MEMORIAL DO CONVENTO - Pro Campus

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José de Sousa Saramago nasceu a 16 de novembro de 1922, de uma família de .... Memorial do Convento: “A construção do convento de Mafra foi uma ...
COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI 

MEMORIAL DO CONVENTO  J OSÉ SARAMAGO  PROF. J ORGE ALBERTO  1.  RESUMO BIOGRÁFICO  José  de  Sousa  Saramago  nasceu  a  16  de  novembro  de  1922,  de  uma  família  de  camponeses  pobres,  na  aldeia  de  Azinhaga,  distrito  de  Santarém,  província  do  Ribatejo,  em  Portugal.  Com  apenas  dois  anos  mudou­se  com  a  família  para  Lisboa.  Com  cinco  anos,  ao  entrar  para  a  escola,  descobriu­se  um  erro  na  sua  certidão  de  nascimento:  o  funcionário  do  Registro  –  bêbado  –  acrescentou  Saramago  (nome  de  um  planta  silvestre,  que  dá  uma  florzinha  com  quatro  pétalas  e  cresce  pelos  cantos,  quase  sempre  esquecida,  explicação  do  autor),  converteu  em  nome legal  um  apelido familiar  (a  família  do  autor  era  conhecida  com  o  apodo  de  Saramago).  Desta  forma,  José foi  o  primeiro  Saramago  da família  Meirinho  Sousa.  Autodidata,  só  fez  cursos  técnicos  e  não  chegou  a  concluir  nenhum  curso  universitário.  Exerceu  profissões  humildes  e  conheceu  a  condição  de  operário  antes  de  se  dedicar  inteiramente  à  literatura:  mecânico  de  carro,  serralheiro­mecânico,  funcionário  público,  jornalista, desenhista, editorialista. O escritor leu seu primeiro livro aos 11 anos: "O Mistério do  Moinho",  um  presente  da  mãe.  O  seu  primeiro  emprego  foi  como  serralheiro,  nas  oficinas  do  Hospital  Civil  de  Lisboa.  Ao  mesmo  tempo  em  que  trabalhava,  Saramago  enriquecia  sua  cultura, lendo tudo que lhe chegasse às mãos. Freqüentou, à noite, intensa e solitariamente a  Biblioteca  Municipal  Central  –  Palácio  das  Galveias,  na  capital  portuguesa  e  comprou  os  primeiros livros aos 19 anos.  Foi em 1944 que o jovem José casou­se com a pintora Ilda Reis. Em 1947 Saramago  arrisca­se  no  ofício  de  escritor  pela  primeira  vez  aos  24  anos  de  idade,  quando  publica  o  romance de filiação neo­realista "Terra do Pecado", obra que rejeitaria totalmente. Assim como  a obra “Clarabóia”, que não foi publicada e jamais será, informa o autor. O fracasso do primeiro  livro  marcou­o  tão  profundamente  que  só  voltaria  a  escrever  vinte  anos  mais  tarde.  Em  49  nasceu  sua  primeira  filha,  que  recebeu  o  nome  de  Violante.  A  partir  de  55  começa  a  fazer  traduções para aumentar os rendimentos – Hegel, Tolstói e Baudelaire são alguns dos autores.  Em  1966,  Saramago  lançou  seu  primeiro  livro  de  poesias,  intitulado  "Os  Poemas  Possíveis",  para,  três  anos  mais  tarde,  ingressar  no  Partido  Comunista  Português,  partido  no  qual  permanece até hoje e do qual virou uma espécie de baluarte, antes e depois do Nobel. É um  prosador  oriundo  da  classe  trabalhadora  que  só  atingiu  a  celebridade  quando  cumpriu  os  60  anos.  Desde  então  alcançou  a  notoriedade  e  tem  visto  a  sua  obra  ser  freqüentemente  traduzida em mais de 20 idiomas.  2. CONTEXTO DO MODERNISMO  O  Modernismo  português  nasce  num  contexto  de  renovação  política  e  do  ressurgimento  do  nacionalismo  lusitano,  gerando  duas  correntes:  os  saudosistas  e  os  integralistas  de  mentalidade  fascista.  Pregava­se  uma  volta  ao  passado,  invocando­se  o  Império,  o  Sebastianismo,  as  glórias  de  Os  Lusíadas  e  as  Grandes  Navegações.  A  literatura  modernista  dá  sua  contribuição  procurando  atualizar  o  país  em  relação  às  renovações  artísticas que surgem em toda a Europa.  O marco  inicial  do  Modernismo  português  foi  a  publicação  da  revista  ORPHEU,  em  1915,  antenada  com  as  vanguardas  européias,  tendo  como  responsáveis  Fernando  Pessoa,  Mário de Sá­Carneiro, Almada Negreiros, Luís de Montalvor, o brasileiro Ronald de Carvalho e  outros.  Cronologicamente,  a  poesia  de  Florbela  Espanca  filia­se  à  Primeira  Geração:  Orphismo (1915­1927).  A  Segunda  Geração:  Revista  Presença  (o  Presencismo  1927­1940)  de  autores  como: José Rodrigues Miguéis, Adolfo Casais Monteiro, José Régio, Branquinho da Fonseca,  Antônio Boto, Miguel Torga.  A  Terceira  Geração,  Neo­Realismo,  é  um  movimento  literário  que  combate  o  fascismo  e  propõe  uma  literatura  social,  documental,  combativa  e  reformadora.  O  Neo­  Realismo  situa­se  aproximadamente  entre  1940  e  1960.  Ferreira  de  Castro  é  o  grande  precursor com o seu romance A Selva. A influência de Ferreira de Castro, as teorias marxistas,

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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI  o  romance  social  norte­americano  e  de  escritores  regionalistas  brasileiras,  sugerem  aos  escritores portugueses os traços mais definidores. Em 1940 é publicado o romance “Gaibéus”,  de  Alves  Redol,  que  oficializa  essa  fase.  Outros  autores  ligados  aos  ideais  neo­realistas:  Manuel  da  Fonseca,  Soeiro  Pereira  Gomes,  Fernando  Namora,  Carlos  de  Oliveira,  Joaquim  Paços D´Arco.  3. OBRA  Poesia  Os Poemas Possíveis, 1966  Provavelmente Alegria, 1970  O Ano de 1993, 1975  Crônica  Deste Mundo e do Outro, 1971  A Bagagem do Viajante, 1973  As Opiniões que o DL teve, 1974  Os Apontamentos, 1976  Diário  Cadernos de Lanzarote I, 1994  Cadernos de Lanzarote II, 1995  Cadernos de Lanzarote III, 1996  Cadernos de Lanzarote IV  Memória  As Pequenas Memórias, 2006  Viagem  Viagem a Portugal, 1981  Teatro  A Noite, 1979  Que Farei Com Este Livro?, 1980  A Segunda Vida de Francisco de Assis, 1987  In Nomine Dei, 1993  Conto  Objecto Quase, 1978  Poética dos Cinco Sentidos ­ O Ouvido, 1979  O Conto da Ilha Desconhecida, 1998  Romance  Terra do Pecado, 1947  Manual de Pintura e Caligrafia, 1977  Levantado do Chão, 1980 (primeiro livro publicado no Brasil, 1982)  MEMORIAL DO CONVENTO, 1982  O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984  A Jangada de Pedra, 1986  História do Cerco de Lisboa, 1989  O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991

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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI  Ensaio sobre a Cegueira, 1995 (Prêmio Camões)  Todos os Nomes, 1997  A Caverna, 2001  O Homem Duplicado, 2002  Ensaio sobre a lucidez, 2004  As Intermitências da Morte, 2005  4. LINGUAGEM E ESTILO  O  próprio  Saramago  revela  em  entrevistas  que  Fernando  Pessoa,  Franz  Kafka  e  Jorge  Luís  Borges  são  influências mais  do  que  claras.  Críticos  também  o  aproximam  de  uma longa  tradição portuguesa constituída por Antônio Vieira, Fernão Lopes (em tom de crônica histórica)  e Camilo Castelo Branco.  Apesar  de  não  ter  sido  o  autor  da  primeira  obra  pós­modernista  no  cenário  literário  português  –  feito  atribuído  ao  escritor  José  Cardoso  Pires,  na  década  de  60  –,  Saramago  é  visto como o responsável pelo aprofundamento desse estilo. Dentre os vários aspectos de seu  estilo, apontamos: o autor problematiza o ato de escrever (metalinguagem), observa a história  com  um  distanciamento  do  discurso  oficial  e  combina  ensaio  e  romance,  implodindo  as  fronteiras  entre  ficção  e  não­ficção;  uso  próprio  dos  sinais  de  pontuação:  predominância  do  ponto  e  da  vírgulas  no  lugar  dos  travessões  nos  diálogos,  usa  a  maiúscula  para  a  fala  do  interlocutor  (rompendo  a  estrutura  tradicional  do  discurso  direto);  mistura  as  falas  das  personagens,  onde  o  uso  do  discurso  indireto  livro  é  bastante  influenciador;  o  período,  parágrafo,  frase  longos;  a  intertextualidade,  a  paródia,  a  colagem,  valorização  da  ironia,  questionamento  da  religião  e  de  outros  sistemas  que  criam  relações  de  poder;  a  substituição  do  discurso  individual  pelo  coletivo,  inversões  sintáticas,  diversidade  de  tons:  do  lírico  ao  irônico,  do  coloquial  ao  pomposo;  faz  uso  de  informações  oficiais  e  as  mistura  com  fontes  oficiosas,  sem  abrir  mão  da  sua  capacidade  imaginativa,  isto  é,  substituir  o  que  foi  pelo  que  poderia ter sido, afirma o autor. “Ele constrói uma história do que poderia ter sido, dando voz a  pessoas  anônimas,  sujeitos  comuns,  que  podem  ter  existido,  que fizeram  de  nós  o  povo  que  somos.  Com  isso,  Saramago  presta  uma  homenagem  aos  heróis  anônimos”,  diz  a  eminente  professora  Ana  Paula  Arnaut,  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra.  Entendemos  que  nessa  primeira  fase,  a  de  “romances  históricos”,  o  seu  objetivo  não  é  reconstituir o passado, e sim desconstruí­lo, subvertê­lo.  5. MEMORIAL DO CONVENTO (1982)  A  ficção  de  Saramago,  socialista  convicto,  é  produzida  sob  a  ótica  dos  fracos,  dos  marginalizados  e  humilhados.  Conheça  sua  explicação  sobre  o  que  o  levou  a  escrever  Memorial  do  Convento:  “A  construção  do  convento  de  Mafra  foi  uma  demonstração,  entre  outras, da megalomania de João V, graças à exploração do ouro e de diamantes do Brasil. Ali  foi  enterrada  uma  fortuna  incalculável.  Mas  é  impossível  apurar  quanto,  porque  todos  os  documentos  foram  destruídos.  Pois  bem,  sendo  eu  um  homem  de  esquerda,  com  um  pensamento  marxista,  não  poderia  deixar  de  me  impressionar  com  o  fato  de  40  mil  homens  terem construído aquela obra”.  5.1 ELEMENTOS DA NARRATIVA  O  romance  está  dividido  em  25  capítulos,  sem  numeração  alguma,  marcados  por  espaços  vazios  entre  o  final  de  um  e  o  início  de  outro.  A  obra  representa  uma  investida  no  campo da narrativa histórica. Após demoradas pesquisas que levaram cerca de quase 30 anos,  Saramago  investiga    quase  50  anos  da  História  de  seu  país  nos  limites  dos  séculos  XVII  e  XVIII,  com  um sem­fôlego  de  informações  que  são  justapostas  rapidamente,  sem interrupção  como se houvesse uma impulsão que transformasse pensamentos em palavras.  ESPAÇO  1. O palácio que abriga a nobreza de D. João V, por onde o clero transita com facilidade;  2. As ruas de Lisboa, sempre cheias da "arraia­miúda", o povo pobre, faminto;

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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI  3. A quinta ( chácara) para onde vão o padre Bartolomeu Lourenço, Blimunda e Baltasar  construir a “Passarola”;  4. A cidade de Mafra e os arredores.  TEMPO O tempo narrativo é do tipo cronológico e está inserido entre duas datas: "dezessete de  novembro  deste  ano  da  graça  de  1717",  como  indica  o  último  capítulo,  a  data  da  morte  do  escritor e comediógrafo brasileiro Antônio José da Silva, o Judeu, autor das Guerra de Alecrim  e  Manjerona,  em  1739.  Ou  seja,  a  história  que  vamos  analisar  tem  duração  temporal  de  22  anos.  FOCO NARRATIVO  O  foco  narrativo  do  romance  é  do  tipo  cambiante/deslizante,  isto  é,  mistura  das  falas;  também  chamado  múltiplo,  com  predominância  em  3 a .  pessoa.  A  voz  do  narrador  faz  comentários  satíricos  com  freqüência  e  entra  em  contradição  com  os  dados  históricos  oferecidos anteriormente. 

"Já  se  deitaram.  Esta  é  a  cama  que  veio  da  Holanda  quando  a  rainha  veio  da  Áustria,  mandada fazer de propósito pelo rei, a cama, a quem custou setenta e cinco mil cruzados, que  em Portugal não há artífices de tanto primor, e, se os houvesse, sem dúvida ganhariam menos.  A desprevenido olhar nem se sabe se é de madeira o magnífico móvel, coberto como está pela  armação preciosa, tecida e bordada de florões e relevos de ouro, isto não falando do dossel  que poderia servir para cobrir o papa. Quando a cama aqui foi posta e armada ainda não havia  percevejos  nela,  tão  nova  era,  mas  depois,  com  o  uso,  o  calor  dos  corpos,  as migrações  no  interior  do  palácio,  ou  da  cidade  para  dentro,  rica  de  matéria  e  adorno  não  se  lhe  pode  aproximar um trapo a arder para queimar o enxame, não há mais remédio, ainda não o sendo,  que pagar a Santo Aleixo cinqüenta réis por ano, a ver se livra a rainha e a nós todos da praga  e da coceira." (p. 16)  Observação:  Tanto  em  primeira  quanto  em  terceira  pessoas  ,  o  narrador  se  comporta  como  uma  espécie  de  "guia"  para  seus  leitores.  Usa  pronomes  demonstrativos  como  se  apontasse os acontecimentos, os seres e as coisas: 

"Esta é a cama que veio da Holanda(...)"  "Este que por desafrontada aparência, sacudir da espada e desparelhadas vestes, ainda  que descalço, parece soldado, é Baltazar Mateus."  PERSONAGENS HISTÓRICOS 

Em  seu  Memorial  do  Convento,  o  escritor  português  inseriu  personagens  reais,  históricas, pertencentes ao século XVIII:  1.  D.  João  Quinto,  24º  rei  de  Portugal,  a  quem  se  atribuía  grande  sabedoria,  mau  humor  e  sexualidade  exagerada.  No  romance,  é  retratado  como  um  libertino  ignorante,  vaidoso, libidinoso e vulgar, que gostava de montar réplica da Basílica de S. Pedro.  2.  D.  Ana  Maria  Josefa,  princesa  austríaca  que  se  tornou  rainha  de  Portugal,  casada  com D. João V. A história a descreve como beata, submissa e medrosa.  3. Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, brasileiro, nascido em 1685, apelidado de  "O Voador" por ter inventado a “passarola” (aeróstato); morto em 1724, dado como louco pela  Inquisição.  4. Domênico Scarlatti, músico italiano barroco, compôs inúmeras músicas para cravo e  esteve  realmente  em  Portugal  por  tempos,  ensinando  música  para  a  infanta  D.  Beatriz.  Ao  voltar à Itália, notabilizou­se e ganhou nome e destaque como compositor e maestro.  PERSONAGENS DE FICÇÃO

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1. Blimunda de Jesus ( Blimunda Sete­Luas)  Blimunda é uma criatura diferente: enxerga as pessoas "por dentro" se estiver em jejum.  Tem  19  anos,  é  forte,  decidida,  ama  Baltasar  assim  que  o  vê,  sabia  que  ele  seria  seu  amor  para  sempre:  "Correu  algum  sangue  sobre  a  esteira.  Com  as  pontas  dos  dedos  médio  e  indicador umedecidos nele, Blimunda persignou­se e fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre  o coração. Estavam ambos nus."  2. Baltasar Mateus ( Baltasar Sete­Sóis)  Tem 26 anos, é forte e destemido. Fora soldado e, na guerra, perdera a mão esquerda:  "Foi mandado embora do exército por já não ter serventia nele, depois de lhe cortarem a mão  esquerda pelo nó do pulso, estraçalhada por uma bala em frente de Jerez de los Caballeros."  Também  sabe  que  terá  Blimunda  para  sempre:  "Baltasar  Mateus,  o  Sete­Sóis,  está  calado,  apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca  do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul,  que  com  a  luz  de  fora  variam  ou  o  pensamento  de  dentro,  e  às  vezes  tornam­se  negros  noturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra."  ENREDO  Apesar  de  ter  sido  trazida  da  Áustria  já  há  dois  anos,  especialmente  para  gerar  o  sucessor  ao  trono  de  D.  João  V,  rei  de  Portugal,  a  rainha  D.  Maria  Ana  Josefa  parece  não  conseguir  engravidar.  Sendo  o  rei  um  símbolo  de  virilidade,  mas  é  ela  considerada  infértil  e,  conseqüentemente, a única culpada pelo fato de o rei ainda não ter tido herdeiros. Quando, ao  cair  da  noite,  o  rei  se  prepara  para  ir  ao  quarto  da  rainha  para mais  uma  tentativa,  chega  ao  palácio  D.  Nuno  da  Cunha,  bispo  inquisidor,  acompanhado  de  um  velho  frade  franciscano,  Antônio de S. José, que propõe uma solução para o problema do rei. Diz o frade que a rainha  engravidaria assim que o rei prometesse construir um convento para os frades da ordem dos  franciscanos  na  vila  de  Mafra.  Feita  a  promessa,  o  casal  real  vai  para  o  quarto.  Depois  de  consumado o ato sexual, rei e rainha dormem e sonham cada um com seus próprios desejos,  suas  diferentes  fantasias:  ela  sonha  que  tem  um  encontro  amoroso  com  seu  cunhado,  o  Infante.  Passado o "entrudo" , como de costume, durante a quaresma as ruas  se encheram  de  gente  que  fazia  cada  um  suas  penitências.  Segundo  a  tradição,  a  quaresma  era  a  única  época  em  que  as  mulheres  podiam  percorrer  as  igrejas  sozinhas  e  assim  gozar  de  uma  rara  liberdade que lhes permitia até mesmo de se encontrarem com seus amantes secretos. Porém,  D. Maria Ana não podia gozar dessas liberdades pois, além de ser rainha, agora se encontrava  grávida.  Assim,  tendo  ido  para  a  cama  cedo,  consolou­se  em  sonhar  outra  vez  com  D.  Francisco, seu cunhado. Passada a quaresma, todas as mulheres retornaram para a reclusão  de suas casas.  Não somente por causa da gravidez de cinco meses, mas também por estar de luto  pela morte de seu irmão, a rainha Maria Ana deixa de freqüentar o grande auto­de­fé na praça  do  Rossio  em  Lisboa,  evento  muito  popular,  que  já  há  dois  anos  não  ocorria.  Ali  seriam  castigados pela Inquisição diversos casos de heresia. Entre os condenados pelo Santo Ofício,  um é focalizado com maior destaque. É Sebastiana Maria de Jesus, acusada de ser feiticeira e  cristã­nova  .  Sebastiana,  durante  alguns  parágrafos,  torna­se  a  narradora  da  história.  Sebastiana  Maria  de  Jesus  tem  uma  filha  de  19  anos:  Blimunda,  jovem  de  poderes  sobrenaturais, que assiste à procissão ao lado do padre Bartolomeu Lourenço. Perto dela está  um  homem,  Baltasar  Mateus,  o  Sete­Sóis,  a  quem  ela  se  dirige  e  cujo  nome  procura  saber.  Voltando a sua casa, Blimunda leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém­  conhecido também possa entrar. Depois de o padre  sair, Blimunda convida Baltasar para que  fique  morando  em  sua  casa,  pelo  menos  até  que  ele  tivesse  que  voltar  a  Mafra  .  No  dia  seguinte,  ao  acordar,  Blimunda,  sem  abrir  os  olhos,  come  um  pedaço  de  pão  e  promete  a  Baltasar  que  nunca  o  olharia  "por  dentro".  Começa  aqui  a  fiel  e  duradoura  amizade  entre  os  três personagens que se contrapõem aos personagens da família real, heróis da historiografia  oficial. Inicia­se também a relação amorosa entre Baltasar e Blimunda, que ocupará o centro da  narrativa. Ao encontrar­se com o padre Bartolomeu Lourenço, que estava procurando usar sua  influência no palácio para conseguir dinheiro. Baltasar fica sabendo que o padre era conhecido

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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI  como  "o  Voador",  por  ter  criado  uma  máquina  a  qual  todos  ridicularizam,  chamando  de  "a  passarola". Baltasar aceita o convite do padre para ser seu ajudante no projeto de construir a  tal  "máquina  de  voar",  mas  enquanto  não  chega  o  dinheiro  para  o  material  necessário,  fica  trabalhando  em  um  açougue.  Enquanto  isso,  no  palácio,  para  decepção  do  rei,  a  rainha  dá  à  luz  uma  menina,  Maria  Xavier  Francisca  Leonor  Bárbara,  que  é  batizada  por  sete  bispos.  Apesar  de  o  frade  Antônio  de  S.  José  já  ter  morrido  quando  do  nascimento  da  criança,  a  promessa do rei de construir o convento seria mantida.  Enquanto no palácio nascia D. Pedro, segundo filho da família real, e o rei viajava a  Mafra  para  escolher  o lugar  onde  seria  erguido  o  convento monumental,  Baltasar  e  Blimunda  mudam­se para a abegoaria na quinta do duque de Aveiro, amigo do rei, em S. Sebastião da  Pedreira. Além de proporcionar­lhe o lugar de trabalho, o rei, que se interessara pelo projeto do  padre  como  uma  criança  se  interessa  por  um  brinquedo  novo,  com  sua  amizade  e  influência  protegia o padre das garras da Inquisição que, caso viesse a saber dos projetos do padre, teria  motivos suficientes para acusá­lo de heresia. Na quinta do duque de Aveiro, Padre Bartolomeu,  com  a  ajuda  de  Baltasar  e  Blimunda,  prossegue  na  construção  da  passarola.  Decide,  então,  partir à Holanda, onde dizem que os sábios conhecem os mistérios da alquimia e a natureza do  éter  ,  o  único  elemento  que,  segundo  ele,  estava  faltando  para  que  sua  invenção  fosse  concluída.  Baltasar e Blimunda, depois que o padre parte, decidem mudar­se para Mafra , terra  natal de Baltasar. Antes de partir, o casal decide assistir, ao invés de mais um auto­de­fé que  seria  realizado  na  praça  do  Rossio,  a  uma  outra  festa  popular,  a  tourada.  Assim  como  os  autos­de­fé  ,  as  touradas  sempre  terminavam  com  um  forte  cheiro  de  carne  queimada,  proveniente  do  churrasco  realizado  no final  da festa. Ao  chegar  à  casa  da  família  em Mafra ,  acompanhado  de  Blimunda,  Baltasar  é  recebido  por  sua  mãe,  Marta  Maria,  já  que  João  Francisco,  seu  pai,  estava  trabalhando  no  campo.  Baltasar  fica  sabendo  que  sua  única  irmã,  Inês Antônia, estava casada com Álvaro "Pedreiro" Diogo.  Voltando  da  Holanda,  onde  estivera  por  três  anos,  o  padre  Bartolomeu  Lourenço  dirige­se  à  quinta  de  S.  Sebastião  da  Pedreira,  encontrando  a  albegoaria  abandonada.  Algumas semanas depois, parte em direção a Coimbra, de onde conta retornar já "doutor em  cânones". Antes, porém, decide visitar o casal amigo em Mafra , onde, ao chegar, encontra um  pároco, Francisco Gonçalves, que lhe oferece um quarto para ficar hospedado.  De  volta  à  quinta  do  Duque  de  Aveiro,  Baltasar  desmonta  a  passarola  que,  abandonada,  encontrava­se  com  a  estrutura  enferrujada  e  os  panos  cheios  de  mofo.  Pouco  tempo depois chega o padre, que logo quer saber quantas vontades Blimunda já recolhera. Ao  ouvir  que  até  então  havia  apenas  trinta  "vontades"  na  garrafa,  o  padre  lhe  diz  que  eram  necessárias  pelo  menos  duas  mil.  Baltasar  continua  trabalhando  na  "máquina  de  voar"  enquanto padre Bartolomeu vai constantemente a Coimbra, a fim de concluir seus estudos.  Sabendo de uma epidemia de febre amarela que, trazida do Brasil, se alastrava por  Lisboa  e  já  matara  quatro  mil  pessoas  em  três  meses,  o  padre  Bartolomeu  pede  a  Blimunda  que  aproveite  a  ocasião  para  recolher  as  vontades  que  se  desprendem  do  peito  dos  moribundos. Blimunda faz o que o padre lhe pedira e, no final da epidemia, consegue recolher  as  duas  mil  vontades  necessárias  para  fazer  voar  a  "passarola".  O  casal  acaba  se  tornando  conhecido em Lisboa, por sempre andar pela cidade sem medo da epidemia.  Depois  de  cumprida  a  tarefa,  Blimunda  fica  doente  e,  durante  toda  sua  convalescença,  o  músico  Scarlatti  vai  tocar­lhe  cravo,  o  que  contribui  para  a  restauração  de  sua saúde.  Estando as vontades recolhidas e a máquina de voar já pronta, nada falta para que o  invento do padre seja testado. Além disso, o rei já não pode fazer nada para que o Duque de  Aveiro lhes empreste a quinta onde trabalham. O padre, que andava receoso do Santo Ofício,  vai ao palácio se certificar da proteção e amizade do rei, mas volta aflito, pois descobrira que o  Santo Ofício já estava a sua procura. Assim, só lhe resta propor ao casal que os três terminem  rapidamente o projeto e juntos fujam na "máquina de voar".  Depois de passarem despercebidos  sobre a cidade de Lisboa, os três  sobrevoam a  vila  de  Mafra ,  onde várias  pessoas  vêem  a máquina voadora, julgando  ser  uma  aparição  do  Espírito  Santo.  Encontrando  dificuldades  para  controlar  a  máquina,  finalmente  a  fazem  aterrissar,  graças  à  iniciativa  de  Blimunda  de  segurar  junto  a  seu  peito  as  duas  esferas  contendo as "vontades".  No dia seguinte, o casal impede o padre, que se encontrava aflito de emoção ou de  medo,  de  atar fogo  à máquina. Mas  não  podem  impedir  que  ele  parta  sozinho  mata  adentro,  para nunca mais voltar. Blimunda e Baltasar escondem a máquina sob a ramagem e partem na

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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UFPI  mesma direção tomada pelo padre, até chegarem, depois de alguns dias, a Mafra , onde uma  procissão celebrava o milagre que o povo acreditava ter presenciado. Ali, Baltasar, a exemplo  de tantos outros moradores locais, começa a trabalhar nas obras do convento, cuja dimensão e  quantidade de homens que emprega muito o impressionam, apesar de achar o ritmo com que  se desenvolve demasiado lento. Chegam notícias do  terremoto de Lisboa, que foi seguido de  inaudita tempestade.  Dois  meses  depois  de  terem  chegado  a  Mafra  ,  Baltasar  decide  voltar  ao  Monte  Junto,  onde  haviam  deixado  a  máquina  de  voar.  Ele  a  encontra  no  mesmo  lugar,  mas  necessitando de alguns reparos.  Depois de quase quatro anos em Mafra , Blimunda pela primeira vez pede a Baltasar  para acompanhá­lo em uma de suas visitas periódicas ao Monte Junto. Depois de lá chegarem,  resolvem passar a noite para que, ao amanhecer, Blimunda, ainda em jejum, se certificasse de  que as vontades ainda estavam guardadas dentro de cada uma das esferas.  Finalmente, o rei decide que a sagração da basílica deveria ser realizada dois anos  mais tarde, no dia vinte e dois de outubro de 1730, quando ele completasse 41 anos, estivesse  ou não a obra concluída. Com a ampliação do projeto, tornara­se necessário que se recrutasse  um grande número de trabalhadores, dentre os quais muitos seriam levados a fazer o trabalho  contra  a  própria  vontade,  o  que  causaria  grande  tristeza  a  muitas  famílias  de  toda  a  região.  Simultaneamente, as famílias reais de Portugal e de  Espanha logo  se preparariam, em 1729,  para se unirem através de dois casamentos.  Em  1730,  pouco  mais  de  um  ano  depois  da  "troca  das  princesas",  a  basílica  do  convento  seria  enfim  consagrada,  mesmo  estando  as  obras,  tanto  as  da  basílica  como  as  do  convento,  ainda  longe  de  serem  concluídas.  Várias  estátuas  de  santos  desfilam  pelas  ruas  e  são  transportadas  até  o  local  onde  seriam  instaladas.  Blimunda  e  Baltasar  resolvem  ver  as  imagens dos santos Segundo acreditam, os santos passariam a noite conversando pela última  vez, antes de serem isolados em seus nichos, na basílica.  Ao  amanhecer,  Baltasar  decide  ir  sozinho  ao  Monte  Junto,  verificar  o  estado  da  "passarola". Ao tentar fazer os já costumeiros reparos na máquina, Baltasar tropeça e rasga os  panos  que  cobriam  as  esferas,  de  modo  que  quando  os  raios  de  sol  as  atingem,  a  máquina  inesperadamente  levanta vôo.  Blimunda vai  procurá­lo  no  dia  seguinte,  ao  mesmo  tempo  em  que  romarias  se  dirigem  à  sagração  da  basílica,  mas  não  encontra  seu  amado,  apenas  o  espigão de ferro, que ela não hesita em usar quando um frade a tenta violá­la.  Blimunda  continua  a  procurar  Baltasar  durante  nove anos,  perambulando  por  todas  as  partes  do  país.  Sua  jornada  termina  em  Lisboa,  em  situação  semelhante  àquela  em  que  conhecera Baltasar.

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