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pelas garantias individuais do particular. Para Paulo Tadeu Rodrigues Rosa: “ Devido a injustiça que representava essa teoria foi afastada. Não havia sentido ...
8 A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PERANTE OS DANOS CAUSADOS AOS INDIVÍDUOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO1 Roberta Helfer Oliveira2 RESUMO: Visando o cumprimento dos princípios regulamentadores do Estado Democrático de Direito de forma extensiva a todos os seres humanos, a presente pesquisa tem por objetivo principal demonstrar que as garantias fundamentais impostas pela Constituição Federal brasileira são direcionadas a todas as pessoas. Aqui, não serão excluídos os indivíduos que cumprem pena privativa de liberdade no Brasil. Importante destacar que o Estado, detentor do direito do cerceamento de liberdade do delinqüente, ao exercer tal direito, deve propiciar a estes cidadãos o direito de exercer sua dignidade, o que está assegurado pela Carta Magna. Ao não cumprir, de forma efetiva sua função (através de ação ou omissão), incidirá a responsabilidade objetiva da Administração Pública, sendo necessária somente a demonstração do nexo de causalidade entre a atividade estatal e o dano suportado. A abordagem inicia-se com uma análise das atuais condições do Sistema Penitenciário, evidenciando-se as garantias constitucionais que são dispensadas a essa camada da população e enfatizando os principais problemas enfrentados pela população penitenciária. Em Relação à responsabilização do Estado pelos danos causados aos presos, relevante demonstrar a evolução histórica do instituto, enfatizando a Responsabilidade Objetiva, a teoria aplicada atualmente. Importante ainda, neste aspecto, evidenciar a culpa do agente causador do dano, sendo possível o direito de regresso, bem como as causas que excluem a responsabilidade do Estado e quais danos são passíveis de indenização. Finalmente, imprescindível a exposição dos principais fundamentos utilizados pelos Tribunais brasileiros, e de que forma, efetivamente, se dá a Responsabilização do Estado pelos Danos Causados aos Indivíduos do Sistema Penitenciário. Palavras-chave: Garantias Constitucionais. Responsabilidade Civil. Administração Pública.

Sistema

Penitenciário.

INTRODUÇÃO A preocupação com as garantias fundamentais e com os direitos do ser humano gera uma polêmica no que tange aos indivíduos do sistema penitenciário. Não raras vezes, existem defesas em prol da desconsideração dos presos como sujeitos merecedores de tais garantias. Certamente, o fato de ser um apenado não caracteriza a exclusão do indivíduo da condição de ser humano. Sendo assim, a

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Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau em Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, Prof.ª Clarice Beatriz da Costa Sohngen e Prof.ª Lígia More Madeira, em 27 de novembro de 2009. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS. Contato: [email protected]

9 este deve ser dispensado todo e qualquer direito, a não ser aqueles que perdeu em virtude da condenação penal. Importante destacar que o objetivo do presente trabalho não é defender a impunidade ou a aplicabilidade de penas mais brandas. Defende-se, portanto, a aplicação das leis que regulam o cumprimento da pena privativa de liberdade e a observância das normas e princípios contidos na Constituição Federal de 1988. A dignidade da pessoa humana está prevista no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, e tal dispositivo não comporta exceções. Ora, certamente que o Estado deve dar as condições aos indivíduos do Sistema Carcerário para que os mesmos exerçam tal dignidade, sem que seus direitos de ser humano sejam mitigados. O fato de alguém ter cometido um ilícito penal, descumprindo as regras estabelecidas pela sociedade e pelo ordenamento jurídico, não autoriza que o Estado desrespeite as normas impostas. Nesse sentido, indaga-se qual é o limite da responsabilização da Administração Pública pelos prejuízos causados àqueles que estão sob sua tutela, aos quais o Estado deveria proteger os direitos. Inicialmente, importante salientar que o objetivo da pena privativa de liberdade não é a retribuição do mal causado, mas a ressocialização do apenado para que o mesmo possa retornar ao convívio social. Neste diapasão, de suma importância destacar as garantias constitucionais dos detentos, pois o cumprimento de pena não pode implicar em desconsideração ou diminuição de direitos fundamentais. Sendo assim, perceptível a preocupação do legislador em direcionar os direitos fundamentais, também àqueles que cumprem pena privativa de liberdade no nosso país. Ainda: importante evidenciar os principais danos causados aos presos, sendo que os mais perceptíveis são a superlotação, falta de estrutura e espaço físico, insalubridade, incidência de doenças infecto-contagiosas, ocorrência de mortes violentas e agressões, praticadas por outros detentos ou até mesmo por agentes do Estado, práticas sexuais violentas... É evidente que a atual realidade do Sistema Carcerário brasileiro é degradante e lastimável, sendo que as condições de existência humana atingem níveis mínimos, o que acarreta, muitas vezes, em danos inimagináveis a estes seres humanos. Obviamente que tais condições desrespeitam os princípios do direito constitucional, pois ferem, além da integridade física e moral, a dignidade da pessoa humana, o que está garantido pela Carta Magna e deveria ser fielmente aplicado. A responsabilidade civil do Estado pelos danos causados aos seus administrados, através de ação ou omissão de seus agentes é a problemática central do presente estudo. De maneira breve, importante demonstrar a evolução do instituto da responsabilização estatal ao longo do tempo, o que evidencia a própria evolução social, onde a preocupação com a soberania do Estado deu espaço, de maneira gradativa, ao reconhecimento do indivíduo como merecedor de garantias individuais. Enfatiza-se, portanto, a Teoria da Responsabilidade Objetiva, que tem aplicação no Estado Democrático de Direito brasileiro, consistente na simples

10 demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo suportado e a ação ou omissão da Administração pública. Para demonstrar a responsabilidade estatal, se faz necessário analisar a responsabilidade do agente, que é o causador direto do dano, para avaliar as reais possibilidades do direito de regresso da Administração contra o agente. Aqui também serão analisadas as causas que eximem ou atenuam a responsabilidade estatal, pois obviamente que não é qualquer dano que enseja a responsabilidade da Administração Pública. Ainda: não é todo dano que é indenizável, sendo que para que ocorra o direito à indenização deverá haver uma afronta a um determinado bem jurídico, reconhecidamente como direito do indivíduo. Assim, demonstrar-se-á a necessidade de responsabilização do Estado pelos prejuízos que seus agentes causarem (ou deixarem de evitar) aos indivíduos do sistema penitenciário, com a finalidade de evitar injustiças, de forma a dar efetividade aos direitos e garantias impostas pela Constituição Federal. 1. A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO PERANTE OS DANOS CAUSADOS AOS INDIVÍDUOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO 1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS É evidente que os Direitos Humanos são mitigados no que se refere aos presos, pois muitas vezes estes são vistos como aqueles que não estão inseridos na sociedade, ocorre como se não existissem. Mas eles existem, são seres humanos e merecem ter seus direitos garantidos como tais. A situação em que vivem os presos é desumana, não ressocializa, e o Estado, deve, ao menos, respeitar as garantias impostas por lei. Pedir uma modificação “qualitativa” da pessoa do delinqüente - “um homem novo” - é sem dúvida, pedir demasiado. Esperar tal milagre da intervenção penal é desconhecer as atuais condições de cumprimento da pena privativa de liberdade e o efeito que esta produz no homem real do nosso tempo, segundo a própria experiência científica. Não parece fácil que o Estado garanta a ressocialização do condenado, quando não é capaz sequer de 3 assegurar sua vida, sua integridade física, sua saúde.

O fato de o apenado estar pagando por um ato ilícito que cometeu, não justifica que a dignidade da pessoa humana deve ser desconsiderada. A pena é privativa de liberdade e não privativa de direitos fundamentais. Além disso, a finalidade da pena, antes de ser um castigo, é a ressocialização do delinqüente, para que seja possível que este retorne ao convívio em sociedade sem delinqüir. Porém, a ressocialização só se dará frente a medidas eficazes, nas quais a pena não deve ser vista como retribuição ao mal causado. Nos dizeres de Eysenck: A pena deve ceder o lugar a adequadas medidas de terapia do comportamento. Os criminosos – escreve – devem ser tratados e não

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MOLINA, Antônio Garcia–Pablos de; GOMES, Luiz Flávio Gomes. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução as bases criminológicas da lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais Criminais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 156-157.

11 punidos, por mais que a solução seja contrária os nossos princípios. É esta, pelo menos, a conclusão a que se chega quando se pretende a reabilitação e a redução do número de criminosos. O castigo talvez satisfaça os nossos 4 instintos primitivos, mas nenhum progresso realiza.

A questão penitenciária é um assunto delicado, porém é sabido que aqueles que cumprem pena deveriam ter seus direitos preservados como seres humanos, o que não ocorre, de fato. As condições degradantes as quais estão submetidos não são condições adequadas em um sistema como o nosso, que deve prezar, no mínimo pelo bem estar físico dos apenados. A nossa lei penal e o sistema jurídico, em geral, não autorizam que se cumpra pena desta forma, não há a possibilidade de diminuição dos direitos do cidadão, mesmo que este esteja cumprindo pena. Somente frente às leis regulamentadoras, se dará o cerceamento da liberdade do ser humano. E obrigatoriamente deve haver a fiel observância às normas nelas contidas. Não pode haver restrição ao que se refere a direitos fundamentais necessários a uma vida digna. Para Carmem Silvia de Moraes Barros: O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições 5 que assegurem o respeito à dignidade.

A dignidade da pessoa humana, certamente é o princípio maior que rege a sociedade atual. É este princípio que serve como paradigma para a elaboração de normas. Tanto é assim, que a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 1°, inciso III6 estabelece a Dignidade da Pessoa Humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A pessoa humana a qual a Carta Magna se refere não comporta exceções. Destarte, para fazer jus a tal dignidade, basta ser humano, não havendo diferenciações referentes à liberdade do indivíduo. Diante do exposto, percebe-se que o criminoso não deixa de ser um ser humano, portanto a ele são devidas as mesmas garantias constitucionais destinadas à população em geral, a não ser as que perdeu em virtude de sua situação legal. No mesmo sentido, Ives Gandra Martins afirma: O encarcerado pelo Estado tem que ser tratado com dignidade. O leitor certamente argumentará: ”mas o criminoso não respeitou a dignidade da vítima.” É certo, mas o Estado não pode nivelar sua conduta pelo

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EISENCK, H. J. Fctos e mitos da psicologia. Apud DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa Andrade. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.p. 215-216. BARROS, Carmem Silvia de Moraes. Direitos do preso. Dicionário de Direitos Humanos: Direitos do Preso [site], 09 jul. 2006. Disponível em . Acesso em: 23 abr. 2009. CF - Art. 1, inciso I. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009).

12 comportamento do criminoso. O fato de o cidadão não ter tratado a sociedade como deveria e ter sido condenado por isto não é justificativa 7 para a sociedade tratá-lo da mesma maneira.

1.2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO O Estado tem o poder de prender, privar de liberdade aquele que infringiu as normas. Porém tal poder deve vir acompanhado do dever, dever de preservar a vida e a dignidade da pessoa humana no que tange aos reclusos do Sistema Penitenciário Brasileiro. A não aplicação das leis que regulam a ação da Administração Pública causa danos de dimensões inimagináveis, sendo que o Estado deve responsabilizar-se civilmente por tais prejuízos. Nesse sentido, o parágrafo 6° do art. 378da Constituição Federal Brasileira estabelece: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. É evidente que o Estado deve responsabilizar-se sim pelos danos causados àqueles que estão sub sua tutela. Se o Estado pune, privando delinqüentes de liberdade, obviamente deve dar as condições mínimas de dignidade a esses que estão inseridos no degradante sistema carcerário brasileiro. 1.3. BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A evolução social, certamente teve efeitos, também, doutrinários acerca da responsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes para com os administrados. A preocupação com o particular e o respeito às garantias individuais, fez com que houvessem mudanças significativas quanto à responsabilização no que tange à Administração Pública. A teoria da irresponsabilidade foi predominante por muitos séculos. Odete Medauar, a respeito do tema, leciona: Durante muitos séculos prevaleceu a teoria da irresponsabilidade do Estado. Várias concepções justificavam tal isenção, dentre as quais: o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontestável, impede seja reconhecida sua responsabilidade perante 9 um indivíduo.

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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Conheça a Constituição: comentários à Constituição Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2005. v. 1, p. 110. CF - Art. 37,§ 6°. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009). MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 365.

13 Essa disparidade entre direitos e deveres do Estado e do particular dava margem à injustiças, pois a Soberania estatal prevalecia sobre quaisquer garantias dos indivíduos, sendo que estes ficavam condicionados às vontades do poder público, sem a possibilidade de responsabilização do Estado em decorrência de eventuais prejuízos causados pela ação ou omissão da Administração. Obviamente que tal teoria não é mais aplicada, visto a evolução social, que cada vez mais preza pelas garantias individuais do particular. Para Paulo Tadeu Rodrigues Rosa: “Devido a injustiça que representava essa teoria foi afastada. Não havia sentido que um Estado representante dos interesses de uma coletividade estivesse sob o manto da irresponsabilidade.”10 Superada a teoria da irresponsabilidade, houve o advento das teorias civilistas, nas quais se encontram a teoria dos atos de império e de gestão e a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva. A teoria dos atos de império e dos atos de gestão reparte as ações do Estado, sendo os atos de império aqueles que eram praticados pelo Estado na condição de Governo, e os atos de gestão aqueles onde o Estado era equiparado ao particular. Os atos de gestão eram suscetíveis de responsabilização, enquanto os atos de império estavam protegidos, sendo vedada a responsabilidade do Estado por danos provenientes destes. As teorias civilistas foram abandonadas para que fossem aplicadas as teorias publicistas. Compõem as teorias publicistas a teoria da culpa administrativa ou culpa do serviço público e a teoria do risco integral ou administrativo ou teoria da responsabilidade objetiva. Devido à dificuldade do particular em demonstrar a deficiência administrativa causadora do dano, é mais adequada a aplicação da responsabilidade objetiva para regular a responsabilização estatal pelos danos causados aos indivíduos que estão sob sua tutela, visto o Estado ter assumido as responsabilidades quanto à tutela do individuo e eventuais danos que vier a causar a este. 1.4. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA A responsabilidade objetiva, de fato, é a teoria aplicada nas relações entre Estado e indivíduo. Sobre o tema, Odete Medauar ensina: Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve 11 ressarcir.

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ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado por atos das forças policiais. Belo Horizonte: Lider Editora, 2004. p. 33. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 366-367.

14 O ordenamento jurídico brasileiro tem previsão legal para responsabilizar a Administração Pública por eventuais danos que venha a cometer. O § 6° do artigo 37 da Constituição Federal prevê: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”12 No mesmo sentido, o Código Civil Brasileiro também consolida o direito do particular à indenização em virtude de atos ou omissões da Administração pública e seus agentes. Versa o artigo 43 do código supramencionado que “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”13 Percebe-se que a aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva dáse através da demonstração do nexo causal. Destarte, para que haja direito de ação, basta somente a demonstração da relação entre o dano e o dever não cumprido por parte do Estado. Tal responsabilidade independe de dolo ou culpa do agente, pois neste caso, é aplicada a teoria do risco, ou seja, o Estado assumiu o risco em relação a eventuais danos para com seus administrados. Referente à responsabilidade no âmbito do Sistema Penitenciário, Celso Antônio Bandeira de Mello exemplifica: Por razões e critérios idênticos aos que vêm sendo expostos, a responsabilidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob guarda do Estado aplica-se, também em relação aos que se encontram sob tal guarda. Assim, se um detento fere ou mutila outro detento, o Estado responde objetivamente, pois cada um dos presidiários está exposto a uma situação de risco inerente à ambiência de uma prisão onde convivem infratores, ademais inquietos pela circunstância de estarem 14 prisioneiros.

1.5. A RESPONSABILIDADE DO AGENTE Como já foi citado, o artigo 37, § 6°15 da Carta Magna prevê o direito de regresso da Administração para com o causador direto do dano (agente estatal). Hely Lopes Meirelles explica: A ação regressiva da administração contra o causador direto do dano está instituída pelo § 6° do art. 37 da CF como mandamento a todas as

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CF - Art. 37, § 6°. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009). CC - Art. 43. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2009). MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 943. CF - Art. 37, § 6°. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009).

15 entidades públicas e particulares prestadoras de serviços públicos. Para o êxito desta ação exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso. Enquanto para a Administração a responsabilidade independe da culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se 16 apura pelos critérios gerais do Código Civil.

Obviamente que o agente responde subjetivamente pelo dano cometido, enquanto o Estado o faz de forma objetiva. Isso ocorre pelo fato de a Administração Pública ter assumido o risco. Defendendo a posição de que a vítima poderá ser indenizada tanto pelo Estado quanto pelo causador direto do dano, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe: A norma visa proteger o administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade objetiva em muitos casos. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade de proceder contra quem lhe causou o dano. Sendo um dispositivo protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado. A interpretação deve coincidir com o sentido para o qual caminha a norma, ao invés de sacar delas conclusões que caminham na direção inversa, benéfica apenas ao 17 presumido autor do dano.

Embora parte da doutrina defenda ser possível entrar com ação de indenização também contra o agente público, ao fazer análise do artigo 37, § 6° da Constituição Federal, Hely Lopes Meirelles é categórico ao referir que “O legislador constituinte bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente”.18 A denunciação à lide também figura como uma possibilidade. Porém, há uma problemática a respeito do tema, exposta, entre outros autores, por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho: Sobre a matéria, a rigor, podem-se conceber três entendimentos possíveis: que a denunciação à lide é obrigatória, sob pena de perda do direito de regresso; que ela é facultativa, de toda forma resguardado o eventual direito de regresso; ou que é vedada, devendo o eventual direito de regresso ser 19 buscado em processo autônomo.

Odete Medauar, em Direito Administrativo Moderno, demonstra com perfeição os argumentos favoráveis e contrários da utilização da denunciação à lide em processo indenizatório contra o Estado:

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro: 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 669. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 958. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31. ed. São Paulo. Malheiros, 2005. p. 667. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Problemas de responsabilidade civil do Estado. In: FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 56.

16 Reina dissenso na doutrina e na jurisprudência a respeito da questão. Em sentido contrário à denunciação salientam-se as seguintes justificativas, dentre outras: a) a CF, art. 37, § 6°, responsabiliza o Estado pelo ressarcimento à vítima do dano, com base na prova do nexo causal; aqui se trata de relação de responsabilidade entre poder público e vítima [...], descabida a interferência de outra relação obrigacional; portanto, o art. 70, III, do Código de Processo Civil deixa de prevalecer ante a regra constitucional; b) necessidade de priorizar o direito da vítima, evitando demora no andamento do processo pelo ingresso de mais um sujeito; c) ingerência de um fundamento novo na demanda principal. Esta parece ser a orientação a que mais se inclina a jurisprudência. Em sentido favorável à denunciação existe também farta jurisprudência, argumentando-se o seguinte: a) o art. 70,III, do Código de Processo Civil alcança todos os casos de ação regressiva; b) por economia processual e para evitar decisões conflitantes, a responsabilidade do agente pode ser apurada nos autos da ação de reparação de dano; c) recusar a denunciação 20 à lide do agente cerceia um direito da Administração.

1.6. CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE O Estado, já está comprovado, é responsável objetivamente pelos danos causados aos seus administrados. Porém tais danos devem ter relação com a atividade estatal. A administração pública não pode responsabilizar-se por quaisquer prejuízos aos indivíduos. Deve haver a comprovação do nexo causal entre o prejuízo suportado e o dever de agir do poder público, caso contrário, não ocorrerá a responsabilização do Estado. Odete Medauar explica: Para configurar a responsabilidade civil do Estado há que se verificar o nexo causal entre ação ou omissão do poder público e o evento danoso. Se outra atuação, outro acontecimento, provados pela Administração, levaram ao dano, sem o vínculo ou sem o vínculo total com a atividade administrativa, 21 poderá haver isenção total ou parcial do ressarcimento.

Deve-se ter cuidado com essas excludentes de responsabilização do Estado no que se refere aos indivíduos que integram o Sistema Penitenciário, pois apesar da alegação de que o dano foi gerado exclusivamente pela vítima ou por um terceiro, o Estado tem a obrigação de proteger essas pessoas, visto que estão sob sua tutela. Os fatos imprevisíveis, muitas vezes citados como excludentes de responsabilização, geram uma problemática: até que ponto o Estado deveria evitar o dano? Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina: Nos casos ora cogitados (de responsabilidade objetiva), eventual invocação de força maior – força da natureza irresistível – é relevante apenas na medida em que pode comprovar ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido. Se foi produzido por força maior, então não foi

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MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 371. Ibidem, p. 372.

17 produzido pelo Estado. O que exime o Poder Público de responder á 22 sempre a não-configuração dos pressupostos.

O mesmo autor explica a diferenciação dos casos fortuitos e força maior e a aplicação destes no âmbito da responsabilidade estatal: A fortiori exime-se de responsabilidade quando o dano é inevitável, sendo baldos quaisquer esforços para impedí-lo. Por isso, a força maior – acontecimento natural, irresistível -, de regra, é causa bastante para eximir o Estado de responder. Pensamos que o mesmo não sucederá necessariamente ante os casos fortuitos. Se alguma falta técnica, de razão inapreensível, implica omissão de um comportamento possível, a impossibilidade de descobrí-la, por seu caráter acidental, não elide o defeito 23 do funcionamento do serviço devido pelo Estado.

Destarte, indiscutível a responsabilidade objetiva do Estado, mas seria inadequado e até mesmo injusto que a Administração fosse responsabilizada por todo e qualquer dano que o administrado venha a sofrer. Os atos que a Administração não praticou e não tinha o dever de evitar, ocorridos por motivos alheios à sua vontade não são suscetíveis de responsabilização, pois se assim o fosse, o Estado arcaria com todos os prejuízos suportados pelos indivíduos. Porém o objetivo da responsabilidade do Estado não é este, mas sim que haja um funcionamento administrativo eficaz, e se caso não o for, gerando danos, cabível portanto a responsabilização, desde que comprovada a relação entre a atuação da Administração e o prejuízo suportado. 1.7. O DANO E O DIREITO À INDENIZAÇÃO Como já citado, para que haja a responsabilização do Estado não basta que tenha ocorrido um dano, mas tal dano deve ter relação com a atuação administrativa. A responsabilização objetiva não significa que quaisquer danos devam ser indenizados pelo poder estatal, o que enseja a comprovação da existência do prejuízo e a prova da relação causal. Para que, de fato, ocorra um dano indenizável deve haver a violação a determinado bem jurídico. A respeito do dano indenizável, Celso Antônio Bandeira de Mello explica: Não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que se trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, 24 reconhecendo-o como um direito do indivíduo.

Ora, certamente que simples ocorrência danosa não tem o condão de criar a responsabilidade do Estado, devem estar presentes os pressupostos necessários, para que haja a possibilidade de indenização.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 948 23 Ibidem, p. 949. 24 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 944-945.

18 É através da ação de indenização que se dá, de fato, a responsabilidade do Estado. Havendo a demonstração do dano e sua relação com a atividade da administração pública, o administrado poderá ajuizar ação de indenização contra o Estado. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles ensina: Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o efeito danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se 25 parcial, reparte-se o quantum da indenização.

Além do dano material, a indenização por ocorrência de dano moral também é possível. Destarte, condutas de agentes do Estado que causem prejuízos morais ao apenado também serão passíveis de responsabilidade do poder público. A responsabilidade incide pelo fato de o Estado ter o dever para com os presos, evitando qualquer dano, seja ele físico ou moral. Em que pese muitos autores defenderem que a indenização não é cabível por dano moral, esta poderá existir sim, sendo que negá-la seria retroceder, pois nos levaria à teoria da irresponsabilidade, onde o Estado está isento de responsabilização. A obrigação de indenizar o particular por dano moral não é tão clara e evidente quanto a indenização por dano material. Explicando dano moral, Regina Linden Ruaro: Nessa linha de entendimento, não basta, para obter a reparação por danos morais, o alegar da existência de dor, eis que este é um critério subjetivo, cujo sentir varia de pessoa para pessoa. O direito deve compensar o dano que provocou efeitos morais lesivos à vítima porque assim previstos no 26 ordenamento jurídico.

Não é qualquer sofrimento que é ensejador de indenização por dano moral. O dano moral deve advir de um bem juridicamente tutelado, o que significa que tal prejuízo deve estar no âmbito dos direitos da pessoa humana. 2. JURISPRUDÊNCIA A jurisprudência brasileira admite a responsabilidade estatal pelos danos causados aos indivíduos que compõem o sistema penitenciário. Aplicando a teoria do risco administrativo, exige apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o dano ocorrido e a atuação (ou omissão) da administração pública. Esse é o mesmo entendimento do Ministro Eros Grau, em julgado do ano de 2007, pelo STF, onde o Relator cita outras emendas que demonstram o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça:

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31. ed. São Paulo. Malheiros, 2005. p. 667. RUARO, Regina Linden. Responsabilidade civil do Estado por dano moral. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 2, p. 145-168, 2002. p. 150.

19 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. MORTE DE DETENTO POR OUTRO PRESO. 1. Detento assassinado por outro preso. Responsabilidade objetiva do Estado de reparar o dano. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): A decisão agravada está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal, que decidiu no sentido de imputar responsabilidade objetiva ao Estado pelo assassinato de preso por outro detento em cadeia pública. Nesse sentido: “Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento” 27 [RE n. 272.839, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 8.4.05].

Cito ainda decisão do Superior Tribunal de Justiça, evidenciando o voto do Ministro Relator Teori Albino Zavascki: EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. MORTE DE DETENTO. REBELIÃO. EXISTÊNCIA DO DANO. NEXO DE CAUSALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [...] VOTO: O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator): [...] "2. Apreciando caso análogo (REsp 847.687/GO, Min. José Delgado, DJ de 25.06.2007), a 1ª Turma pronunciou-se no sentido de que, "no que se refere à morte de preso sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva". Em voto vista, observei que o nexo causal se estabelece, em casos tais, entre o fato de estar preso sob a custódia do Estado e, nessa condição, ter sido vitimado, pouco importando quem o tenha vitimado. É que o Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Ora, tendo o dever legal de proteger os presos, inclusive na prática de tentado contra sua própria vida, com maior razão deve exercer referida proteção em casos como o dos autos, no qual o detento foi vítima de homicídio em rebelião ocorrida no estabelecimento prisional administrado pelo ente público. No mesmo sentido, cita-se: REsp 28 713682/RJ, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 11.04.2005.”

Note-se que o Superior Tribunal de Justiça, em certos julgados defende ser possível a indenização ao indivíduo que sofre com humilhações no sistema penitenciário brasileiro. A ementa a seguir demonstra:

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 466322 / MT. Segunda Turma. Relator: Min. Eros Grau, Julgamento em 13 mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Agravo no Agravo de Instrumento nº 986208 / MT. Primeira Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki, Julgamento em 22 abr. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009.

20 EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO AO ART. 535 – INOCORRÊNCIA – LUCROS CESSANTES – SÚMULA 7/STJ – RESPONSABILIDADE CIVIL – SEQÜELAS DEFINITIVAS DECORRENTES DO TRATAMENTO DEGRADANTE SOFRIDO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. O Estado é responsável pela preservação da integridade moral e física do 29 preso, enquanto estiver sob sua custódia. [...] .

Relativamente a possíveis suicídios que possam ocorrer dentro das casas prisionais e a possibilidade de indenização, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul demonstra os principais fundamentos: INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. SUICÍDIO EM CELA DE CADEIA. PRISÃO IRREGULAR. FALTA DO SERVIÇO. Restando devidamente demonstrado que o resultado danoso decorreu de conduta omissiva do serviço público ao deixar de vigiar preso, em estado alcoolizado, encarcerado indevidamente, configurada a falta do serviço e reconhecido o dever de indenizar. Montante da indenização majorado para valor equivalente a 75 salários mínimos. APELAÇÃO DO ESTADO IMPROVIDA E DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. [...] DRA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (RELATORA): [...] Com efeito, o Estado responde objetivamente pelos danos materiais ou morais, por força do art. 37, §6º, da Constituição Federal, comprovadamente oriundos de atos de qualquer dos três Poderes, obrigando-se a reparar os prejuízos causados. No entanto, embora o caso dos autos se trate de responsabilização do ente estatal por omissão do serviço público, na qual se exige a comprovação da culpa subjetiva, restou devidamente demonstrado que o resultado danoso, efetivamente, decorreu de conduta omissiva do serviço público como um todo, sem a necessidade de individualização da conduta, vez que aplicável à espécie a teoria da ‘falha do serviço’. Saliente-se que não há para o Poder Público privilégios ou prerrogativas que possam eximi-lo do dever, que a todos é imposto, de preservação da integridade de bens ou direitos protegidos pela segurança da ordem jurídica, salvo se comprovada a licitude dos atos de seus agentes. No entanto, este não foi o caso dos autos, pois negligência do serviço resultou no dano experimentado pelos autores. Por certo, os elementos necessários para que o ente público seja obrigado a pagar a indenização pleiteada estão presentes, uma vez que estão claros

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 593265 / MG. Segunda Turma. Relator: Min. Eliana Calmon. Julgamento em 27 set. 2005. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301668322&dt_publicacao=17/10/2005 >. Acesso em: 14 out. 2009.

21 e minudentemente comprovados nos autos: a ação/omissão do preposto do Estado, o nexo de causalidade e o resultado danoso. [...] Releva consignar que também responderá o Estado quando a causa do dano não puder ser detectada e não tiver sido provada a hipótese de força maior, excludente de ilicitude. Nesse caso, não sendo possível identificar o agente público como a causa próxima ou remota da responsabilidade, a origem será atribuída à coisa pública. Ou seja, sabe-se que o responsável é o poder público, embora não se tenha certeza da fonte específica do dano (funcionário ou setor deficiente). Haverá o que se denomina falha da máquina. Responderá, ainda, o ente público quando o dano resultar de omissão. Nesse caso, só haverá responsabilidade em se provando que havia uma obrigação de agir. Deve estar evidenciada a má condução do serviço público (serviço não funciona, funciona mal ou com atraso), pois não teria lógica o Estado ser demandado por algo que não fez, a não ser quando 30 deveria fazê-lo. [...]

Em que pese muitas vezes os Tribunais isentarem a Administração Pública de responsabilidade por suicídio de presos alegando inexistência de nexo de causalidade, por culpa exclusiva da vítima, tais decisões são equivocadas e retrógradas, pois a responsabilidade estatal é objetiva, e se o Estado é responsável pelos indivíduos que se encontram em estabelecimentos prisionais, deve zelar pela segurança dos mesmos, afastando a possibilidade de qualquer ofensa à sua integridade física e evitando possíveis danos. Através dos motivos expostos pela nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, percebe-se que o Estado, tendo assumido o risco de tutelar os indivíduos do sistema penitenciário, tem responsabilidade civil por suas ações e omissões, pois o mesmo não pode ficar à margem da irresponsabilidade pelos danos que causou ou que deixou de evitar, pois tem o dever de vigilância. Através das jurisprudências expostas, ficam claros os argumentos em prol da responsabilização objetiva do Estado. Tal responsabilidade está amparada no dever de cautela e proteção que o Estado deve ter com os administrados. Sendo assim, deverá responder objetivamente pelos danos causados aos indivíduos que compõem o sistema penitenciário, pois ao cercear o sujeito de liberdade, deve no mínimo propiciar as condições de sobrevivência humana. Destarte, a Administração Pública tem o dever de indenizar o apenado ou sua família por eventuais prejuízos suportados. Apesar das razões demonstradas, que comprovam a necessidade de responsabilização do Estado pelos danos causados aos presos, no que tange às péssimas condições a que estão submetidas essas pessoas, alguns julgadores ainda têm isentado a Administração de responsabilidade. Invocam o princípio da reserva do possível. Ora, tal argumento não me parece ser o mais adequado, visto que o Estado deveria respeitar as leis, ou seja, dar as condições adequadas às pessoas presas. Assim, a tese de que a irresponsabilidade se dá por falta de recursos e que se a Administração tiver que indenizar o preso por más condições

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RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 70007165384. Nona Câmara Cível. Relator: Dra. Marilene Bonzanini Bernardi. Julgamento em 30 jun. 2004. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009.

22 prejudicará a sociedade em geral, gera a idéia de irresponsabilidade, o que diverge dos princípios, principalmente da eficiência, pois autoriza o Estado a deixar os indivíduos do Sistema Penitenciário à mercê de condições precárias e degradantes. O Superior Tribunal de Justiça, julgando recurso interposto pelo estado do Rio de Janeiro, decidiu negar provimento, responsabilizando a Administração, porém, importante ressaltar o voto do relator Ministro Francisco Falcão, que defende a aplicabilidade do princípio da reserva do possível: VOTO VENCIDO: O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (RELATOR): [...] Definiu-se sobre a insuficiência de recursos que assola o ente estatal, a sopesarem os direitos envolvidos na hipótese (de um lado os presos, e de outro, toda uma população em situação de carência e até mesmo total miséria). [...] Também não se pode negar que diversos outros setores da Administração Pública necessitam tanto de maiores cuidados e incrementos orçamentários quanto o sistema carcerário. Tome-se por exemplo os sistemas de saúde e infra-estrutura ou educação, tão carentes de recursos financeiros e políticas sociais como o sistema prisional.Questão que intriga doutrinadores e Julgadores é aferir a responsabilidade do Estado por sua atuação deficiente perante o administrado, individualmente concebido, como no caso vertente. A tese que melhor resolve esta equação, a meu ver, é a da limitação da eficácia e dos direitos individuais pela “reserva do possível”. Ou seja, devese exigir do Estado o cumprimento de todas as suas obrigações previstas em lei, respeitando os limites das suas possibilidades financeira e orçamentária, sob pena de onerar ainda mais a própria sociedade, já bastante prejudicada com a atuação defeituosa da Administração. [...] Se a razão preponderante dessa ineficiência estatal é exatamente a impossibilidade material ou financeira, não me parece razoável apenar a própria sociedade com o pagamento de indenizações àqueles que não tiveram seus direitos fundamentais positivamente assegurados pelo Estado. Raciocínio contrário, conduziria ao colapso da Administração Pública, que ver-se-ia financeiramente impossibilitada de assegurar aos seus cidadãos seus direitos mínimos, ao mesmo tempo em que estaria obrigada a indenizar cada um destes pela sua ineficácia. Nesta seara, tem-se que os direitos e garantias individuais não são absolutos, especialmente aqueles que exigem do Estado uma prestação devendo ser relativisada sua aplicação em homenagem aos demais direitos e garantias enunciados na Constituição Federal, como expressão do Estado Democrático de Direito. [...] Temos de um lado o dever do Estado de garantir a segurança pública e aplicar aos condenados as penas respectivas, ao mesmo tempo em que a Constituição assegura ao preso a inviolabilidade ao direito à vida, à saúde física e mental, vedando a aplicação de penas cruéis, desumanas ou diversas daquela a que foi condenado. [...] Em razão do exposto, DOU PROVIMENTO ao presente recurso para que 31 seja afastada a indenização determinada pelo aresto recorrido. É o voto.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1051023 / RJ. Primeira Turma. Relator: Min. Francisco Falcão, Julgamento em 11 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009.

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O Desembargador Relator do julgado supramencionado foi voto vencido, porém muito importante destacar suas razões, pois as mesmas ainda são muito utilizadas para isentar o Estado de responsabilidade no que tange à situação lastimável do sistema penitenciário brasileiro. Observe a seguir os argumentos que venceram o voto do relator na mesma decisão: O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: [...] Estabelecidas tais premissas, não há como dar provimento ao recurso. O "princípio da reserva do possível" (que, à luz dos votos aqui proferidos, tem o significado da insuficiência de recursos financeiros) certamente não pode ser invocado, nessa dimensão reducionista, em situações como as do caso concreto. Faz sentido considerar tal princípio para situações em que a concretização constitucional de certos direitos fundamentais a prestações, nomeadamente os de natureza social, dependem da adoção e da execução de políticas públicas sujeitas à intermediação legislativa ou à intervenção das autoridades administrativas. Em tais casos, pode-se afirmar que o direito subjetivo individual a determinada prestação, que tem como contrapartida o dever jurídico estatal de satisfazê-la, fica submetido, entre outros, ao pressuposto indispensável da reserva do possível, em cujo âmbito se insere a capacidadefinanceira do Estado de prestar o mesmo benefício, em condições igualitárias, em favor de todos os indivíduos que estiverem em iguais condições. Mas não é disso que aqui se cuida. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato dos agentes estatais ou pela inadequada prestação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição, dispositivo autoaplicável, não sujeito a intermediação legislativa ou administrativa para assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado, caso em que os recursos financeiros para a satisfação do dever de indenizar, objeto da condenação, serão providos na forma do art. 100 da Constituição. Ora, no caso concreto, conforme já enfatizado, não se discute a existência do dano ou o nexo causal, circunstâncias tidas como certas. Realmente, não há dúvida de que o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas. E é dever do Estado ressarcir os danos causados aos detentos em estabelecimentos prisionais. Há vários precedentes nesse sentido na jurisprudência do STJ. Recentemente, essa 1ª Turma assentou que o dever de proteção do Estado em relação aos detentos abrange, inclusive, o de protegê-los contra si mesmos, impedindo que causem danos uns aos outros ou a si mesmos (AgRg 986.208, 1ª Turma, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 12.08.08). No mesmo sentido: REsp 847.687, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 25.06.07; REsp 713.682, 2ª Turma, DJ de 11.04.05; REsp 944.884, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 17.04.08). 3. Com essas considerações, nego 32 provimento, divergindo do relator. É o voto.

Através da Jurisprudência exposta, fica evidente que o Estado é responsável pelos danos que ocorrem aos indivíduos que estão sob sua tutela de forma objetiva, respeitando a Teoria do Risco Administrativo. Os julgados aqui

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1051023 / RJ. Primeira Turma. Relator: Min. Francisco Falcão, Julgamento em 11 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009.

24 explicitados demonstram com clareza quais são os principais fundamentos para a efetivação da responsabilização estatal e a possibilidade de indenização aos prejudicados através da ação ou omissão da Administração Pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão penitenciária e os prejuízos que as más condições a que estão submetidos os indivíduos que cumprem pena privativa de liberdade no Brasil é uma questão relevante no contexto social atual. Já está comprovado que o funcionamento dos estabelecimentos prisionais nacionais não atinge a sua finalidade primordial, o que está comprovado pelo elevado nível de reincidência criminal. É dever da Administração Pública o respeito aos limites constitucionais, sendo primordial a aplicabilidade dos princípios e garantias previstos pelo nosso ordenamento jurídico. O dever de eficiência no que tange aos serviços prestados pelo Poder Público é imperativo, porém, no contexto atual, percebe-se que o poder estatal nem sempre é exercido de forma efetiva, de forma a propiciar a plenitude dos direitos fundamentais aos seus administrados. No sistema atual, com as condições degradantes das casas prisionais brasileiras, fica evidente que não há respeito às normas impostas no que tange à aplicação de pena privativa de liberdade. É desumana a situação das cadeias nacionais, sendo que o Estado deveria zelar, ao menos, pelo bem estar físico e moral dos presos. Sendo assim, a pena tem limitado, de forma ilegítima, a dignidade da pessoa humana. Devido a tais condições, é freqüente a ocorrência de danos, o que faz com que os parâmetros mínimos de uma vida digna sejam desconsiderados. A deficiência do serviço acarreta em conseqüências desastrosas, para o indivíduo que sofre com a situação a que está inserido e para a comunidade em geral, que percebe os efeitos indiretos das falhas administrativas. Os problemas enfrentados pelos apenados são os mais diversos, de cunho moral e físico. Como exemplo, pode ser citado a superlotação, que acarreta em vários outros prejuízos. A aglomeração de pessoas se torna fator importante na geração de demais problemas, como a disseminação de doenças, falta de espaço físico e dificuldades de controle. Esta última é um fator significativo para o aumento da violência, pois aumenta a dificuldade em evitar agressões, mortes, violência sexual e rebeliões. Nesse diapasão, o objetivo da pena resta prejudicado, pois não há um tratamento adequado a fim de que a ressocialização seja alcançada. E a execução penal se tornou, ao invés de restritiva de liberdade, um instrumento restritivo de direitos fundamentais. A liberdade do ser humano só pode ser restringida diante da fiel observância das leis regulamentadoras da aplicação penal e da Constituição Federal. A Constituição Brasileira assegura a dignidade da pessoa humana com um dos seus princípios básicos, sendo assim, todos os humanos, sem exceções, são sujeitos destas garantias. O Estado poderá cercear a liberdade do indivíduo, porém, deverá respeitar as garantias que o mesmo não perdeu em virtude da aplicação da pena. Portanto, garantido está a proibição de penas cruéis, tratamento desumano e degradante, tortura, penas de morte e perpétuas, trabalhos forçados, entre outras

25 que demonstram limites à atuação do Estado, onde a integridade física e moral dos apenados estão protegidas. Destarte, eventual prejuízo causado em virtude da deficiência do serviço prestado pelo Estado enseja a responsabilização civil do mesmo. Tal responsabilização se dá de forma objetiva, ou seja, a prova de dolo ou culpa é prescindível, bastando a existência de nexo de causalidade para demonstrar a relação da ação ou omissão do agente e o evento danoso. Porém, o instituto da responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes passou por uma longa evolução até se aceitar a responsabilidade objetiva. Por muitos séculos, predominava a idéia de irresponsabilidade estatal, não se admitindo que o Estado se responsabilizasse pelos danos que seus agentes causassem, sob o argumento de que o monarca não falha. Essa teoria não teve aplicação no direito brasileiro. Devido à injustiça que representava essa teoria, a mesma foi superada, dando espaço às teorias civilistas (teoria dos atos de império e de gestão e teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva). Tais teorias ainda não eram suficientes para garantir a paridade entre os direitos dos cidadãos e a atuação estatal, sendo substituídas pelas teorias publicistas (teoria da culpa administrativa e teoria objetiva). A teoria da culpa administrativa ainda deixava lacunas que dificultavam a prova a ser produzida pelo particular. Sendo assim, como maneira de prezar pelo bem do indivíduo e dar igualdade de condições aos litigantes, impera, hoje, a teoria da responsabilidade objetiva. Percebe-se que a evolução social, interferiu diretamente nas teorias aplicadas quanto à responsabilidade civil da Administração Pública, pois a preocupação com as garantias e liberdades individuais, fez com que fosse aplicada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, em virtude deste ter assumido o risco ao se responsabilizar pelo indivíduo sob sua tutela. Em que pese o Estado ser responsável pelos danos causados por seus agentes (através de ação ou omissão), tem direito de regresso para com o agente. Quanto ao direito de regresso, há divergências doutrinárias, pois alguns autores defendem a possibilidade de denunciação à lide, enquanto outros a excluem. Ainda: há divergência também quanto à sua obrigatoriedade, pois há doutrinadores que afirmam ser facultativa, sendo que parte da doutrina alega sua obrigatoriedade sob pena de perda do direito de regresso. Relevante ainda haverem causas que diminuem ou excluem a responsabilidade estatal. Com a aplicação da responsabilidade objetiva, basta a comprovação do nexo causal, porém, sem tal vínculo, a Administração Pública está isenta de eventual indenização. Delicado, portanto, o assunto, pois mesmo que haja uma excludente de ilicitude (como por exemplo, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro), em determinadas situações, o Estado não estará isento, pois como dito anteriormente, o mesmo assumiu o risco e tem o dever de proteção para com seus tutelados. Mais: para ser indenizável, é necessário que a ação ou omissão estatal tenha gerado danos a bens jurídicos tutelados, pois não é qualquer efeito danoso que enseja a condenação do Estado em pagar indenização. Sendo assim, o dano

26 moral e material, desde que demonstrado a relação de sua ocorrência e a atuação da Administração, é passível de indenização. Jurisprudencialmente, o entendimento majoritário é a responsabilidade objetiva do Estado. Porém, muitas vezes, ao analisar o nexo causal, os julgadores eximem o Poder Público de responsabilidade, alegando inexistência de relação entre o dano suportado e a atuação estatal. Em suma, responsabiliza-se o Estado pelos danos que seus agentes causaram ou que deixaram de evitar, quando obrigados a isto, em virtude do risco que a Administração assumiu. Percebe-se que, na prática, são indenizáveis lesões e mortes em estabelecimentos prisionais, sejam provocadas por terceiros ou até mesmo pela vítima. Tal entendimento dá-se em decorrência do dever de proteção do Estado para com seus administrados, pois ao cercear o indivíduo de liberdade, tem o dever de zelar, no mínimo por sua integridade física. Já foi, inclusive, caracterizado direito à indenização no que se refere a maus tratos dentro do cárcere, o que comprova a evolução no que tange ao reconhecimento dos indivíduos do sistema penitenciário como sujeitos das garantias fundamentais. Em que pese haver muitos julgados em favor dos direitos humanos, ainda é freqüente a negação ao direito de indenização sob a fundamentação da utilização do princípio da reserva do possível, que consiste em isentar o Poder Público em virtude de falta de recursos. Ora, certamente tal argumento vai de encontro aos princípios básicos do Estado Democrático de Direito, pois inadequado sacrificar os direitos individuais do ser humano em prol de um fundamento abstrato. Pelo exposto nesta pesquisa, conclui-se que a ineficiência da atividade estatal é motivo pelo qual surge a responsabilidade de indenizar o indivíduo por eventuais danos causados. E deixar os indivíduos inseridos no Sistema Penitenciário à mercê de condições fisicamente e moralmente prejudiciais, muitas vezes com efeitos irreversíveis, certamente caracteriza danos indenizáveis. Para tanto, necessária se faz a presença dos requisitos básicos para a responsabilidade civil, quais sejam, ocorrência de evento danoso e o nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão estatal, sendo aplicada a teoria da responsabilidade objetiva. REFERÊNCIAS: BARROS, Carmem Silvia de Moraes. Direitos do preso. Dicionário de Direitos Humanos: Direitos do Preso [site], 09 jul. 2006. Disponível em . Acesso em: 23 abr. 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 out. 2009. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2009.

27 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 27 10 out. 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. 2. ed. Brasília, DF: Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2005. Disponível em . Acesso em: 24 maio 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Agravo no Agravo de Instrumento nº 986208 / MT. Primeira Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki, Julgamento em 22 abr. 2008. Disponível em: < javascript:AbreDocumento('Abre_Documento.asp?sSeq=775833&sReg=200702882 421&sData=20080512')>. Acesso em: 14 out. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1051023 / RJ. Primeira Turma. Relator: Min. Francisco Falcão, Julgamento em 11 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 593265 / MG. Segunda Turma. Relator: Min. Eliana Calmon. Julgamento em 27 set. 2005. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301668322&dt_publicacao =17/10/2005>. Acesso em: 14 out. 2009. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 466322 / MT. Segunda Turma. Relator: Min. Eros Grau, Julgamento em 13 mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009. DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa Andrade. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Conheça a Constituição: comentários à Constituição Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2005. v. 1. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro: 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. MOLINA, Antônio Garcia-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio Gomes. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução as bases criminológicas da lei

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