna, ele mesmo, um coautor. Portanto, não é possível que se imponha uma única forma de entendimento. Se fosse assim, a tarefa da criança seria simplesmente confirmar a leitura do professor e, ainda, supor que sua interpretação pessoal estaria errada. A Arte (a literatura está aí incluída) segue outra lógica. Instiga, faz pensar, sentir e sonhar. A experiência estética provoca a construção de novos sentidos, uma ressignificação de si mesmo. Por isso, as palavras do título: “abrir portas, janelas e caminhos”. Não há um lugar único a chegar, nem mesmo ao tentar descobrir “o que o autor quis dizer” (mesmo porque frequentemente ele mesmo não sabe). Inquietar-se com um texto é inquietar-se com uma questão nossa – então é muito mais literário conversar sobre “o que o autor disse para mim”. Muitas vezes, pensa-se no livro literário para ser o detonador de um projeto. Ou seja, pensa-se o que fazer a partir do livro, e não se pensa no livro. A criança passa a associar o texto a algo que vem depois, e acaba por não perceber o prazer no ato de ler e de descobrir os sentidos do que se leu, nem apreciar a beleza da linguagem e do estilo do autor. 227

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Veja o exemplo de Maria Dinorah (1986): O caroço No fundo do poço surgiu um caroço.

Chamaram o moço pra ver o caroço do fundo do poço. Será que o caroço do fundo do poço é feito de osso?



Cuidado, seu moço! Não quebre o caroço! Do fundo do poço o pobre do moço retira o caroço.



Tinha quatro patas e uma cabecinha.



E era apenas a tartaruga da vizinha. In: Coração de papel. São Paulo: Moderna, 1986.

Essa poesia de Maria Dinorah conta uma história simples, de forma muito gostosa. Observe como vamos formando a ideia de movimento: sabemos que alguém estava passando e olhou para dentro do poço, viu algo estranho, que parecia um caroço. Várias pessoas se interessaram e foram ver, alguém chamou um moço que é a pessoa capaz de resolver o problema (seria ele o dono do poço?). Esse moço desceu até o fundo do poço sob os olhares de curiosos que 228

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pediam para preservar o objeto, para que todos pudessem vê-lo intacto quando subisse. O moço o pegou com todo cuidado, saiu com dificuldade do poço e todos quiseram ver de perto. Estranharam o fato de o caroço ter quatro patas e uma cabeça. Por fim, a solução do mistério: era uma tartaruga, que havia fugido da casa da vizinha. A forma como ela nos conta isso é através de cenas que se formam em nossa cabeça e, entre uma cena e outra, vamos criando o que acontece: imaginamos o moço descendo no poço sem que isso seja dito, por exemplo. O poema nos fala de um problema: um caroço, talvez um “osso duro de roer”, um obstáculo. E está no “fundo do poço”, como normalmente falamos de situações complicadas, daquelas que não têm mais jeito. Quando alguém capaz de enfrentar o problema consegue tirar o caroço de lá, vemos que não era nada grave: apenas uma indefesa tartaruga. Dois problemas são solucionados: o poço fica livre do “caroço” e a vizinha reencontra sua tartaruga de estimação. Quantas situações passamos assim, preocupados com um problema que imaginamos difícil e, quando vemos de perto, não era nada daquilo? É interessante como a linguagem propicia esse sentimento: até a quinta estrofe, temos muitas palavras terminadas em “oço” ou “osso”, reforçando em nós a sensação de coisa dura, difícil. Nas duas últimas estrofes, com o problema em vias de solução, temos a terminação “inha”, que nos traz alívio, intimidade. A autora não diz logo que era uma tartaruga: faz mistério, nos “colamos” às pessoas em volta do poço, temos o ponto de vista ­delas olhando uma coisa escura lá embaixo. Quando o moço pega um caroço com quatro patas e uma cabecinha, temos a mesma sensação de surpresa que teríamos se estivéssemos vendo a cena: há um estranhamento, para, em seguida, tudo se resolver. 229

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Invertemos a ordem escolar: em vez de utilizar essa poesia para exercícios enfadonhos de fixação de palavras escritas com “s” e “ç”, a gramática nos serviu de instrumento para usufruí-la melhor, ampliando a possibilidade de significados do texto. Dialogando com seus pares, mediada pelo professor, a criança constrói sentidos, questiona e enriquece seu universo. Entender como se estrutura um texto, levantar hipóteses sobre o que vai acontecer, confrontar suas expectativas, desapontamentos, surpresas e lembranças despertadas com o outro: tudo isso é fazer da escola um espaço de compartilhamento de experiências, é transformar a leitura em atividade social.

O que fazer? Na faceirice as palavras me oferecem todos os seus lados. Então a gente sai a vadiar com elas por todos os cantos do idioma. Manoel de Barros

O espaço de leitura deve ser pensado para ser agradável: livros ao alcance das crianças, num lugar onde elas possam ler à vontade (sofá, rede, tapete, almofadas etc). A leitura de livros e a contação de histórias da tradição oral pelo mediador pode ser nesse espaço, ou no pátio, numa praça, na biblioteca, num piquenique. O mediador pode guardar os livros a serem lidos em caixas, malas, numa cartola de mágico, numa sacola de pano, no avental com um bolsão. Pode estar com roupas comuns, fantasiado, ou usar apenas um adereço como chapéu ou pedaço de tecido. Pode criar um clima mágico para a contação acendendo uma vela, fazendo suspense com uma 230

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caixa contendo algum elemento a ser usado no conto, cantando uma música, propondo uma adivinha, interagindo com um fantoche. O mediador pode experimentar e encontrar seu próprio estilo e o que melhor se adapta àquele grupo e momento específico. Às vezes, é possível fazer uma leitura descompromissada, um momento de encontro com a literatura por puro deleite. Bartolomeu Campos de Queirós (2008) diz que a escola tem dificuldade com o que é feito por/com prazer: precisamos “cobrar pedágio”, nada pode ser gratuito, tudo tem de ser medido, pesado, averiguado, cobrado. As atividades propostas a seguir têm o objetivo de proporcionar mais possibilidades de fruição estética, nunca de direcionar ou cobrar a leitura. Ao ler um livro, as crianças podem, com a ajuda do professor, levantar hipóteses sobre a história que vão ler, cada vez mais baseadas em conhecimento literário: se achamos que é um conto de fadas, o herói vai enfrentar muitas dificuldades até obter o que deseja, geralmente torna-se rei. Se é uma fábula, teremos animais que agem e pensam como gente, e uma lição no final. Muitas histórias subvertem essa lógica (um príncipe medroso, uma bruxa boa), mas a criança só vai usufruir da brincadeira se conhecer bem o conto tradicional. Assim, as crianças vão levantando hipóteses, que podem ser confirmadas ou não ao longo da leitura. O mediador pode escolher um aspecto e aprofundá-lo, trabalhar o mesmo assunto com vários livros, ­combinar com as crianças qual livro será lido e o que será discutido, escolher um autor ou ilustrador específico etc. Tais questionamentos servem para a criança elaborar e entender melhor o texto literário. 231

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Após a leitura, a apreciação crítica pode ir muito além do “gostei” ou “não gostei”. Pensar em como o autor contou a história, se foi de forma interessante, se concorda ou não, falar sobre as atitudes dos personagens, o que os fez agir de determinada maneira, qual a consequência e se poderia haver outras formas de agir naquele momento e/ou outras consequências possíveis. Falar sobre lembranças e questões que a história despertou. Lembro de uma vez ter assistido a uma interessante discussão entre as crianças, que se perguntavam se lobo mau existe mesmo. Após um intenso debate, um menino encerrou a questão dizendo: “lobo existe, mas este, da história, não existe”. Pensar em diferentes livros que tratem do mesmo assunto, quais as diferenças e semelhanças da forma como o assunto foi tratado, voltar a trechos engraçados ou assustadores e pensar como o autor conseguiu produzir emoção (deixou um segredo ser revelado só no fim, nos fez pensar que era uma coisa e era outra, repetiu ações ou palavras, dando ritmo à história etc). A ilustração pode ser discutida e ir além do “feia” ou “bonita”. As crianças estão muito habituadas a ver desenhos animados, propagandas e outros apelos visuais com formas estereotipadas. Atentar para a técnica utilizada, as soluções encontradas pelo ilustrador e os ângulos inusitados podem sensibilizar a leitura das imagens de forma mais crítica. Podemos perceber também se há outros personagens que não aparecem no texto, se ocorrem histórias paralelas, de que modo a ilustração se articula com o texto. Veja, por exemplo, em O menino maluquinho, de Ziraldo (1980), como a ilustração faz com que nosso olhar passeie pelas páginas à procura do menino ativo, que não para um minuto. 232

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Ziraldo

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Neste livro, as ilustrações acompanham as travessuras do personagem (Ziraldo. O Menino Maluquinho, 1980).

Maurício Veneza

Em O dragão e o cavaleiro, de Maurício Veneza (1999), o ilustrador fez uma brincadeira com o leitor: observe o rato roendo a roupa do rei. Só vai achar graça quem tiver a referência do trava-língua.

O rato roeu a roupa do rei (ilustração de O dragão e o cavaleiro, 1999).

As crianças bem pequenas podem observar as ilustrações e nomeá-las. Com o tempo, vão começar a estabelecer relações entre as ações apresentadas até serem capazes de levar em conta causa e consequência para a construção de uma história só de imagem. Ter ouvido muitas histórias facilita esse processo. 233

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Observar também o livro como objeto, seu tamanho, tipo de letra etc; reparar se faz parte de uma coleção – é possível perceber o que eles têm em comum, o que os torna uma unidade: mesmo tema, gênero, autor? Gostando do livro, a criança vai buscar os outros livros daquela coleção, daquele autor, ilustrador ou daquele assunto. É interessante também prever momentos de leitura individual e silenciosa por parte da criança, quando ela poderá escolher livremente o livro (é uma aprendizagem eleger, abandonar um que não vale a pena, ousar pegar um mais grosso, pular páginas, decepcionar-se, surpreender-se). Podemos também fazer a maquete ou o mapa da história, confeccionar os personagens, fazer ou escolher uma música que combine com a narrativa, conversar sobre os cheiros (como será o perfume da princesa? O cheiro de floresta?). Transformar a história em poesia, teatro ou história em quadrinhos. Podemos também propor interferências: imaginar outro personagem passando pela mesma situação (como seria a fábula “A cigarra e a minhoca”?). Ou um novo personagem entrando na história (Pinóquio encontra um saci). Depois do livro lido e discutido em seus vários aspectos e pontos de vista, podemos pensar em outras atividades, como desenho, dobradura, teatro, escrita, pintura, dança, música, jogos etc. Nessas atividades, a criança poderá se expressar, experimentando a autoria.

Para onde vamos? Certo cidadão de Caconde Quis ir, sem saber para onde. Pensou, refletiu, Não se decidiu, Sentou-se – e perdeu o bonde. Tatiana Belinky

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Literatura infantil: reflexões e provocações

Gianni Rodari, um dos maiores autores infantis italianos, diz que não se ensina literatura para que todos os cidadãos sejam escritores, mas para que nenhum seja escravo. E o que fazemos para que se formem leitores? O livro é valorizado, considerado companhia, diversão, objeto a ser compartilhado, fonte de emoção na família e na escola? E na alfabetização, e depois dela, o livro vira objeto de cobrança, vem acompanhado de questionários intermináveis? Na Educação Infantil, não tem importância se a criança entende todas as palavras do texto, porque, mesmo sem entender tudo, é possível compreender a história, o que interessa é a fruição, a emoção, a expectativa, a admiração pelos personagens… E ela tem a liberdade de perguntar, pedir para repetir, pode não entender, não gostar. Depois, nas séries mais avançadas, o que passa a interessar é se “leu mesmo”, que mensagem o autor quis transmitir, quantos personagens etc. Morre aí toda a possibilidade da busca de um sentido para o que se leu, um sentido para si e não para a escola ou para a família. Precisamos pensar aonde queremos chegar e o que estamos fazendo na Educação. Afinal, [...] liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos que inauguram a vida como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária, a proposição é indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno (Queirós, 2011. Disponível em: . 235

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Cada vez mais, a escola vai assumindo o papel de promotora de leitura. Se, por um lado, é fundamental que a biblioteca seja o coração de uma escola, por outro, é preciso estar criticamente atento às ofertas do mercado editorial. Como vimos, as concepções de infância e educação determinam a escolha do livro, como, onde e por que será lido. Como consequência, o tipo de livro produzido e comercializado será, principalmente, aquele que atende a essa expectativa. As escolhas do professor, então, têm papel fundamental na produção editorial. Portanto, é preciso estar cada vez mais consciente e envolvido com as questões da leitura literária das crianças e de sua inserção no projeto político-pedagógico da escola, sabendo que isso se reflete na sociedade como um todo. Simone Bibian é escritora, especialista em literatura infantojuvenil e psicopedagoga.

Referências BARROS, M. Memórias inventadas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. BELINKY, T. O livro dos disparates. São Paulo: Saraiva, 2001. BORDINI, M. G. Poesia infantil. São Paulo: Ática, 1991. BUSATTO, C. Contar e encantar: pequenos segredos da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2003. COLOMBER, T. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007. DINORAH, M. Coração de papel. São Paulo: Moderna, 1986. HUNT, P. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac Naify, 2010. FURNARI, E. Ritinha Bonitinha. Belo Horizonte: Formato, 1990. MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MACHADO, R. Acordais: fundamentos teóricos-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004. QUEIRÓS, B. C. Movimento por um Brasil Literário. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2011. __________. Palestra proferida no 5o Encontro de Literatura Infantil e Juvenil da UFRJ, em 8 de julho de 2008 – anotações pessoais. VENEZA, M. O dragão e o cavaleiro – do jeito que a princesa contou. Belo Horizonte: Compor, 1999. ZILBERMAN, R. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. ZIRALDO. O Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1980.  

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