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preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior ..... violação ocorre no momento da colheita da prova, podendo ser anterior ou.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL1 Cynthia Brodt Martins2 Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal fazer uma análise dos critérios preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça para decidir acerca da (in) validade da interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Para atingir o referido objetivo, utilizou-se como embasamento teórico o estudo relativo ao direito à prova no processo penal; às provas proibidas e à interceptação telefônica. Na pesquisa foram analisados oito acórdãos, podendo se verificar que os critérios mais aplicados pelos tribunais superiores foram: o princípio da proporcionalidade, da vedação de provas ilícitas, da convalidação, da motivação das decisões judiciais, da ausência de prejuízo ao réu, da inexistência de cerceamento de defesa e dos critérios legais constantes na Lei 9.296/96. Palavras-chaves: Interceptação Telefônica. Provas Ilícitas. Direito à intimidade. Lei 9.296/96. Princípio da Proporcionalidade. STJ. STF. INTRODUÇÃO A interceptação telefônica é um tema de extrema relevância para a sociedade, por ser importante meio posto à disposição do Estado para as investigações de maior complexidade, envolvendo organizações criminosas, com a finalidade de elucidação de fatos e de obtenção de prova. É medida cautelar admitida apenas em caráter excepcional pela Constituição Federal, para a investigação de crimes punidos com reclusão, em função de ser instrumento que viola o direito à intimidade não apenas do investigado, como de terceiros envolvidos na comunicação telefônica. Dessa forma, o Estado buscando limitar o uso indiscriminado deste instrumento, a fim de proteger garantias individuais, regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal, estabelecendo requisitos para a autorização da interceptação telefônica, por meio da edição da 1

Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e aprovado, em grau máximo, pela banca examinadora composta pelo Orientador Prof. Marcelo Guazzelli Peruchin, Prof. Nereu Giacomolli e Prof. Mario Rocha, em 12 de novembro de 2010. 2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. E-mail: [email protected].

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Lei 9.296/96. Sendo assim, deve-se observar o procedimento previsto na referida Lei para que seja reconhecida a validade da interceptação telefônica, sob pena da prova dela resultante ser considerada ilícita e inadmitida no processo penal, conforme previsão constante no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal. O presente trabalho tem por objetivo principal fazer uma análise dos critérios preponderantes utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça para decidir acerca da (in)validade da interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Este artigo está estruturado da seguinte forma: na seção 1 é apresentado o direito à prova, na seção 2 provas proibidas, na seção 3 interceptação telefônica, na seção 4 análise jurisprudencial das interceptações telefônicas e na última seção as considerações finais. 1 DIREITO À PROVA 1.1 CONCEITO E FINALIDADE Conforme CASTRO3 o objetivo do processo penal é reconhecer a existência de uma verdade jurídica, sendo tal fim alcançado pelas provas que se assumem e valoram segundo as normas prescritas pela lei de procedimento. NUCCI4 destaca que: o termo prova origina-se do latim - probatio- que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare -, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.

Entretanto, conforme BONFIM5 no plano jurídico o termo “prova” apresenta diversos sentidos podendo ser entendido como: a) atividade exercida, em regra, pelas partes no processo penal, visando demonstrar a veracidade de suas alegações; b) meios ou instrumentos empregados na demonstração de uma afirmação; e c) resultado da atividade probatória, isto é, a certeza ou convicção que surge no espírito de seu destinatário.

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CASTRO, R. A. de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 43. NUCCI, G. de S. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 388. 5 BONFIM, E. M. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 303. 4

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Na definição de CAPEZ6 prova é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação, ou seja, é todo e qualquer meio utilizado pelo homem com o intuito de comprovar a verdade de uma alegação. Neste sentido, CARVALHO7 explica que “a prova judiciária visa reconstrução dos fatos investigados na instrução criminal, objetivando fornecer ao julgador uma verdade judicial, senão absoluta, mas apta a fundamentar uma decisão final”. 1.2 ÔNUS DA PROVA A prova, sem dúvida, é ônus processual no nosso sistema brasileiro. A doutrina quanto às provas mostra-se dividida no tocante à distribuição do ônus processual da existência do delito às partes ou atribuição do mesmo exclusivamente ao órgão acusador. A palavra ônus possui origem latina (onus), significando fardo, carga, peso, imposição etc. Sendo assim, ônus processual é um encargo que as partes possuem de provar, pelos meios admissíveis, a verdade dos fatos, conforme a distribuição de tal imposição (ARANHA)8. É importante fazer-se a diferenciação entre ônus e obrigação. Segundo CAPEZ9 a principal diferença entre a obrigação e o ônus consiste na obrigatoriedade, tendo a parte no primeiro caso o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, enquanto que no segundo caso, o adimplemento é facultativo. A lei processual penal partiu de um princípio previsto no caput do art. 156 do CPP: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer [...]”. Conforme MIRABETE10 “o princípio decorre não só de uma razão de oportunidade e na regra de experiência fundada no interesse à afirmação, mas na equidade, paridade de tratamento entre as partes”. Entretanto, verifica-se que a citada disposição processual relativa à incumbência do ônus da prova pertencer a quem alega não é absoluta, uma vez que, o art. 156, II do CPP, faculta ao juiz de ofício, no curso da instrução, ou antes, de proferir a sentença, determinar a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (CAPEZ)11.

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CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 297. CARVALHO, W.C. de. As provas ilícitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, jun./jul. 2009. 8 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 7. 9 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 332. 10 MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 258. 11 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 333. 7

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Comentando essa previsão legal de produção de prova ex ofício pelo juiz TASSE, MILÉO e PIASECKI12: A produção de provas pelo juiz deve ser vista, assim, como exceção, pois, muito embora o magistrado não seja um espectador inerte quando da produção das provas, não pode ele substituir as partes em seu ônus de provar o que alegam. O juiz deve ser visto e atuar de maneira imparcial, para que não contamine o processo por falta de isenção. Por isso, as exceções eleitas devem ser vistas – fique claro – de maneira restritiva e excepcional.

Sobre distribuição do ônus da prova destaca CAPEZ13:

Cabe ao Ministério Público provar a existência do fato criminoso, da sua realização pelo acusado e também a prova dos elementos subjetivos do crime (dolo e culpa); em contrapartida, cabe ao acusado provar as causas excludentes de antijuricidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como circunstâncias atenuantes da pena ou concessão de benefícios legais.

Neste sentido, SOUZA14 sustenta que no momento em que o réu alega em sua autodefesa a existência de algum fato impeditivo (causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade), modificativo ou extintivo (causas de extinção de punibilidade), há uma transferência do ônus da prova de tais fatos ou circunstâncias à defesa, sendo tarefa desta demonstrar, pelo menos dentro de um nível de probabilidade suficiente para gerar a “dúvida razoável” no julgador, a veracidade da alegação. Entendimento contrário à divisão do ônus entre a acusação e defesa, LOPES JUNIOR15 defende a inexistência de distribuição de cargas probatórias no processo penal, ou seja, que o ônus da prova da existência do delito incumbe exclusivamente ao órgão acusador, em razão de que a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (denúncia ou queixa); bem como pelo fato do réu possuir em seu favor a presunção de inocência. LOPES JUNIOR16 complementa que não há carga probatória para defesa em função de não lhe ser atribuível um prejuízo imediato e tampouco o dever de liberação, advertindo que a questão se desloca para a distribuição do risco pela perda de uma chance de obter a 12

TASSE, A. E; MILÉO, E. Z; PIASECKI, P. R. O novo sistema de provas no processo penal: comentários à Lei 11.690/08. Curitiba: Juruá, 2009, p. 41. 13 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 333. 14 SOUZA, S. R. Manual da prova penal constitucional: pós reforma de 2008. Curitiba:Juruá, 2008, p. 97. 15 LOPES JUNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 502. 16 LOPES JÚNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 503.

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captura psíquica do juiz, exemplificando que o réu que não exerce o ser direito de defesa, assume o risco de perder uma chance de obter o convencimento do juiz acerca da veracidade de sua tese. 1.3 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DE PROVAS Com o encerramento da fase de instrução processual, o julgador fará uma análise e avaliação acerca das provas apresentadas nos autos para que formada a sua convicção, possa aplicar o direito no caso concreto. A avaliação de provas é ato eminentente pessoal do juiz, por meio do qual, examinando, pesando e estimando os elementos oferecidos pelas partes no processo penal (razões, debates), chega a uma conclusão sobre o alegado17 (ARANHA). Sendo assim na apreciação judicial torna-se natural estimar-se um valor a cada uma das provas apresentadas, de forma a sopesar as mais importantes em detrimento das menos relevantes. A ponderação deste sopeso por parte do juiz far-se-á por meio de mecanismos totalmente flexíveis, parcialmente vinculados e completamente adstritos (NUCCI)18. Exatamente pela importância que a prova apresenta no âmbito processual é que a MENDES19 aponta os três sistemas estabelecidos pela doutrina como critérios para avaliação judicial dessas provas: a) o sistema de prova legal ou tarifado; b) o da livre convicção; e c) o da persuasão racional ou livre convencimento motivado. No sistema de prova legal ou tarifado cada prova produzida no processo tem um valor preestabelecido em lei, inalterável, de forma que o juiz não tem liberdade na sua atividade de julgar, estando adstrito ao critério fixado pelo legislador. É chamado de tarifado, então, em razão de que as provas têm uma tabela de valoração da qual o juiz não pode se opor (ARANHA)20. Diferentemente, no sistema da livre convicção, não há previsão legal acerca do valor das provas e a decisão funda-se exclusivamente na certeza moral do juiz, que de acordo com a sua livre convicção decide sobre a admissibilidade, avaliação e carreamentos das provas para

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ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 78. NUCCI, G. de S. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 17. 19 MENDES, M. G. de. Direito à intimidade e interceptações telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 91. 20 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79. 18

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os autos, não sendo necessária a motivação para as decisões21 (MIRABETE). O autor refere que este sistema é o que prevalece no Tribunal do Júri, visto que os jurados não motivam seus votos. Já no sistema de persuasão racional, o juiz é livre na formação de seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de valoração prévio da prova, porém deverá expor as razões que fizerem com que ele optasse por tal prova, fazendo-o com base em argumentação racional a fim de que as partes por ventura insatisfeitas possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas (OLIVEIRA)22. Este sistema da persuasão racional é o adotado pelo processo penal brasileiro, na literalidade do caput do art. 155: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova [...]”, que encontra fundamento no art. 93, IX da Constituição Federal. A expressão “livre convencimento” é criticada por transmitir a idéia de perfeição, de liberdade absoluta e ilimitada acerca da prova, incompatível com a realidade, visto que o convencimento está limitado pelo conteúdo fático dos autos, pelo valorar e motivar, pelas regras

da legislação

ordinária e constitucional

e pelos

princípios

humanitários

(GIACOMOLLI)23. Sendo assim, claro que o juiz ficará adstrito às provas carreadas nos autos, não podendo fundamentar sua decisão em elementos estranhos a ele, tendo em vista que o que não está nos autos não está no mundo (MIRABETE)24. 2 PROVAS PROIBIDAS 2.1 DISTINÇÕES ENTRE PROVA ILÍCITA, ILEGÍTIMA E PROIBIDA Primeiramente, são apresentadas as antigas distinções terminológicas adotadas pela Constituição Federal de 1988 e acolhidas pela doutrina entre provas ilícitas e ilegítimas, sendo essas as espécies do gênero prova proibida25. Para tanto, parte-se da previsão constante no art. 5º, LVI, da atual Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

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MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 260. OLIVEIRA, E. P. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 299. 23 GIACOMOLLI, N. J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 26. 24 MIRABETE, J. F. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 260. 25 A doutrina utiliza como principais sinônimos de prova proibida: prova vedada e prova ilegal. 22

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Na definição de ARANHA26:

Prova proibida, conceito genérico, é toda aquela que é defesa, impedida mediante uma sanção, impedida que se faça pelo Direito. A que deve ser conservada à distância pelo ordenamento jurídico. Por ser proibida, ofende, molesta, opõe-se ao direito.

Segundo CERVI27 a distinção entre prova ilícita e ilegítima se faz em dois planos, sendo o primeiro referente à natureza da norma violada e o segundo ao momento de transgressão. No que tange ao primeiro plano, enquanto que a prova ilegítima viola normas de Direito Processual, diferentemente, a prova ilícita fere princípios de Direito material, sobretudo o Direito Constitucional. Com relação à distinção relativa ao momento da transgressão, enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo, na prova ilícita, a violação ocorre no momento da colheita da prova, podendo ser anterior ou concomitantemente ao processo, mas externamente a este (AVOLIO)28. Entretanto, a mencionada distinção doutrinária apresentada anteriormente foi extinta no processo penal pela nova redação do art. 157 do CPP, introduzida pela Lei nº 11.690, de nove de junho de 2008, que alterou dispositivos referentes à prova. Dessa forma, segundo o referido dispositivo, ambas as provas - com denominação de “ilegítimas” e “ilícitas” -, são apenas ilícitas e inadmissíveis. Dessa forma, verifica-se que a reforma processual solucionou questão relevante no tocante à hermenêutica do art. 5º, LVI, da CF, isto porque alguns doutrinadores defendiam uma interpretação restritiva do dispositivo, sustentando que a vedação constante no diploma constitucional abarcaria apenas as provas ilícitas, entendidas como violadoras do direito material, excluindo as provas ilegítimas, entendidas como violadores de direito processual, para as quais se aplicaria o sistema de nulidades (CARVALHO)29. Nesse contexto, MENDONÇA30 ressalta que apenas quando forem desrespeitadas as disposições processuais que possam refletir no devido processo legal é que se poderá 26

ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 50. CERVI, M. L. Provas ilícitas e a interceptação telefônica no direito brasileiro. Canoas: Ed. ULBRA, 2003, p. 19. 28 AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 51. 29 CARVALHO, W. C. As provas ilícitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 50, jun.-jul. 2009. 30 MENDONÇA, A. B. de. Nova reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008, p. 171. 27

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considerar a inadmissibilidade da prova. Por exemplo, uma prova testemunhal obtida em juízo sem a presença do defensor deverá ser considerada inadmissível (ilícita), por violação da ampla defesa e, portanto, ao devido processo legal. MENDONÇA31 refere que havendo desrespeito a uma disposição de caráter nitidamente procedimental, que não interfira em qualquer garantia relacionada ao devido processo legal, não pode ser admitida como ilícita e, portanto, inadmissível (por exemplo, uma testemunha inquirida pelo sistema presidencialista e não diretamente pelas partes). Dessa forma, o autor conclui que para as violações em que não houver lesão ao princípio do devido processo legal, o sistema deve continuar a ser o das nulidades. Sendo assim, “o novo conceito de prova ilícita vai bem mais além, pois tais provas podem desrespeitar tanto direitos como garantias constitucionais, como normas de direito material ou processual previstas em leis infraconstitucionais” (BARROS)32. 2.2 PRINCIPAIS CORRENTES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA (IN)ADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS 2.2.1 Admissibilidade das provas ilícitas Para essa corrente, os princípios do livre convencimento e da verdade real fazem com que uma ponderação de interesses em jogo penda sempre em favor do princípio da investigação da verdade, ainda que baseada em meios ilícitos (COSTA)33. Ela coloca a reconstrução da verdade como o principal norteador do processo, sustentando que prescindir uma prova formalmente correta em razão de ter sido obtida mediante fraude, seria abdicar de elementos de convicção importantes para o resultado do processo (AVOLIO)34. Sustenta essa parcela minoritária da doutrina, a possibilidade de admissão da prova ilícita, contanto que não existisse vedação pelo ordenamento jurídico, não interessando a violação de direito material (LOPES JUNIOR)35. O autor acrescenta que o responsável pela

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MENDONÇA, A. B. de. Nova reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008, p. 171. BARROS, F. de M. (Re)forma do processo penal: comentários críticos dos artigos modificados pelas Leis nº 11.690/2008 e nº 11.729/2008. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 35. COSTA, S. H. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilícitas. Revista do Processo, ano 31, v. 133, p. 87, mar. 2006. AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 53. LOPES JUNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 548.

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prova possuía a faculdade de utilizá-la no processo, respondendo pela eventual violação da norma de direito material (que poderia constituir um delito ou mesmo ilícito civil). Segundo ARANHA36 os defensores da admissibilidade da prova ilícita partem do princípio que apenas podem ser rejeitadas no processo as provas violadoras das normas instrumentais, em razão de que apenas estas dispõem de sanção de natureza especificamente processual. Dessa forma, a prova ilícita permanece processualmente válida, sendo seu valor problema de avaliação, portanto, subjetivo, punindo-se o violador do direito material com a sanção correspondente. 2.2.2 Inadmissibilidade das provas ilícitas Por outro lado, há autores que defendem a leitura literal do dispositivo do art. 5º, LVI, da CF, onde há previsão de vedação de provas ilícitas no processo. Essa corrente doutrinária não admite exceção à proibição constitucional. Essa corrente da inadmissibilidade da utilização de provas obtidas ilicitamente possui como motivação o controle da regularidade da atividade estatal persecutória, a fim de evitar a adoção de práticas ilegais por aqueles responsáveis pela sua produção (CARVALHO)37. De acordo com MENDES, COELHO E BRANCO38 essa corrente entende que o interesse de investigar a verdade coexiste com outros interesses que, em certas situações, demonstram ser de superior valor, revelando-se impedimento à busca absoluta da verdade. Nesse contexto, CARVALHO39 ressalta que a busca pela verdade real para formação do convencimento do juiz, encontra limitações constitucionais e legais, as quais buscam concretizar valores ínsitos à dignidade da pessoa humana, cuja manifestação se expressa nas inúmeras garantias dos direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal. Assim, verifica-se que são vários os autores que sustentam a inadmissibilidade das provas ilícitas, figurando a unidade do ordenamento jurídico, a ofensa à Constituição e a moralidade dos atos praticados pelo Estado como os principais fundamentos desse posicionamento (ARANHA)40. 36

ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 63. CARVALHO, W. C. As provas ilícitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 50, jun.-jul. 2009. 38 MENDES, G. F, COELHO, I. M; e BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 106. 39 CARVALHO, W. C. As provas ilícitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 47, jun.-jul. 2009. 40 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 64. 37

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Segundo COSTA41 alguns autores defendem a inadmissibilidade das provas ilícitas sob o fundamento da visão unitária do ordenamento jurídico. Dessa forma, não seria possível admitir no processo ato ilícito, seja por ofensa à norma de direito material, seja por ofensa à norma de direito processual, em razão de que isso atentaria contra o sistema como um todo. No mesmo sentido, ARANHA42 refere que o direito é um todo unitário, sendo assim, a prova ilícita afronta o direito em seu universo, razão pela qual é inadmissível no processo, ainda que ausente violação à norma instrumental. Então, o reconhecimento de um ilícito contamina todo o direito e não apenas partes separadas. Entretanto, parte da doutrina sustenta a inadmissibilidade de provas ilícitas por ofensa à Constituição. Ela parte do princípio de que toda prova ilícita ofende a carta constitucional, por ferir direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Sendo assim, a prova obtida fica fulminada pela inconstitucionalidade, não podendo prevalecer em qualquer campo do direito. Nas palavras de COSTA43: “quando uma prova é colhida infringindo-se direitos fundamentais do indivíduo, ocorre uma inconstitucionalidade, que contamina a prova e a torna absolutamente inadmissível no processo”. Por fim, existe a corrente que defende a inadmissibilidade da prova ilícita amparada no princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado. Conforme ARANHA44 o Estado de Direito tem a obrigação de combater a criminalidade, devendo utilizar-se para tanto, de atos e princípios moralmente inatacáveis. O autor adverte que em razão de militar em favor do Estado uma presunção de legalidade e moralidade de todos os atos por ele praticados, é inadmissível que seus agentes recorram a meios condenáveis. 2.2.3 Admissibilidade da prova ilícita em casos excepcionais Em que pese o Brasil tenha adotado expressamente o sistema de inadmissibilidade de prova ilícita no processo no art. 5º, inciso LVI, da CF, e art. 157, caput, do CPP, grande parte da doutrina como bem salienta CARVALHO45, posiciona-se no sentido de que a referida

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COSTA, S. H. da. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilícitas. Revista do Processo, ano 31, v. 133, p. 87, mar. 2006. 42 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 64. 43 COSTA, S. H. da. Os poderes do juiz na admissibilidade das provas ilícitas. Revista do Processo, ano 31, v. 133, p. 87, mar. 2006. 44 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 65. 45 CARVALHO, W. C. As provas ilícitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 49, jun.-jul. 2009.

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disposição, como todo e qualquer preceito fundamental, não pode ser interpretada de forma absoluta. Isto porque, deve-se possibilitar à moderna hermenêutica constitucional a ponderação da aplicabilidade do citado preceito fundamental em face de outros valores da mesma forma prestigiados pelo ordenamento. Essa ponderação de interesses constitucionais, segundo a doutrina, far-se-á por meio do princípio denominado de proporcionalidade (CARVALHO)46. Sendo assim, para essa corrente intermediária é admitida a prova ilícita, em casos excepcionais, quando, no caso visava-se tutelar valores mais relevantes do que aqueles violados na colheita da prova e também constitucionalmente protegidos. 2.2.3.1 Admissibilidade da prova ilícita pro reo É de aceitação pacífica pela doutrina e jurisprudência a aplicação do princípio da proporcionalidade para o aproveitamento da prova ilícita quando esta for para beneficiar o réu. LACHI47 exemplifica o caso de uma pessoa acusada injustamente pela prática de homicídio gravar clandestinamente uma conversa telefônica na qual uma terceira pessoa confessa a execução do referido delito. O autor refere que diante dessa prova em tese ilícita, percebe-se uma colisão de direitos fundamentais em razão de que a prova ao mesmo tempo em que fere a inviolabilidade das comunicações telefônicas e o direito à intimidade, está de acordo com a ampla defesa, liberdade e presunção de inocência. Dessa

forma,

RANGEL48

argumenta

que

se

utilizando

o

princípio

da

proporcionalidade, verifica-se que “a liberdade de locomoção tem um peso maior diante do sigilo das comunicações telefônicas e, portanto, é razoável que se possa quebrá-lo com o escopo de resguardar a liberdade de locomoção do réu”. Diante de uma situação como a referida, FERNANDES49 sustenta não ser possível justificar a condenação, até mesmo a pena elevada, de uma pessoa quando presente nos autos prova de sua inocência, ainda que obtida por meios ilícitos.

46 47 48 49

CARVALHO, W. C. As provas ilícitas no atual ordenamento processual brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 49, jun.-jul. 2009. LACHI, R. Exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro. Revista Jurídica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 91, nov. 2008. RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 396. FERNANDES, A. S. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 93..

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Nesse contexto, GOMES FILHO50 salienta que no confronto entre uma proibição de prova, mesmo que baseada no interesse de proteção a um direito fundamental, e o direito à prova da inocência, este segundo deve prevalecer em razão de que a liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática; bem como porque ao próprio Estado não interessa a punição de um inocente, por significar a impunidade do verdadeiro culpado. CAPEZ51 menciona que na admissibilidade da prova em favor do réu os direitos que prevalecem são aqueles que protegem o indivíduo contra o arbítrio estatal (liberdade, devido processo legal, com seu desdobramento da ampla defesa, e presunção da inocência). LOPES JUNIOR52 defende que o réu quando da obtenção (ilícita) da prova, dependendo do caso concreto, estaria acobertado pelas excludentes de legítima defesa ou do estado de necessidade. O autor sustenta, ainda, a possibilidade de invocar a tese da inexigibilidade de conduta diversa (excluindo a culpabilidade). Sendo assim, as referidas excludentes afastariam a ilicitude da conduta do réu e da própria prova, legitimando seu uso no processo. Nesse sentido, RANGEL53 mostra-se favorável à denominada teoria da exclusão da ilicitude, que defende que a conduta do acusado na obtenção da prova ilícita encontra-se amparada pelo direito (excludente de ilicitude), não sendo assim possível ser chamada de ilícita. Dessa forma, por exemplo, o réu que realiza interceptação de ligação telefônica, sem ordem judicial, com o objetivo de demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante. Sendo assim, OLIVEIRA54 defende que o aproveitamento da prova ilícita em favor da defesa constitui-se em critério objetivo de aplicação da proporcionalidade em razão de que: a) a violação de direitos na busca da prova da inocência poderá ser levada a conta do estado de necessidade, excludente de ilicitude; b) o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita constitui-se em garantia individual expressa, não podendo ser utilizado contra quem é o seu primitivo e originário titular.

50

GOMES FILHO apud ASSIS, D. C. de. Provas ilícitas no processo penal – vedação constitucional e o direito de defesa. Revista Juridica Unijus, Uberaba-MG, v. 12, n. 16, p. 180, maio 2009. 51 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 306. 52 LOPES JÚNIOR. A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, v. 1, p. 552. 53 RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 397. 54 RANGEL, P. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 330.

13

2.2.3.2 Admissibilidade da prova ilícita pro societate Em que pese ser questão pacífica na doutrina e jurisprudência a admissibilidade da prova ilícita em favor do réu, o mesmo não ocorre quando em favor da sociedade. LACHI55 sustenta a existência de colisão entre direitos fundamentais no tocante à questão do aproveitamento da prova ilícita em favor da sociedade. O autor refere que se por um lado a admissibilidade de uma prova ilícita em favor da sociedade acarretaria a restrição pelo Estado dos direitos fundamentais do réu (além da própria vedação, do devido processo legal e da presunção de inocência); por outro, a possível retirada dos autos de uma prova importante em função de ter sido obtida por meio ilícito impediria a condenação de um indivíduo que, de fato, tenha praticado o crime que lhe é imputado. E sendo assim, a hipotética absolvição nessas condições ignoraria o direito à propriedade (em alguns casos) e à segurança do restante da sociedade, contrariando o ordenamento jurídico. Neste cenário MORAES56 sustenta que as liberdades públicas não podem ser usadas como um “verdadeiro escudo protetivo” da realização de atividades ilícitas, tampouco como justificativa para a supressão da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de ferir o Estado de Direito. Com efeito, o autor argumenta que os responsáveis pela prática de atos ilícitos violadores de liberdades de terceiros e da própria sociedade, desrespeitando a dignidade da pessoa humana, não terão o direito de invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas a fim de afastarem suas responsabilidades perante o Estado. Entretanto, CAPEZ57 defende que a admissibilidade da prova ilícita em favor da sociedade está limitada à prática de tortura, que em razão de violar normas de direito natural, anteriores e superiores às próprias Constituições, jamais pode ser admitida. Com a exposição dos argumentos supra mencionados, verifica-se, portanto que a corrente que defende a admissibilidade da prova ilícita em casos excepcionais funda-se na aplicação do princípio da proporcionalidade em situações de existência de conflito entre direitos fundamentais. Sendo assim, em resumo, a regra é que a prova ilícita em favor da sociedade

55 56 57

permaneça

vedada,

mas

a

proporcionalidade

permita

sua

admissão

LACHI, R. Exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro. Revista Jurídica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 92, nov. 2008. MORAES, A. de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 100. CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 308.

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excepcionalmente, enquanto que no caso de existência de prova ilícita em favor do réu, esta deva ser admitida em regra (LACHI)58. 2.3 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO Segundo AVOLIO59 as provas ilícitas por derivação60 são aquelas que são provas lícitas, mas que por serem oriundas de informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito, não são admissíveis no processo. “É o denominado efeito expansivo da ilicitude ou prova reflexa. A prova é aparentemente lícita, mas derivou-se de uma ilicitude. Os frutos da árvore são aparentemente sadios, mas a árvore está contaminada (the fruits of the poissonous tree61)” (GIACOMOLLI)62. ARANHA63 cita como exemplo de uma prova ilícita por derivação uma busca e apreensão obtida com a devida autorização judicial, porém gerada por uma escuta telefônica ilegalmente realizada. A busca e apreensão autorizada seria uma prova lícita, porém em razão de ser fruto de informações obtidas por meio de uma prova ilícita (interceptação telefônica ilegal), esta viciou a primeira prova revestindo-a de ilicitude. BONFIM64 menciona que a referida doutrina sustenta-se em um argumento relacional, isto é, para que uma determinada prova seja enquadrada como fruto de uma árvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexão entre ambos os extremos da cadeia lógica; sendo assim, necessita-se esclarecer quando a primeira ilegalidade é condição sine qua non e motor da obtenção das provas derivadas, que não teriam sido obtidas caso inexistisse a citada ilegalidade originária. Com a promulgação da Lei 11.690/08, a teoria dos frutos da árvore envenenada passou a integrar o ordenamento jurídico de forma expressa. Conforme a redação do art. 157 §1º do CPP: “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não 58

LACHI, R. Exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro. Revista Jurídica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 96, nov. 2008. 59 AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 114. 60 A Constituição Federal deixou em aberto a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação. 61 Segundo ASSIS a teoria do fruits of the poisonous tree ou “Frutos da árvore envenenada” diz respeito ao conjunto de regras jurisprudenciais nascidas na Suprema Corte norte-americana; sendo adotada com o objetivo de reafirmar os fundamentos éticos e dissuasivos da ilegalidade estatal em que se baseia. (ASSIS, D. C. de. Provas ilícitas no processo penal – vedação constitucional e o direito de defesa. Revista Jurídica Unijus, Uberaba-MG, v. 12, n. 16, p. 176, maio 2009). 62 GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 39. 63 ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 68. 64 BOMFIM, E. M. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 313.

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evidenciado o nexo de causalidade de umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. Com o referido dispositivo percebe-se que nem todas as provas derivadas das ilícitas são inadmissíveis no sistema jurídico brasileiro. Segundo GIACOMOLLI65 em duas hipóteses são admissíveis as provas derivadas das ilícitas: a) inexistência da conexão entre a ilicitude e a licitude (independent source) e, derivadas desta regra geral; e b) reconhecimento da descoberta inevitável da prova (inevitable Discovery ou a hipothetical independent source rule). No que tange a exceção de inexistência de conexão, ela ocorrerá quando ficar demonstrada a inexistência de relação de causalidade entre a prova lícita e ilícita, ou seja, a ilicitude da prova restaria afastada caso haja a comprovação de que a prova não decorre da prova ilícita originária, mas sim de fonte independente (CARVALHO)66. Esta é a exceção então prevista no §1º do art. 157 do CPP. Com relação à exceção da descoberta inevitável, segundo CARVALHO67 esta deverá ser aplicável quando ficar demonstrado que a prova seria produzida de qualquer forma, independentemente da prova ilícita originária. Sendo assim, a indesejável contaminação da prova ilícita originária será afastada toda vez que os próprios trâmites da investigação ou da instrução criminal forem capazes de conduzir ao fato, objeto da prova, por meio legítimo, independentemente daquele outro viciado. Alguns doutrinadores defendem que essa hipótese foi a disciplinada pelo §2º do art. 157 do CPP, embora o legislador tenha demonstrado a sua pretensão de descrever a fonte independente68. GIACOMOLLI69

destaca

as

distinções

acerca

das

referidas

exceções

da

inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas:

Na realidade, quando se afasta o nexo causal, se está falando de fonte independente, de uma origem lícita e diferenciada, mas quando se fala em descoberta inevitável, se está mantendo a derivação, a ilicitude anterior contaminante da prova. Esta é admitida pelo CPP porque, através de outros meios lícitos, se chegaria ao mesmo resultado, de forma inevitável. Então, quando se fala em descoberta inevitável, não há prova produzida por fonte independente, mas a ela seria possível chegar, hipoteticamente, através da fonte independente (curso causal hipotético). 65

GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 41. CARVALHO, W.C. de. As provas ilícitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 51, jun./.jul. 2009. 67 CARVALHO, W.C. de. As provas ilícitas no atual ordenamento processual penal brasileiro. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 6/7, p. 51, jun./.jul. 2009. 68 Art. 157 §2º do CPP: “Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.” 69 GIACOMOLLI, N.J. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 46. 66

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LACHI70 tece críticas a respeito da abrangência das referidas exceções legais, argumentando que poderia “esvaziar uma garantia constitucional, que é a vedação da utilização da prova ilícita”. O autor refere a dificuldade de se imaginar situações em que se possa descartar até as mais remotas possibilidades de a autoridade policial descobrir a prova por meio de suas atividades investigativas; sendo assim, subsiste o risco de praticamente toda prova possa ser considerada descoberta inevitável e excepcione a vedação. 3 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

3.1 CONCEITO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Segundo CAPEZ71 interceptação provém de interceptar – intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete a toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores. Sendo assim, no aspecto jurídico PRADO72 refere que a interceptação é “o ato de interferir nas comunicações telefônicas, de modo a impedi-las ou de forma a ter acesso ao seu conteúdo”. Segundo AVOLIO73 o que se mostra essencial para a noção de interceptação é o fato de a operação telefônica ter sido efetuada por uma pessoa estranha à conversa, e que esse terceiro estivesse investido do intuito de tomar conhecimento de circunstâncias, que, de outra forma, lhe permaneceriam desconhecidas. Desta forma, a interceptação telefônica em sentido estrito é a captação de conversa telefônica por um terceiro sem conhecimento dos interlocutores. GRINOVER74 et. al. acrescenta que é aquela que se efetiva pelo “grampeamento”, isto é, pelo ato de “interferir numa central telefônica, nas ligações da linha do telefone que se quer controlar, a fim de ouvir e/ou gravar conversações”.

70 71 72 73 74

LACHI, R. Exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro. Revista Jurídica Unigran, Dourados, MS, v. 11, n. 22, p. 89, nov. 2008. CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 315. PRADO, L. C. Provas ilícitas: teoria e a interpretação dos tribunais superiores. São Paulo: Impetus, 2009, p. 23. AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 118. GRINOVER, A. P et. al. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 207.

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3.2 DIFERENÇAS ENTRE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, GRAVAÇÃO CLANDESTINA E ESCUTA TELEFÔNICA Distinções entre intercepção telefônica, gravação clandestina e escuta telefônica são importantes para a determinação da aplicação da Lei 9.296/96; bem como para o fim de incidência do tipo penal previsto no art. 10 do referido diploma, que incidirá no caso de interceptação telefônica75. Segundo GOMES e CERVINI76 existem três tipos de gravação telefônica: a) a interceptação telefônica, em que a gravação da conversa entre os interlocutores concretiza-se sem o conhecimento dos mesmos - é a denominada interceptação telefônica em sentido estrito; b) gravação clandestina, quando um dos interlocutores realiza a gravação da conversa, sem conhecimento do outro e; c) escuta telefônica77, em que terceiro realiza a captação da conversa com a anuência de um dos interlocutores. AVOLIO78 apresenta os conceitos de interceptação ambiental, escuta ambiental e gravação ambiental: a) interceptação ambiental ou interceptação entre presentes é a captação sub-reptícia da conversa entre presentes, realizada por terceiro, no ambiente em que se encontram os interlocutores, com o desconhecimento destes; b) escuta ambiental é quando a interceptação de conversa entre presentes, por terceiro, efetiva-se com o conhecimento de um dos interlocutores; e c) a gravação ambiental consiste no registro da conversa entre presentes por um dos participantes, com o desconhecimento do outro. 3.3 NATUREZA JURÍDICA DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Segundo GRINOVER et. al., o provimento judicial que autoriza a execução das interceptações telefônicas tem natureza cautelar, tendo por objetivo assegurar as provas por meio da fixação dos fatos da forma como se apresentam no momento da conversa. Conforme

75

Art. 10 da Lei 9.296. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. 76 GOMES, L. F; CERVINI, R. Interceptação telefônica. São Paulo: RT, 1997, p. 65. 77 A escuta telefônica é chamada pela doutrina de interceptação telefônica lato sensu, pois em que pese um dos interlocutores tenha conhecimento da conversa, é realizada por terceiro. 78 AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 122.

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nomenclatura utilizada por MENDES79, a interceptação é medida cautelar preparatória quando realizada na fase policial, e incidental quando realizada na Justiça durante instrução. AVOLIO80 acrescenta que a medida cautelar visa evitar a modificação da situação existente ao tempo do crime durante a tramitação do processo principal. A tutela cautelar torna-se necessária diante da impossibilidade de se fazer com rapidez e segurança jurídica o processo de conhecimento condenatório. Diante do mencionado, verifica-se que a natureza acauteladora da interceptação telefônica reclama o desconhecimento por parte do seu sujeito passivo, sob pena de frustrar o sucesso da efetivação da medida. Conforme lição de MENDES81:

O deferimento da medida é inaudita altera pars, não tendo o investigado conhecimento de que sua conversa está sendo captada, mas, ao se concluírem as diligências, será levantado o sigilo, podendo o investigado valer-se de habeas corpus para impugnar a medida se tiver havido nulidade. Entende Gomes que se o pedido for indeferido o Ministério Público pode ingressar com mandado de segurança. (grifo do autor)

Ensina GRINOVER82 et. al. que para a concessão da interceptação telefônica exige-se a presença dos dois requisitos que justificam as medidas cautelares: o fumus boni juris e o periculum in mora. A apreciação acerca da existência do primeiro requisito pelo juiz é questão complexa, em razão de que o mesmo deve dispor de elementos seguros da existência de crime, de extrema gravidade, capazes de justificar o sacrifício da privacy. No que tange ao segundo requisito, deve ser analisado o risco ou prejuízo que a não concessão da medida cautelar possa resultar para investigação ou instrução processual (AVOLIO)83. Para ser caracterizada a existência de fumus boni iuris (aparência de bom direito) no processo penal, se faz necessária a concorrência de duas exigências: a probabilidade de autoria ou participação numa infração penal-relacionada ao agente; e 2) a probabilidade de

79 80 81 82 83

MENDES, M. G. de. Direito à intimidade e interceptações telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p.178. AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.120. MENDES, M. G. de. Direito à intimidade e interceptações telefônicas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 182. GRINOVER, A. P et. al. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.209. AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.120.

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existência de uma infração penal-relacionada à infração propriamente dita, à sua materialidade (GOMES e CERVINI)84. 3.4 REQUISITOS PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA A Lei 9.296/96 não define as hipóteses de cabimento da interceptação telefônica, mas os casos em que é excluída a possibilidade de decretação da medida85, tratando-se assim de requisitos negativos. BADARÓ86 defende que se a regra é a liberdade de comunicação, o legislador deveria ter previsto estrita e expressamente as hipóteses em que seria cabível o afastamento do sigilo telefônico, a fim de evitar que, fora o campo de exclusão, em todas as demais hipóteses seja cabível a interpretação, com um alargamento da exceção. Neste contexto, CAPEZ87 destaca os principais requisitos legais para o deferimento da interceptação telefônica são: a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal; b) Indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; c) Que a infração penal seja crime punido com reclusão; d) Que não exista outro meio de se produzir a prova; e) Que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processo criminal. a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal88 Segundo CAPEZ89 apenas o juiz competente para o julgamento da ação principal poderá determinar o afastamento do sigilo telefônico, excluindo assim, o Promotor de Justiça e o Delegado de Polícia. Conforme STRECK90 juiz competente significa que, na hipótese de o investigado ter prerrogativa de foro, a autorização da interceptação telefônica apenas pode ser concedida pelo seu juiz natural. O autor exemplifica que no caso do investigado ser juiz, apenas o Presidente do Tribunal é que pode autorizar a medida cautelar, ocorrendo a mesma situação nos casos de membros do Ministério Público e deputados federais; já na hipótese de ser o investigado 84

GOMES, L. F.; CERVINI, R. Interceptação telefônica. São Paulo: RT, 1997, p.67. Art. 2º da Lei 9.296/96. 86 BADARÓ, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.287. 87 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.321. 88 Art. 1º da Lei 9.296/96: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”. 89 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.321. 90 STRECK, L. L. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.42. 85

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governador de Estado, quem pode autorizar a interceptação telefônica é o Presidente do Superior Tribunal de Justiça. MENDES, COELHO e BRANCO91 sustentam que a verificação a posteriori de que se trata de crime para o qual o juiz seria incompetente, não deve ensejar a nulidade da prova colhida, em razão de que sendo o procedimento cautelar, basta que exista, ab initio, o fumus boni iuris. b) Indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal GOMES e CERVINI92 afirmam que a medida cautelar será executada quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal93, ressaltando a inadmissibilidade pela lei de medida de prospecção- se “determinada pessoa estaria ou não envolvida em algum crime”- tampouco de medida que se possa solicitar na fase pré-delitual, ou seja, preventiva. Os autores sustentam a necessidade da existência concretamente de um fato que vá além de mera suspeita. c) Que a infração penal seja crime punido com reclusão94 O afastamento de sigilo telefônico será admissível apenas quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão, excluindo assim os crimes punidos com detenção e as contravenções penais (CAPEZ)95. CAPEZ96 critica a extensão do critério legal, sustentando que ao elencar genericamente todas as infrações penais apenas com reclusão como objeto da interceptação estendeu demasiadamente o rol dos crimes passíveis de serem investigados por meio do afastamento do sigilo telefônico, crimes que muitas vezes, não apresentam maior gravidade, não justificando o sacrifício de um direito fundamental como o sigilo das comunicações telefônicas. 91

MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 694. 92 GOMES, L. F.; CERVINI, R. Interceptação telefônica. São Paulo: RT, 1997, p.54. 93 Art. 2º, I, da Lei 9.296. Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I-Não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; 94 Art. 2º, III, da Lei 9.296/96: Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: [...] III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. 95 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.323. 96 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.323.

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CAPEZ97 defende neste caso a necessidade de incidência da proporcionalidade dos bens jurídicos envolvidos, afastando o sacrifício do sigilo telefônico em prol de um bem de menor valor. Por outro lado, BADARÓ98 ressalta que o critério legal é restrito demais ao considerar apenas a gravidade do crime, argumentando que há infrações penais que embora não sejam graves, em função de particularidades da forma de seu conhecimento, apenas podem ser apuradas por meio de interceptação telefônica, como por exemplo, o crime de ameaça. Entretanto, NUCCI99 afirma que a jurisprudência tem admitido que as infrações apenadas com detenção comportem interceptação telefônica desde que sejam conexas aos crimes cuja pena seja de reclusão. d) Que não exista outro meio de se produzir a prova100 Conforme BADARÓ101 para que possa ser autorizada a interceptação telefônica deve haver a demonstração da impossibilidade de que a investigação seja feita por diferentes meios disponíveis como, por exemplo, a busca e apreensão, o reconhecimento pessoal, as provas testemunhais. É necessária a indicação concreta de que a reconstrução dos fatos é impossível sem a interceptação telefônica. No mesmo sentido, FERNANDES102 ressalta que só será admitida a interceptação telefônica se este for o único meio capaz de evidenciar a autoria e a materialidade do crime, sob pena de não ser colhido importante elemento de prova. e) Que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processo criminal Segundo CAPEZ103 não se admite o afastamento do sigilo telefônico com a finalidade de instruir processo cível, como por exemplo, em ação de separação por adultério, em que é comum detetives “grampeando” o telefone do cônjuge suspeito, já que a autorização só é cabível em matéria criminal. 97

CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.323. BADARÓ, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.288. 99 NUCCI, G.de S. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 100 Art. 2°, II, da Lei 9.296/96: Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: [...] II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; 101 BADARÓ, G. H. R. I. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.287. 102 FERNANDES, A. S. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 107. 103 CAPEZ, F. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 323. 98

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Sendo assim, a interceptação telefônica só é possível no âmbito penal, conforme previsão do art. 1º da Lei 9.296/96, nos casos de investigação criminal e instrução processual. ARANHA104 refere que para a validade do procedimento de interceptação telefônica, há necessidade da observância também dos seguintes aspectos previstos na Lei 9.296/96: a) O pedido deverá ser formulado pela autoridade policial ou representante do Ministério Público, fundamentado com descrição sobre o que incidirá a investigação e por que se deduz sobre a autoria; b) O pedido fundamentado deverá ser acompanhado dos meios investigatórios a serem utilizados; c) Formulado o pedido, com ou sem manifestação do Ministério Público, o juiz decidirá também fundamentadamente; d) O prazo da diligência é de 15 dias, com possibilidade de renovação por igual período, caso seja comprovada a necessidade; e) A interceptação deve ser gravada e uma vez feita será procedida a transcrição, conhecida como degravação. Se necessária, a prova pericial poderá examinar e concluir sobre a autenticidade ou não da voz, por meios técnicos. f) Realizada a diligência a autoridade requerente e autorizada fará um auto com resumo do que foi obtido, remetendo ao juízo a fita com a gravação que interesse e sua respectiva transcrição; g) Em juízo será determinado o apensamento aos autos, com a determinação de serem destruídas as partes que não forem de interesse ao processo. Em síntese, portanto, verifica-se que para ser válido o procedimento de interceptações telefônicas e conseqüentemente para que a prova possa ser admitida no processo, devem ser observados os referidos requisitos constantes da Lei 9.296/96. 4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

4.1 INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A POSIÇÃO DO STJ 1. Decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas corpus 143.697-PR (paciente Osni Muccelin Arruda), publicada em 13/10/09,

104

ARANHA, A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 288.

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tendo por Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em que era impugnado acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No Habeas corpus em questão, o paciente denunciado pela prática de supostos crimes de descaminho, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, pugnou pela total exclusão do processo de provas fruto de interceptações telefônicas. Não obstante o reconhecimento da ilicitude das referidas provas pelo Tribunal a quo (autoridade coatora), estas não foram desentranhadas dos autos do processo penal, sob o fundamento de que os efeitos da ilicitude deveriam ser dosados na pertinente sentença e apelação amparado no princípio da razoabilidade. No acórdão impugnado foi reconhecida a invalidade da interceptação telefônica como meio de prova, visto que ausente a justificativa relativa à indispensabilidade da medida que sofreu prorrogação por quase um ano (16 decisões), acarretando a violação do disposto no art. 5º da Lei 9.296/96. Isto porque, a própria autoridade policial reconheceu em seus relatórios que alguns dos números não tiveram maiores relações com o delito em questão, bem como em razão de que o referido Tribunal não reconheceu fundamentação genérica do juiz de 1º grau ao longo das prorrogações em que apenas remeteu-se aos mesmos fundamentos no momento da primeira autorização da execução da medida. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma vez reconhecida a ilicitude da interceptação telefônica como meio de prova, o resultado desta deve ser desconsiderado pelo Juízo e desentranhado do processo, visto não ser admitido no processo a utilização de provas obtidas por meios ilícitos para embasar a persecução penal ou eventual condenação. Diante disso, o Superior Tribunal concedeu a ordem para determinar a exclusão do processo das provas ilícitas, com desentranhamento dos autos. O critério de decisão utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça no caso em tela foi o de proteção do princípio da vedação das provas ilícitas no processo penal, garantido pela Constituição Federal no seu art. 5º, LVI. Sendo assim, o referido tribunal aplicou a determinação legal prevista no art. 157 do CPP de desentranhamento do processo das provas obtidas por meios ilícitos. A solução do Tribunal Superior mostra-se adequada, visto que a decisão da autoridade impetrada de reconhecimento de prova ilícita no processo é inócua se desacompanhada do desentranhamento da prova dos autos.

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2. Decisão proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Habeas corpus 20.472-DF (paciente Hermes Batista Tosta), publicada em 9/11/09, tendo por Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em que era impugnado acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. No Recurso em habeas corpus em análise, o recorrente denunciado pela prática de eventuais crimes previstos nos arts. 12 e 14 da Lei 6.368/76105 pleiteou a anulação de ação penal no Superior Tribunal de Justiça, sustentando que o recorrido no momento de apreciação de habeas corpus não apurou a violação da garantia da ampla defesa supostamente sofrida em virtude de ausência de juntada aos autos de degravação anteriormente à audiência de instrução, circunstância que acarretou a denegação da ordem. No acórdão impugnado o Tribunal de Justiça do Distrito Federal não reconheceu o sofrimento por parte do ora recorrente de violação de seu direito ao contraditório, tampouco cerceamento de defesa, em razão de que foi constada nos autos a presença dos CDs oriundos das interceptações telefônicas efetuadas, os quais foram disponibilizados à Defesa dois dias antes da audiência de instrução. Sendo assim, o referido Tribunal decidiu no sentido de que a ausência da juntada das degravações das interceptações telefônicas efetuadas não acarretou prejuízo à Defesa do recorrente. O Superior Tribunal de Justiça decidiu no mesmo sentido do recorrido, que no caso concreto não foi detectado prejuízo para o réu, já que em que pese o juízo de primeiro grau não tenha acolhido o pleito de degravação das conversas captadas em interceptações telefônicas, houve a disponibilização da mídia com as referidas gravações, não restando configurada a agressão ao direito à ampla defesa. O critério de decisão utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça neste caso foi o da ausência de prejuízo ao réu. Por este princípio não há nulidade se não houver prejuízo à parte conforme dispõe o art. 563 do CPP106. 3. Decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas corpus 128.087-SP (paciente Luiz Augusto de Medeiros Monteiro de Barros e outros), publicada em 14/12/09, tendo por Relator o Ministro Jorge Mussi, em que era impugnado acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 105 106

Revogada pela Lei 11.343/06 (Lei dos tóxicos). Redação do art. 563 do CPP: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou defesa”.

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No Habeas corpus em questão, os investigados pela prática de supostos crimes de apropriação indébita e sonegação fiscal, pugnaram pelo reconhecimento da ilegalidade da autorização judicial que deu origem ao procedimento de interceptações telefônicas em sede de inquérito policial, sustentando a inexistência de indícios acerca da autoria ou participação em infração penal, bem como de demonstração de inviabilidade de produção da prova por outros meios que não o do afastamento do sigilo telefônico. No acórdão impugnado o Tribunal Regional Federal da 3ª Região denegou a ordem de habeas corpus, argumentando que a autorização das interceptações telefônicas apresentava fundamentação e estava amparada em elementos de prova colhidos no âmbito administrativo. Além disso, mencionou que no processo administrativo-fiscal houve lançamento de crédito, havendo indícios de extensa atividade ilícita de sonegação fiscal e dissimulação pela distribuição da gerência a terceiros não beneficiados pelo ilícito. O Superior Tribunal de Justiça decidiu pelo reconhecimento da ilicitude das interceptações telefônicas, em virtude de que não foram respeitados os requisitos para a autorização das interceptações telefônicas. Consta nos autos que a representação policial pela execução da medida não foi instruída com um mínimo de indícios capazes de atribuir a autoria de tais fatos às pessoas detentoras dos terminais telefônicos objeto das interceptações. Isto porque poderiam ter sido colhidos depoimentos dos sócios da empresa investigada antes da autorização judicial em questão, ato que inúmeras vezes foi postergado, tendo sido realizado apenas posteriormente ao deferimento da medida cautelar. Além disso, a decisão judicial deixou de apontar as atividades exercidas na empresa investigada pelas pessoas que tiveram seus sigilos telefônicos flexibilizados. Outrossim, o Superior Tribunal reconheceu a ilegalidade do afastamento de sigilo telefônico para a colheita de provas visando a apuração de eventual crime de sonegação fiscal, em razão de que é jurisprudência consolidada naquela Corte a vedação de qualquer procedimento investigatório do referido crime, sem que tenha havido a constituição do crédito tributário supostamente sonegado. O critério de decisão utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça no presente caso foi o critério legal de inadmissão do procedimento de interceptação telefônica quando não for demonstrada a existência de indícios de autoria em infração penal, assim como a imprescindibilidade a justificar a medida. Dessa forma, verifica-se a constatação de violação aos requisitos necessários para a autorização da medida cautelar, previstos no art. 2º, incisos I e II da Lei 9.296/96.

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4. Decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas corpus 138.933 - MS (paciente Márcio Kanomata), publicada em 21/08/06, tendo por Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em que era impugnado acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. No presente Habeas corpus substitutivo, o paciente acusado pela prática de supostos crimes de contrabando, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, pleiteou a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade de prova decorrente de procedimento de interceptações telefônicas, sob o fundamento de que a autorização das mesmas se deu pelo prazo de 30 dias, diferentemente do previsto em Lei, em que é mencionado que a medida não pode exceder 15 dias, renovável por igual período. Sustentou ainda, a ausência de fundamentação da decisão que autorizou a cautelar, razão pela qual busca o desentranhamento dos autos das referidas provas. No acórdão impugnado o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu a impossibilidade do juízo de inovar em matéria legislativa, privativa do Congresso Nacional, ao deferir o monitoramento telefônico por 30 dias, quando a lei prevê um prazo de 15 dias, prorrogável por igual período. Contudo, ressaltou que a convicção do magistrado a respeito do envolvimento dos investigados somada a extrema complexidade da organização criminosa são argumentos aptos a justificar, neste caso excepcional, a fixação de prazo de interceptação telefônica superior ao patamar legal. O Superior Tribunal de Justiça não reconheceu a nulidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica pelo prazo de 30 dias consecutivos, sustentando que as circunstâncias do caso concreto, tais como a quantidade de pessoas envolvidas e complexidade da organização criminosa justificam o deferimento do referido prazo inicial, assim como sua prorrogação. Da mesma forma afastou a ausência de fundamentação para o deferimento da medida cautelar. O critério de decisão utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça neste caso foi o princípio da proporcionalidade. Como se observa em que pese tenha havido clara violação ao dispositivo do art. 5º da Lei 9.296/96, que prevê a não possibilidade de a autorização de monitoramento telefônico por prazo que não exceda 15 dias, renovável por igual período se comprovada a necessidade, o Superior Tribunal ponderou como valor superior à defesa da Lei, a gravidade do delito.

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4.2 INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A POSIÇÃO DO STF 1. Decisão proferida pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas corpus 87859-8-DF (paciente Cláudio Alves Ribeiro), publicada em 14/09/07, tendo por Relator o Ministro Marco Aurélio, em que era impugnado acórdão do Superior Tribunal de Justiça. No Habeas corpus em questão, o réu denunciado pela prática de crime de tráfico de entorpecentes, pugnou pelo reconhecimento da ilicitude de interceptações telefônicas, sustentando a contaminação do processo, em função de que o resultado da interceptação telefônica foi encaminhado ao Ministério Público, quando deveria ter sido remetido ao juízo. Acrescentou ainda que o referido resultado não estava acompanhado de auto circunstanciado, sendo que o laudo elaborado mostrou-se deficiente, dele não constando referência às datas em que procedidas as interceptações telefônicas. No acórdão impugnado o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o fato das degravações e as fitas obtidas por meio de interceptações telefônicas terem sido encaminhadas ao Ministério Público e não ao juízo, configura mera irregularidade, a qual se mostrou sanada no momento em que o parquet reconhecendo a incorreção encaminhou o referido material ao juízo. Além disso, pronunciou-se no sentido que é o auto circunstanciado não é elemento essencial para a validade da prova, sendo incapaz de macular a interceptação telefônica. Por fim, ressaltou que restou operada a preclusão quanto à validade do procedimento, em razão de que a Defesa mostrou-se inerte ao longo do processo. O Superior Tribunal de Federal posicionou-se no sentido de que o auto circunstanciado é elemento essencial à validade da medida cautelar, conforme previsto no § 2º do art. 6º da Lei 9.296/96. Por fim, não reconheceu a nulidade do procedimento de interceptações telefônicas, amparado no argumento de que possível vício não restou apontado pela Defesa na oportunidade própria, ou seja, foi configurada preclusão conforme dispõe o art. 572 do CPP. O critério de decisão utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso concreto foi o princípio da convalidação, em razão da Defesa não ter impugnado em nenhum momento ao longo do processo a validade do procedimento das interceptações telefônicas. Ou seja, a ausência de argüição de nulidade relativa em tempo oportuno, sana o vício processual.

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2. Decisão proferida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 85.575-0-SP (recorrente Jorge Luiz Bezerra da Silva), publicada em 16/03/07, tendo por Relator o Ministro Joaquim Barbosa, em que era impugnado acórdão do Superior Tribunal de Justiça. No Recurso ordinário em habeas corpus, o réu denunciado pela prática de formação de quadrilha, pleiteou o reconhecimento da ilegalidade e invalidade das interceptações telefônicas, alegando que o prazo de monitoramento ultrapassou 30 dias, excedendo, portanto, o prazo disposto no art. 5º da lei 9.296/96. No acórdão impugnado o Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem, pronunciando-se no sentido de que as interceptações telefônicas, autorizadas judicialmente, perduraram por período necessário à elucidação dos fatos delituosos, revestidos de complexidade e envolvendo organização criminosa, razão pela qual sustentou a não ocorrência de violação à Lei 9.296/96. O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que estando as prorrogações de interceptação telefônica devidamente fundamentadas pelo juiz, não há obstáculo para a renovação, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. O Relator do recurso ressaltou que a restrição do prazo em 30 dias em decisão judicial, comprometeria a eficácia da medida cautelar, visto que o caso concreto envolvia organização criminosa complexa formada por magistrados e policiais federais. O critério de decisão utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso em tela foi o princípio da proporcionalidade. Como se percebe o referido tribunal pondera a necessidade de apuração de ilícitos de grande complexidade como valor superior à limitação legal da prorrogação, tendo por base a finalidade da Lei. 3. Decisão proferida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 83.859-6-SP (recorrente Heitor Borges da Silva Filho), publicada em 30/04/04, tendo por Relatora a Ministra Ellen Gracie, em que era impugnado acórdão do Superior Tribunal de Justiça. No Recurso ordinário em habeas corpus em questão, o réu denunciado pela prática de tráfico de entorpecentes, pleiteou o reconhecimento da ilicitude das interceptações telefônicas, argumentando que as decisões que autorizaram a medida cautelar careceriam de fundamentação.

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No acórdão impugnado foi afastada a alegação de ausência de fundamentação das decisões que deferiram os pedidos de interceptação telefônica. O Supremo Tribunal Federal negou provimento ao recurso, sustentando que o pedido de interceptação telefônica realizado no caso concreto estava fundamentado, razão pela qual se conclui que o deferimento da solicitação pelo juiz significa que ele, implicitamente, endossou a fundamentação da autoridade policial. O critério de decisão utilizado pelo Supremo Tribunal Federal neste caso foi o da observância ao princípio da motivação das decisões judiciais. O referido tribunal concluiu que a motivação se fez presente nas decisões judiciais que autorizaram as interceptações telefônicas, por meio do entendimento de que se a autoridade judicial aceitou o pedido motivado, o acolheu pelos seus próprios fundamentos. Dessa forma não sendo constatada a violação ao art. 5º da Lei 9.296/96 e ao art. 93, IX, da Constituição Federal. 4. Decisão proferida pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas corpus 92.488-3-RJ (recorrente Ricardo Dantas Valente), publicada em 12/12/08, tendo por Relator o Ministro Marco Aurélio, em que era impugnado acórdão do Superior Tribunal de Justiça. No Recurso ordinário em habeas corpus, o réu denunciado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes, pleiteou o reconhecimento da nulidade do processo, em razão do juízo ter indeferido a perícia e a análise comparativa de voz em trechos de degravações não reconhecidos por ele, os quais teriam servido de fundamento para a sentença condenatória, visto que não foi determinado judicialmente o desentranhamento do respectivo áudio dos autos. O recorrente frisa que o indeferimento da citada diligência requerida pela defesa violou o princípio do devido processo legal, da não culpabilidade, do contraditório e da ampla defesa. No acórdão impugnado o Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem de habeas corpus, pronunciando-se no sentido de que embora o juízo tenha indeferido a perícia de voz requerida pelo réu, consignou expressamente que os diálogos, cuja autenticidade foi impugnada pelo réu, não seriam utilizados isoladamente como prova na ação penal, não subsistindo constrangimento ilegal e prejuízo ao réu. O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que o juiz ao indeferir a diligência relativa à realização da prova pericial, registrou na sentença proferida, que os trechos resultantes da interceptação telefônica cuja autoria foi negada pela defesa seriam desconsiderados para o fim de fundamentação da condenação. O relator do recurso ressaltou

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que consta nos autos que o convencimento do magistrado sobre a culpabilidade do réu estava amparado na confissão do mesmo em sede policial, bem como em depoimentos colhidos em juízo, tendo sido desconsiderados os trechos da interceptação telefônica impugnados. O critério de decisão utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso em questão foi a inexistência de cerceamento de defesa, em função de ter sido concluído que o decreto condenatório não estava amparado em trechos de conversas telefônicas impugnadas pela Defesa aos quais se buscaram a prova pericial, denegada pelo juízo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A interceptação telefônica tem sido objeto de diversas pesquisas e discussões no mundo jurídico, em função de sua importância significativa enquanto instrumento de investigação criminal e meio de prova cada vez mais utilizado no processo penal brasileiro; bem como por constituir-se poderoso mecanismo de ingerência no direito à intimidade dos indivíduos, direito fundamental assegurado constitucionalmente. A interceptação telefônica está disciplinada pela Lei 9.296/96, a qual regulamentou o art. 5º, XII, da Constitucional Federal Brasileira, dispositivo que admite a exceção à quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mediante autorização judicial, nos casos de investigação e instrução processual. Na prática forense, depara-se com diversos excessos e irregularidades nos procedimentos de interceptações telefônicas, dos quais seu resultado demanda um exame pormenorizado de admissibilidade como meio de prova no processo penal pelos juízes e tribunais, visto que nossa Carta Constitucional prevê, em seu art. 5º, LVI, a vedação do uso de provas obtidas ilicitamente. Nesse contexto, o presente trabalho realizou uma análise dos critérios preponderantes utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal em seus acórdãos para decidir sobre a (in) validade da interceptação telefônica como meio de prova no processo penal. Para tanto, foram selecionados oito julgados dos referidos tribunais, em razão da importância que os mesmos apresentam no sistema jurídico brasileiro, como últimas instâncias competentes para dizer o Direito, pela autoridade de seus argumentos. O estudo do direito à prova no processo penal, das provas proibidas e da interceptação telefônica foi muito importante como embasamento teórico para a realização das análises das decisões propostas neste trabalho. Isto porque o direito à prova assegura às partes a

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possibilidade de utilização, em regra, de qualquer meio de prova, inclusive a interceptação telefônica. Contudo, esta deve respeitar o procedimento disposto na Lei 9.296/96, sob pena de ser considerada prova ilícita por violação às normas legais ou constitucionais e inadmitida no processo.

Entretanto,

diante

de

alguma

ilegalidade

no

referido

procedimento,

excepcionalmente, a interceptação telefônica poderá ser admitida no processo, quando for para beneficiar o réu. Neste caso será aplicado o princípio da proporcionalidade, em que sopesando os bens jurídicos, o direito à liberdade por ser o de maior valor será garantido em detrimento do direito à intimidade. A análise dos oito julgados não propicia que se façam generalizações dos resultados do trabalho. Contudo, é possível concluir que os critérios mais aplicados pelos Tribunais Superiores para decidir acerca da (in) validade da prova de interceptação telefônica foram: o princípio da vedação das provas ilícitas no processo penal, ausência de prejuízo ao réu, critério legal de inadmissão do procedimento de interceptação telefônica quando não demonstrada a existência de indícios de autoria em infração penal, assim como imprescindibilidade da medida cautelar, princípio da proporcionalidade, princípio da convalidação, princípio da motivação das decisões judiciais e princípio da inexistência de cerceamento de defesa. O princípio da proporcionalidade foi o critério mais utilizado pelos tribunais. Observou-se no exame do HC 138.933-MS, em que STJ não reconheceu a nulidade da decisão que autorizou a medida cautelar por prazo inicial de 30 dias; e no exame do HC 87859-8-DF, em que STF tampouco reconheceu a ilicitude das decisões que prorrogavam a medida por prazo superior a 30 dias, uma flexibilização relativa à regra constante no art. 5º da Lei 9.296/96. Ambos os tribunais reconheceram que não obstante o prazo de execução da medida seja de 15 dias, renovável por igual período, quando comprovada a sua indispensabilidade; as circunstâncias do caso concreto como complexidade dos delitos e organizações criminosas envolvidas devem prevalecer sobre a formalidade legal, sob pena de frustrar a própria finalidade da Lei, a investigação criminal. Os critérios de proteção ao princípio da vedação das provas ilícitas e de proteção à Lei também foram identificados nos julgados. No HC 143.697-PR foi confirmada a invalidade das provas de interceptação telefônica, e determinado o desentranhamento das mesmas, negado pela autoridade coatora, sob o argumento de que deveriam os efeitos da ilicitude ser dosados na sentença. O STJ assim procedendo preservou o princípio constitucional da vedação de provas ilícitas no processo, posicionamento distinto faria com que o referido

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reconhecimento se tornasse inócuo, em razão de que não seria possível garantir a isenção do juiz, caso as provas permanecessem nos autos. No HC 128.087-SP foi garantida a proteção à lei com o reconhecimento da inadmissão de procedimento que desrespeitou dois requisitos da interceptação: existência de indícios de autoria e imprescindibilidade a justificar a medida. Nestes casos, portanto, percebe-se que foram preservadas as garantias fundamentais dos indivíduos contra arbitrariedades do Estado. Outros critérios que figuraram nas análises foram os princípios da ausência de prejuízo e o da inexistência de cerceamento de defesa. No HC 20.472-DF não foi reconhecida a violação ao direito do contraditório e da ampla defesa que supostamente o réu teria sofrido com a ausência de juntada aos autos de degravação das interceptações telefônicas, anteriormente à audiência de instrução, pois foi constatada a disponibilização pelo juízo dos respectivos áudios, dois dias antes da referida audiência, não subsistindo prejuízo a Defesa. Entretanto, parece difícil definir se os dois dias de disponibilização de mídias antes de audiência foi tempo razoável para garantia da defesa. Da mesma forma, o STF no HC 92.4883-RJ afastou a alegação de cerceamento de defesa supostamente sofrido, em razão de o juiz ter indeferido diligência relativa à prova pericial, solicitada pela Defesa, devido a presença nos autos de trechos da interceptação cuja autenticidade da voz foi negada pelo réu, com fundamento no fato do decreto condenatório estar amparado em outras provas que não às relativas ao referido trecho impugnado. No HC 87.859-6-SP não foi reconhecida a nulidade do procedimento de interceptações telefônicas sob o fundamento de ter operado a convalidação, em razão de não sido apontado pela Defesa, na oportunidade própria, eventuais vícios relativos ao erro de encaminhamento do resultado do procedimento ao Ministério público, quando deveria ser remetido ao Juízo; bem como à ausência de auto circunstanciado. Já no HC 83.859-6-SP, o STF reconheceu que se o pedido da autoridade policial estava fundamentado, e o juiz aceitou o pedido motivado, significava que teria o acolhido pelos seus próprios fundamentos, razão pela qual o tribunal concluiu que foi respeitado o princípio da motivação das decisões judiciais. REFERÊNCIAS ARANHA. A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. AVOLIO, L. F. T. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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